A Razoável Duração do Processo Administrativo Fiscal
Juliano Marini Siqueira
A discussão acerta da razoável duração do processo administrativo fiscal vem se arrastando nos últimos anos, e até então, não há se de falar em uma posição consolidada entre a doutrina e a jurisprudência sobre esse assunto.
O período a ser considerado razoável ainda é objeto de diversas controversas. A principal problemática reside no fato de que o processo administrativo, quando instaurado, havendo a notificação do contribuinte, interrompe a prescrição, ficando, assim, a Fazenda Pública (União, Estado, Distrito Federal ou Município) com o “prazo eterno” para o julgamento do processo fiscal.
No final de 2013, o Superior Tribunal de Justiça não reconheceu o Recurso Especial 1.411.301/RJ, interposto pelo Rio de Janeiro contra decisão do Tribunal de Justiça daquele estado, na qual foi devidamente reconhecida a prescrição intercorrente administrativa em decorrência do Fisco Estadual ter levado 12 (doze) anos para julgar um processo administrativo.
Independente de não ter logrado êxito na questão, sob fundamentação de que a matéria ali discutida possuir cunho exclusivamente constitucional, a discussão representou uma favorável posição ao contribuinte, uma vez que o não reconhecimento do Recurso Especial manteve o acórdão proferido pela 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça. Vejamos.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. INTERCORRENTE PROCESSO ADMINISTRATIVO. ART. 151, III, DO CTN. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. INTELIGÊNCIA DO ART. 5°, DA CF. GARANTIA CONSTITUCIONAL DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Durante a impugnação ou recurso administrativo está suspensa a exigibilidade do crédito tributário, não correndo a prescrição. Contudo, o prazo para a conclusão do processo administrativo não é indefinido, havendo de ser reconhecida a prescrição ao tributário, quando decorridos quase doze anos de sua tramitação, sem que para isso tenha concorrido o contribuinte, sob pena de se aceitar a própria imprescritibilidade da exação. Conhecimento e provimento do agravo de instrumento.
Nesta seara, no acórdão transcorrido, percebemos que o Nobre Julgador, de forma acertada, pautou-se na máxima de que o Fisco não possui um prazo eterno para decidir o processo administrativo fiscal.
Isso porque, a extrema lentidão em apresentar o decidido ocasiona juros exorbitantes ao contribuinte, que por sua vez, se depara com dívidas monstruosas, muitas vezes exclusivas apenas dos juros aplicados, que ultrapassam de forma assustadora o valor do débito principal. Percebemos tal desproporcionalidade quando somente a correção monetária pela taxa SELIC em um período de 10 (dez) anos, transformam 10 (dez) mil reais em 30 (trinta) mil reais, com aplicação de multas e outras exigências acessórias.
Assim, um processo administrativo fiscal que se perde no tempo, acarreta ao contribuinte perdedor nessa instância arcar com os juros e atualização de um procedimento moroso por culpa única e exclusiva da administração.
Por essa razão, tem-se presente no art. 5º inciso LXXXVIII, da Constituição Federal, que para todos, seja no âmbito judicial ou administrativo, é assegurado uma razoável duração do processo.
Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Portanto, eternizar um processo administrativo fiscal representa ir à contra mão ao direito fundamental discorrido no artigo 5º da Carga Magna, afastando por completo a norma ali inserida.
Entretanto, mesmo restando claro a ofenda ao que determina a atual Constituição Federal, não há até então qualquer norma especifica que determine consequências negativas para a conduta no caso da extrema demora para a conclusão do processo administrativo fiscal.
Não é a toa que encontramos presente na legislação vigente alguns artigos que nos apresentam um prazo máximo para a realização de certas condutas no âmbito administrativo, como a Lei Federal 9.784 de 1.999 (art. 48 e 49) que regulamenta o dever de decidir o processo administrativo federal, bem como na Lei 11.457 de 2007 (art. 24), que determina o prazo máximo para ser proferida uma decisão administrativa.
Art. 48 – A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.
Art. 49 – Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.
Art. 24 – É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar da apresentação do pleito do contribuinte.
Percebemos que, possui a administração pública, indubitavelmente, o dever de prolatar decisão nos processos administrativos, dentro de um período aceitável como “razoável”, portanto, a morosidade excessiva para a realização de julgamento e, consequentemente, o não reconhecimento da prescrição intercorrente nesses casos, implica em ofensa direta ao texto constitucional, além de resultar na violação aos princípios constitucionais norteadores da própria Administração Pública (moralidade e eficiência), consagrados no art. 37 da Constituição Federal de 1988.
Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência […]
E nesse sentido segue o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1138296/RS, que decidiu quanto à duração razoável do processo administrativo fiscal.
TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL FEDERAL. PEDIDO ADMINISTRATIVO DE RESTITUIÇÃO. PRAZO PARA DECISÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. APLICAÇÃO DA LEI 9.784/99. IMPOSSIBILIDADE. NORMA GERAL. LEI DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. DECRETO 70.235/72. ART. 24 DA LEI 11.457/07. NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.
1. A duração razoável dos processos foi erigida como cláusula pétrea e direito fundamental pela Emenda Constitucional 45, de 2004, que acresceu ao art. 5º, o inciso LXXVIII, in verbis: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação." 2. A conclusão de processo administrativo em prazo razoável é corolário dos princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade. (Precedentes: MS 13.584/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 26/06/2009; REsp 1091042/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/08/2009, DJe 21/08/2009; MS 13.545/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 29/10/2008, DJe 07/11/2008; REsp 690.819/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/02/2005, DJ 19/12/2005) (…)
5. A Lei n.° 11.457/07, com o escopo de suprir a lacuna legislativa existente, em seu art. 24, preceituou a obrigatoriedade de ser proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo dos pedidos, litteris: "Art. 24. É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte." 6. Deveras, ostentando o referido dispositivo legal natureza processual fiscal, há de ser aplicado imediatamente aos pedidos, defesas ou recursos administrativos pendentes. (…)
9. Recurso especial parcialmente provido, para determinar a obediência ao prazo de 360 dias para conclusão do procedimento sub judice. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
Portanto, mesmo não possuindo uma previsão legal impedindo que o processo administrativo fiscal dure por períodos intermináveis, a jurisprudência já vem reconhecendo que estes julgamentos devem observar a previsão constitucional de duração razoável do processo, o que nos parece, inicialmente, um passo largo para ser reconhecido, por conseguinte, a aplicação da prescrição intercorrente nesses casos.
Juliano Marini Siqueira
Advogado.
Graduado pela Fundação de Ensino “Eurípides Soares da Rocha” – Faculdade de Direito de Marília em 2013.
Cursando especialização em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).