A Incidência De Imposto De Renda Nas Horas Extras E O Enunciado Nº 463 Da Súmula Do Superior Tribunal De Justiça

Adrian Soares Amorim de Freitas

Resumo: As parcelas de caráter indenizatório escapam à incidência do imposto de renda, uma vez que não se caracterizam como acréscimo patrimonial. O presente trabalho procura examinar essa questão com relação ao enunciado nº 463 da súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, recentemente editada, considerando-se a disposição constitucional que determina a incidência de um acréscimo percentual mínimo de cinquenta por cento sobre a parcela remuneratória. A legislação atualmente aplicável à matéria não contribui para a solução do problema, diante da inexatidão dos termos utilizados. Desse modo, procurou-se decompor as parcelas que integram o pagamento das horas extras para identificar sua natureza jurídica, sugerindo-se, ao final, alteração legislativa objetivando a superação definitiva do problema.

 

Palavras-chave: Horas extras. Indenização. Imposto de renda. Incidência parcial.

 

Abstract: The indemnitory parcels escape the incidence of income tax, since they are not characterized as asset increases. This study examines this question with respect to the enunciation number 463 of the summary of case law of the Superior Court of Justice recently issued, considering the constitutional provision that determines the impact of an increased percentage of at least fifty percent over the salary portion. The legislation currently applicable to the matter does not contribute to the solution of the problem, given the inaccuracy of the terms used. So, the overtime were decomposed into their component parcels in order to identify its legal status, suggesting, at the end, a legislative amendment to solve definitively the problem

 

Keywords: Overtime. Indemnity. Income tax. Partial impact.

 

Sumário: 1. Introdução. 2. O enunciado nº 463 da súmula do Superior Tribunal de Justiça. 3. Conclusões. 4. Referências bibliográficas.

 

1.  INTRODUÇÃO

 

 

                            O ideal de justiça previsto no art. 3º, inciso I, da Constituição da República de 1988 aplica-se também no campo tributário, motivo pelo qual situações fáticas que não possam ser alvo de incidência tributária não devem interpretadas de modo a ensejar indevida burla ao texto constitucional.

 

                            Nesse sentido, procura-se examinar o recente enunciado nº 463 da súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em relação à incidência do IR (Imposto de Renda), previsto nos artigos 153, inciso III, da Constituição e 43 do Código Tributário Nacional.

 

                            Ao final, de acordo com a ótica defendida, sugere-se alteração legislativa, objetivando melhor compatibilizar a legislação de regência e o texto constitucional, à luz do entendimento jurisprudencial atualmente em vigor.

 

2. O ENUNCIADO Nº 463 DA SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 

 

                            A Constituição da República de 1988 fixou, por meio do seu artigo 7º, inciso XVI, que a remuneração do trabalho extraordinário deverá ser paga com acréscimo de, no mínimo, cinquenta por cento. Confira-se, por pertinente, a sua correspondente redação:

 

“XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;”

 

                            Da simples leitura do texto constitucional, percebe-se que, diante da utilização do vocábulo “superior”, as horas extras são formadas pela conjugação de duas parcelas distintas: a) a primeira, formada pela equilavência remuneratória do serviço realizado; e b) uma segunda porção acrescida, correspondente a, no mínimo, cinquenta por cento do valor correspondente à primeira parcela.

 

                            Superada a composição das horas extras, percebe-se que os tribunais pátrios, por sua vez, tem entendimento majoritário no sentido de que as horas extras agregam-se ao patrimônio do trabalhador (e também do servidor, por força do §3º do artigo 39 da Constituição), configurando, por isso mesmo, fato gerador do imposto de renda, nos termos do art. 43, incisos I e II, do Código Tributário Nacional:

 

“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.”

 

                            O entendimento restou recentemente alvo do enunciado nº 463, da súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, redigido nos seguintes termos:

 

“Incide imposto de renda sobre os valores percebidos a título de indenização por horas extraordinárias trabalhadas, ainda que decorrentes de acordo coletivo.”

 

                            O enunciado, contudo, não deve ser interpretado literalmente, comportando algum exame adicional.

 

                            Ao comentar o referido enunciado, HARADA (2010) assim concluiu:

 

“Por isso, a súmula deve ser interpretada no sentido de que os valores pagos a título de remuneração por horas extraordinárias trabalhadas, ainda que decorrentes de acordo coletivo, sujeita-se à incidência do imposto de renda. Se lhe conferir natureza indenizatória afastada ficaria a incidência do imposto de renda.”

 

                            Com efeito, como visto acima, o pagamento das horas extraordinárias compõem-se de duas parcelas, sendo a primeira decorrente do próprio trabalho e outra, proporcional à primeira, em percentual mínimo de 50% (cinquenta por cento).

 

                            Em relação à primeira parcela não se identifica problema em relação à incidência de imposto de renda, uma vez que diz respeito à correlação entre trabalho e remuneração, sendo plenamente devida a exação conforme artigo 43, inciso I, acima transcrito.

 

                            No que toca à segunda parcela, todavia, a incidência do imposto de renda não parece tão simples. Realmente, não se justifica a incidência do IR em relação a esse acréscimo pecuniário.

 

                            É que essa segunda parcela possui natureza de indenização, já que se constitui compensação pela perda de lazer, descanso e sacrifício do convívio familiar. Essa natureza indenizatória encontra-se implícita na Constituição, senão vejamos.

 

                            Suponha-se que um trabalhador exerça durante a semana uma determinada atividade X numa indústria. Percebe ele, por isso, um valor Y. Imagine-se, então que, devido a necessidades de mercado, a empresa para a qual labore necessite realizar aumento da sua produção industrial e convoque o trabalhador para exercer esse mesmo serviço num domingo, ou fora do horário habitual de serviço.

 

                            Nessa segunda hipótese, perceberá o trabalhador a quantia Y + Z, sendo Y a parcela correspondente à remuneração habitual da atividade exercida e Z a porção correspondente ao acréscimo de que cogita o inciso XVI do art. 7º da Constituição.

 

                            Resta evidente que não há correlação direta entre o valor Z e o serviço realizado, já que a correspondência entre a remuneração e o serviço diz respeito a X e Y. A parcela Z, portanto, foi agregada como forma de compensar a privação do lazer, descanso e contato familiar, diante daqueles momentos em que deveria estar em casa. Diante da impossibilidade de se calcular individualmente a forma de cálculo dessa perda, decidiu-se fixar um percentual que se entendesse razoável a essa compensação, tendo-se como parâmetro a primeira parcela devida.

 

                            Observe-se que a parcela Z não diz respeito à atividade exercida X, pois em condições normais a remuneração pelo serviço corresponde à prestação denominada Y.

 

                            Extrai-se daí a natureza eminentemente indenizatória da parcela Z, razão pela qual, em relação a essa parcela, não há acréscimo patrimonial algum, mas simplesmente a compensação pela privação pessoal, não devendo ser, portanto, alvo da incidência do imposto de renda.

 

                            Observa-se, assim, que a base de cálculo do imposto de renda no exemplo acima corresponde somente à parcela Y, já que a parcela Z, possuindo natureza indenizatória, escapa à incidência do imposto de renda, já que não se correlaciona diretamente ao serviço executado.

 

                            Registre-se que o entendimento acerca dessa natureza jurídica encontra-se implícito no texto constitucional, não podendo o legislador ordinário ampliar indevidamente seu alcance, de acordo com a proibição contida no art. 110 do Código Tributário Nacional:

 

“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”

 

                            Evidentemente, a natureza jurídica independe do nomem júris atribuído à parcela, não se devendo incidir o imposto de renda toda vez que se identificar a inclusão de parcela de caráter indenizatório. Ademais, o singelo fato de se somar as parcelas unindo-as sob a rubrica de “horas extras”, não conduz à conclusão de que se trata de parcelas de mesma natureza jurídica.

 

                            O próprio Superior Tribunal de Justiça, em relação à incidência do IR sobre danos morais, assim entendeu:

 

“TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – ART. 43 DO CTN – VERBAS INDENIZATÓRIAS – DANOS MORAIS E MATERIAIS – AUSÊNCIA DE ACRÉSCIMO PATRIMONIAL – IMPOSTO DE RENDA – NÃO INCIDÊNCIA.

1. O fato gerador do imposto de renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica decorrente de acréscimo patrimonial (art. 43 do CTN).

2. Não incide imposto de renda sobre as verbas recebidas a título de indenização quando inexistente acréscimo patrimonial.

3. Recurso especial não provido.” (REsp 1150020/RS, Rel. MIN. ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 17/08/2010)

 

                            A mesma lógica jurídica que presidiu o julgamento do precedente acima transcrito merece ser aplicado no caso ora tratado, uma vez que, em ambos os casos, trata-se de uma compensação decorrente de uma supressão: a) com relação aos danos morais, pela compensação à agressão a sua dignidade; b) no que toca às horas extras, diante da privação de uma situação de descanso e convívio familiar.

 

                            O enunciado da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nº 463, portanto, deve ser interpretada no sentido de que é devido o imposto de renda sobre horas extraordinárias, somente no que se refere à parcela correspondente à remuneração pelo serviço executado.

 

                            O espectro de incidência do citado imposto de renda é delimitado pelo art. 7º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988. O seu inciso I, que trata da incidência em relação ao rendimento do trabalho assalariado, encontra-se assim redigido:

 

“Art. 7º Ficam sujeito à incidência do imposto de renda na fonte, calculado de acordo com o disposto no art. 25 desta Lei:  

I – os rendimentos do trabalho assalariado, pagos ou creditados por pessoas físicas ou jurídicas;”

 

                            Nesse passo, de acordo com a perspectiva jurídica aqui defendida, sugere-se a alteração da redação conferida ao art. 7º, inciso I, da Lei nº 7.713, de 1988, objetivando o correto atendimento à Constituição e ao Código Tributário Nacional, pela aposição de ressalva à incidência da parcela correspondente ao acréscimo determinado pelo inciso XVI do art. 7º do texto constitucional.

 

 

3. CONCLUSÕES

 

 

                            O pagamento de horas extraordinariamente trabalhadas compõe-se de duas parcelas com naturezas jurídicas distintas: uma correspondente à remuneração do serviço executado e outra de natureza indenizatória.

 

                            Com relação à segunda parcela, verifica-se que não incide o imposto de renda, uma vez que se traduz em compensação pelo sacrifício pessoal prestado em virtude da privação do lazer, descanso e contato familiar, inerentes a uma qualidade de vida digna.

 

                            Desse modo, o imposto de renda somente deve incidir sobre a primeira parcela, não devendo o enunciado nº 463 do Superior Tribunal de Justiça ser interpretado de modo a albergar também a segunda parcela do pagamento.

 

                            Sugere-se, então, uma alteração da redação conferida ao art. 7º, inciso I, da Lei nº 7.713/66, para que se ressalve a parcela referente ao acréscimo de que trata o inciso XVI do art. 7º da Constituição da República de 1988, devido a sua natureza indenizatória.

 

 

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

1. BRASIL. Constituição, 1988.

 

2. ______. Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988.

 

3. ______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 1.150.020/RS. Relatora Min. Eliana Calmon. Diário de Justiça eletrônico, edição de 17.08.2010.

 

4. HARADA, Kiyoshi. Comentários às Sumulas 436 e 463 do STJ. Lançamento por homologação. Imposto de renda sobre horas extras. Disponível em:

<http://jus.uol.com.br/revista/texto/17520/comentarios-as-sumulas-436-e-463-do-stj-lancamento-por-homologacao-imposto-de-renda-sobre-horas-extras> Acesso em: 15.10.2010.

Adrian Soares Amorim de Freitas

Formado em Engenharia Civil, Engenheria Elétrica e em Direito, pela UFRN. Especialização em "Ministério Público, Direito e Cidadania" pela FESMP/RN e "Direito Eleitoral" pela Universidade Potiguar. Atualmente, servidor público do Ministério Público Federal, assessor de Procurador da República.

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