A polêmica quebra do sigilo bancário e fiscal pela Administração Pública

Wilza Nara Teixeira Carneiro

RESUMO

O presente estudo aborda o problema da quebra do sigilo fiscal efetuada diretamente pela autoridade fiscal, sem a intervenção do judiciário, como permissivo infraconstitucional insculpido no artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001. A discussão tem sua tônica na inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, que ainda não foi declarada cabalmente pelo Supremo Tribunal Federal, o que ocasiona grave insegurança jurídica nos procedimentos administrativos fiscais em que a própria autoridade fiscal decreta a quebra do sigilo bancário e fiscal.

ABSTRACT

This study addresses the issue of breach of tax secrecy made directly by the tax authorities without the intervention of the judiciary, as infra permissive provisions in Article 6 of Complementary Law No. 105/2001. The discussion has its tonic in the unconstitutionality of this legal provision, which has not yet been fully declared by the Supreme Court, which causes serious legal uncertainty in the administrative tax procedures in the own tax authority decreed the breach of bank and tax secrecy.

Palavras Chaves: quebra do sigilo fiscal – LC nº 105/2001 – administração fiscal.

1.INTRODUÇÃO

O sigilo bancário e fiscal são garantias constitucionais decorrentes do artigo 5º incisos X e XII da Constituição Federal de 1988 manifestam-se como uma espécie de direito à privacidade, inerente ao direito da personalidade, ainda decorrem da proteção ao sigilo dos dados, respectivamente.

Entretanto os direitos fundamentais são de aplicação imediata e não possuem alcance absoluto, o que permite a sua relativização em prol de outros direitos fundamentais de maior importância em dada situação específica.

Assim o sigilo bancário e fiscal pode ser ponderado com outros direitos fundamentais mais importantes como o interesse público, o interesse social e o interesse da justiça. Tudo desde que respeitado o procedimento legal para tanto e que seja observado o princípio da razoabilidade, notadamente, quando se tratar de investigação criminal e com autorização judicial, segundo entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal.

A própria Constituição Federal de 1988, permite que as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s) quebrem, diretamente, o sigilo bancário e fiscal durante as investigações que promovam, com fundamento no artigo 58, § 3º da Carta Magna.

Se por um lado, a quebra do sigilo bancário e fiscal mediante autorização constitucional ou por meio de despacho judicial encontra-se pacificada no ordenamento jurídico, por outro lado há uma grande celeuma quanto à possibilidade de quebra do sigilo bancário e fiscal, diretamente, pela administração fiscal quando autorizada pela lei infraconstitucional.

O problema se resume a esta questão: seria constitucional uma lei infraconstitucional que permite a autoridade fiscal, por ato próprio, sem despacho judicial, requisitar informações das instituições financeiras que estejam protegidas por sigilo bancário e fiscal sobre contribuintes que estejam em processo administrativo fiscal?

Como proposta de solução para este problema será realizada uma breve análise do artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001 sob o prisma da interpretação literal e da interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre o dispositivo legal em comento.

2.INTERPRETAÇÃO LITERAL DO ARTIGO 6º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001

Com a edição da Lei Complementar nº 105/2001 foi possível à administração tributária requisitar, diretamente, as informações protegidas por sigilo bancário e fiscal dos contribuintes perante as instituições financeiras.

Logo, a administração fiscal não mais precisa recorrer ao judiciário para que seja decretada a quebra do sigilo bancário e fiscal, o que provoca uma maior celeridade para o procedimento administrativo-fiscal.

Como se observa pela dicção do artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001, para que seja decretada a quebra do sigilo fiscal pela administração fiscal é necessário ter o procedimento administrativo em curso e, que, tais dados sejam imprescindíveis para a autoridade administrativa competente.

Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.     (Regulamento)

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

Segundo Leite (2014), para os que defendem a constitucionalidade do dispositivo de lei em estudo, a quebra do sigilo se daria em nível de valores, pois não seria demonstrada a natureza das operações financeiras e os direitos fundamentais da privacidade, da personalidade e do sigilo de dados estariam protegidos.

Ademais o dispositivo legal privilegia o princípio da capacidade contributiva, com a prevenção da sonegação fiscal por meio da abertura das contas bancárias dos contribuintes para o fisco.

Por fim, o sigilo bancário e fiscal será preservado, uma vez que as informações obtidas pelo fisco devem ser mantidas em sigilo por ele, conforme o artigo 198 do Código Tributário Nacional.

Contudo, a interpretação literal do artigo da lei em questão não é a mais adequada na opinião deste autor, visto que contraria Direitos Fundamentais que devem ser lidos à luz da Constituição Federal de 1988.

3.INTERPRETAÇÃO DO STF SOBRE O ARTIGO 6º DA LC 105/2001.

Ao que parece, o Supremo Tribunal Federal – STF ainda não possui uma interpretação unânime sobre o artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001. Várias são as Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADI’s propostas perante o Tribunal Constitucional para que se manifeste sobre a inconstitucionalidade da referida norma, como por exemplo, ADI’s nº 2386, 2390, 2397 e 4010.

Ressalte-se que o Pleno do Supremo ainda não se manifestou sobre nenhuma das ADI’s, o que implica, em tese, a constitucionalidade do dispositivo legal em análise.

Entretanto, no julgamento do RE 389.808 em dezembro de 2010, o Supremo se deparou com a questão da inconstitucionalidade do artigo 6º da LC 105/2001 e, neste caso específico, manifestou-se no sentido de não permitir à Receita Federal acessar dados bancários dos contribuintes, sem antes requerer autorização judiciária. A Corte ressaltou a importância dos juízes na garantia dos direitos fundamentais constitucionais e do devido processo legal, visto que ocupam posição imparcial na relação jurídica processual.

Nas lições de Bastos (2010), o acesso indiscriminado a dados bancários “expõe a segurança individual a um constante temor e é próprio do mais abjeto e repugnante autoritarismo”. Na visão daquele autor a quebra do sigilo deve se restringir a situações excepcionais de proteção a interesses de mesmo ou maior porte que o direito individual ao sigilo bancário e fiscal.

O permissivo legal que autoriza o fisco proceder à quebra direta do sigilo bancário e fiscal contido no artigo 6º da LC nº105/2001, além de ofender direitos e garantias fundamentais, ataca frontalmente as cláusulas pétreas estabelecidas no artigo 60, § 4º, IV da Constituição Federal de 1988, o que não pode ser olvidado pelo Supremo quando do julgamento das ADI’s propostas. É a opinião deste autor.

4.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enquanto o Supremo Tribunal Federal não profere uma decisão sobre a constitucionalidade ou não do artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001, os contribuintes ficam expostos a uma situação de insegurança jurídica muito forte, pois podem ter seu sigilo bancário e fiscal quebrado pela autoridade fiscal em qualquer momento do processo administrativo tributário, desde que alegada a imprescindibilidade da informação para o fisco.

Uma lei infraconstitucional não pode ter o condão de afastar direitos e garantias individuais, tais como, a privacidade, a intimidade, a dignidade da pessoa humana e o sigilo dos dados, que possuem a proteção constitucional que os reveste de imutabilidade por serem cláusulas pétreas, conforme artigo 60, §º 4, IV da Constituição Federal de 1988.

Embora o Supremo sinalize pela inconstitucionalidade da quebra do sigilo fiscal diretamente pela autoridade administrativa, sua decisão apenas foi casuística e pontual, vez que ainda não se pronunciou sobre as ADI’s propostas sobre a matéria em debate.

5.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed. São Paulo: Malheiros. 2010.

BRASIL. Lei Complementar nº 105/2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp105.htm >. Acesso em: 17 jun. 2015.

LEITE, Bruno de Sousa. Quebra do sigilo bancário pelo fisco. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3950, 25 abr. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/27864>. Acesso em: 17 jun. 2015.

Wilza Nara Teixeira Carneiro

Pós-Graduanda em MBA - Planejamento Tributário pela Univiçosa, Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UCAM, Bacharela em Direito pela UFV, Advogada Efetiva da Procuraria Municipal de Alvinópolis, MG.

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