A reforma tributária e os investidores estrangeiros
Pilar Coutinho
Diante dos olhos incrédulos de uns, encantados de outros, foi aprovada a reforma tributária – Emenda Constitucional nº 132/2023 – que prometeu trazer o Brasil para a modernidade em termos de tributação. Terá essa reforma cumprido com a promessa de tornar o sistema fiscal brasileiro mais atrativo aos investidores estrangeiros?
Inicialmente, vale um pequeno resumo dos principais pontos aprovados. Destaca-se a implantação de um sistema de tributação sobre o consumo mais próximo do modelo predominante ao redor do mundo, o modelo IVA. Houve ainda a consagração – com seus potenciais impactos interpretativos – de princípios como a simplificação, transparência, justiça tributária e defesa do meio ambiente.
Missões clássicas nas palavras da doutrina, como uma tributação mais progressiva (ex. ITCD) e menos regressiva (artigo 145, parágrafo 3º) também foram incorporadas ao texto constitucional, enquanto as discussões mais recentes sobre o papel do sistema tributário na redução de desigualdades históricas, como as de gênero e raça, tiveram sua dose de influência no texto.
Em alguma medida, precedentes judiciais importantes influenciaram a emenda, inclusive para contornar limites anteriormente colocados pelo Poder Judiciário (por exemplo, atualização da base de cálculo do IPTU por meio de ato do Poder Executivo). Buscou-se ainda criar mecanismos de elevação do controle do gasto tributário com avaliação do respectivo custo-benefício a longo do tempo.
A emenda em questão não foi aprovada sem que houvesse controvérsias, notadamente, dúvidas sobre como será a reforma efetiva, eis que muitos dos seus elementos foram delegados a lei complementar e críticas sobre como o sistema desmantela o pacto federativo fiscal. Por outro lado, foi aprovada sob o argumento forte e insistente – provavelmente verdadeiro – de que essa reforma era necessária para a atração de investimento estrangeiro, não daquele que aproveita para navegar no nosso prêmio ao risco (uma das taxas de juros mais altas do mundo), mas do tipo de investimento que eleva o crescimento econômico no longo prazo, o investimento produtivo.
Nessa sentido, a introdução de novos princípios tributários e a revisão da tributação sobre o patrimônio apontam alguma intenção de compromisso do sistema fiscal com parâmetros que levam a uma sociedade mais segura e, assim, mais atraente a investimentos (por exemplo, os princípios da simplificação e da justiça tributária). Em linha similar, a preocupação com o meio ambiente aponta também alinhamento com agendas internacionais em expansão – notadamente do ponto de vista do investidor europeu.
Outro ponto fundamental na atração do investimento estrangeiro é o espelhamento do IBS/CBS ao modelo do IVA. Embora o sistema implementado seja uma espécie de IVA com muletas, a verdade é que visto por alguém de fora não causa o grau de estranheza que o sistema anterior causava. Em experiências tentando explicar o sistema tributário brasileiro na Europa, o susto já começava com o simples fato de que o IVA deveria ser dividido em 5 tributos diferentes, sem contar os subsistemas (PIS e Cofins não cumulativo, ICMS substituição tributária, monofásico etc). O sistema fiscal ficou mais familiar ao investidor estrangeiro. Pode parecer pouco, mas a economia e o mercado são decididos por pessoas e, no geral, pessoas são avessas ao desconhecido.
A esse elemento psicológico se somam questões estruturais do IBS/CBS que também facilitam o investimento (ou o reinvestimento). É o caso do crédito financeiro, que aproxima a não cumulatividade da realidade dos negócios. A permissão de creditamento mais amplo importa em reduzir a incidência em cascata e, portanto, significa menor penalização de cadeias produtivas longas e complexas. Significa criar um ambiente tributário adequado a produtos elaborados.
A harmonização de alíquotas, redução dos conflitos de competência, junto a outras medidas de simplificação e redução de burocracia deverão, no médio e longo prazo, diminuir os litígios decorrentes do sistema fiscal. Ponto para a reforma! Afinal, um ambiente com maior estabilidade e previsibilidade também é elemento geralmente considerado pelos investidores estrangeiros. É, entretanto, necessário apontar que a alta litigiosidade brasileira não é só fruto da complexidade peculiar da tributação sobre o consumo pré-reforma, sendo também parte de elementos culturais delicados, como a cultura nacional de violência.
Por outro lado, a reforma também impacta a forma de investir, na medida em que a estrutura de grupos econômicos impacta o ônus tributário final. Surgem novas formas de reestruturação societária/planejamento tributário enquanto outras se tornarão ultrapassadas. A fase de transição, caso não tratada com a devida horizontalidade na relação Fisco e contribuinte, poderá assustar o investidor que não estiver disposto a lidar com a instabilidade.
Nessa visão inicial, é possível afirmar que a reforma tem pilares que podem tornar o sistema tributário nacional mais atrativo ao investimento estrangeiro. No entanto, o grau do impacto da conversão das boas intenções dependerá em grande medida de lei complementar.
Diante de um mercado, que é feito em alguma medida de técnica, mas em outra imensa medida de imaginário e expectativas, um sistema tributário que não parece o fruto de um mágico desgovernado com a sua cartola, parece ser uma vantagem. Vamos aguardar para ver o que sai da cartola do legislador complementar.
Pilar Coutinho
colaboradora do blog Fio da Meada, consultora tributária na HerreveldvandenHurk & Partners, professora e pesquisadora na PUC-MG, onde fez doutorado com período de investigação na ULisboa