A classificação fiscal de pneus reforçados e furgões

Diego Diniz Ribeiro, Antonio Carlos Atulim

O Acórdão 9303-014.096 da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) classificou pneus reforçados (dos tipos “C” e “LT”) utilizados em camionetas, furgões e pick ups no código NCM 4011.9990 – “outros” da TIPI/2006 por ter entendido que o código NCM 4011.2090 – “do tipo utilizado em ônibus (autocarros) ou caminhões”, pretendido pelo contribuinte, só abrigaria pneus fabricados “para” ônibus e caminhões, conceitos que não abrangeriam camionetas, furgões e pick ups.

1. A adequada classificação fiscal de pneus reforçados
A Regra Geral de Interpretação nº 1 do Sistema Harmonizado (RGI -1) determina que a classificação fiscal deve ser efetuada com base nos textos das posições e das Notas de Seção e de Capítulo, sem que o classificador possa fazer nenhuma outra consideração. A diretriz das Notas Explicativas ao Sistema Harmonizado (Nesh) estabelece que a atividade de classificação fiscal deve ser efetuada com base na literalidade dos textos da nomenclatura, de modo a reduzir a subjetividade do classificador.

No texto da subposição 4011.20 a nomenclatura utiliza a palavra “tipo” que, no contexto da posição 4011, foi empregada como “espécie de um determinado gênero”, decorrendo dessa constatação que no texto das subposições em que se desdobra a posição 4011 a palavra “tipo” não tem o significado de “para” ônibus ou caminhões nem de “destinado a” a ônibus ou caminhões, como indevidamente vem sendo considerado em alguns acórdãos do Carf. Os pneus classificáveis nessa subposição não precisam ser exclusivamente concebidos para utilização em ônibus ou caminhão. Eles precisam ser “do tipo utilizado em” e não “para” ônibus ou caminhão.

À luz desse significado, o que deve guiar o classificador no momento de classificar um pneu é a pesquisa do critério que diferencia os “tipos” de pneus existentes no mercado e não o que é um caminhão, um ônibus, uma motocicleta, um furgão ou uma pick up. Assim, os pneus se diferenciam entre si em função da capacidade de carga que possuem e não em razão dos veículos nos quais potencialmente podem ser empregados.

Os pneus marcados com as letras “C” e “LT” possuem índices de carga superiores àqueles destinados à veículos de passeio e são certificados pelo Inmetro na Categoria 3 [1], como pneus para emprego em veículos comerciais leves. Logo, a utilização de um pneu “C” ou “LT” em um veículo de passeio ou, ao contrário, a utilização de um pneu de veículo de passeio em veículo de carga não modifica a natureza desses pneus.

A sobredita constatação demonstra o equívoco de definir a classificação fiscal dos veículos para, posteriormente, promover a classificação fiscal do pneu. Reforçando esse ponto, o atual critério mundialmente utilizado para estabelecer a diferença entre os “tipos” de pneus é o índice de carga e não o tipo de veículo no qual o pneu pode potencialmente vir a ser empregado. E a universalidade do critério do índice de carga como parâmetro técnico para estabelecer a distinção entre os tipos de pneus pode ser constatada examinando-se as Nomenclaturas pautais atualmente vigentes nos EUA [2] e na União Europeia [3], nas quais o texto da subposição 4011.20 do SH e respectivos desdobramentos fazem referência aos termos “light truck” (na nomenclatura estadunidense) e “índice de carga” (na nomenclatura europeia).

Portanto, ao contrário do entendimento manifestado no Acórdão 9303-014.096, o problema não reside no fato de o contribuinte ter adotado conceitos da legislação interna ou de normas técnicas da ABNT para interpretar o Sistema Harmonizado (SH), mas sim na aplicação errônea da RGI – 1 por parte daqueles que atribuem à palavra “tipo” um significado que ela não possui na língua portuguesa e, em seguida, passam a pesquisar o conceito de ônibus e caminhão, como se esses conceitos fossem determinantes para a classificação dos pneus reforçados.

2. A adequada classificação fiscal de camionetas, furgões, pick ups e semelhantes
O Acórdão 9303-014.096 também se equivocou ao fazer a conceituação do que seriam camionetas, furgões, picapes e semelhantes, pois a atecnia com que foram analisados os textos da TIPI conduziu à indevida conclusão no sentido de que camionetas, furgões, pick ups e semelhantes não são ônibus nem caminhões. Essa açodada conclusão é supostamente correta quando se usa o senso comum para definir o que são “camionetas, furgões, e pick-ups”, mas é completamente equivocada à luz da RGI-1, ou seja, da interpretação técnica, que preconiza a adoção dos significados literais dos textos da nomenclatura.

Spacca
Ressalte-se que as palavras “camioneta”, “furgão” e “pick-up” não foram usadas pelo SH em nível mundial, tendo sido introduzidas nas TIPI a partir de 1988 por obra do direito interno e desacompanhadas de uma nota complementar que estabelecesse seus significados e parâmetros técnicos que distinguissem veículos de carga “leves” daqueles considerados “pesados”, a fim de se identificar quais deveriam ser classificados no código NCM 8704.2190 (regra) e quais deveriam ser classificados no Ex 01 do referido código (exceção).

Partindo de um retrospecto histórico, a distinção entre veículos de carga “leves” e “pesados” remonta à Tarifa das Alfândegas anexa à Lei nº 3.244/57 e, desde então, o legislador considera que existem duas categorias de veículos de carga: os “leves” e os “pesados”, sendo que o critério de distinção nas TIPI/73 e TIPI/83 era o peso bruto total ou a capacidade de carga útil. Assim, se um veículo com carroçaria do tipo furgão tivesse capacidade de carga útil superior a 2 mil kg ou peso bruto igual ou superior a 4.200 Kg, ele deveria ser classificado como caminhão no item 87.02.03.02. Por outro lado, ainda que fosse montado sobre um chassi de caminhão, se o veículo com carroçaria tipo furgão tivesse capacidade de carga útil de até 2 mil kg e peso bruto de até 4.200 Kg, ele deveria ser classificado como furgão no item 87.02.03.03 [4].

O Brasil, logo após aderir à Convenção do Sistema Harmonizado, optou por utilizar em suas nomenclaturas pautais códigos numéricos de dez dígitos e a expressão “camionetas, furgões, pick-ups e semelhantes” passou a constituir desdobramento da subposição 8704.21 na TIPI/88 por obra do direito interno (código 8704.21.0200 – camionetas, furgões, picapes e semelhantes).

Com o advento do Decreto nº 2.092/96, a TIPI passou a ter por base a NCM, passando-se a adotar códigos numéricos de oito dígitos, tendo desaparecido o código específico para “camionetas, furgões, pick-ups e semelhantes”, passando o referido texto a figurar como a exceção tarifária Ex 01 no código 8704.21.90. Portanto, o atual Ex 01 do código 8704.21.90 da TIPI é originário do código 8702.03.03 da TIPI/83, que somente abrigava “furgões” com capacidade de carga útil até 2.000 Kg ou peso bruto total até 4.200 Kg, ou seja, somente abrigava veículos de carga leves.

Embora atualmente a Nesh cite nominalmente alguns desses veículos, apenas os descreve de forma genérica, o que se presta para enquadrá-los até a subposição de segundo nível (sexto dígito do SH), mas não resolve o problema de diferenciar entre os veículos que se enquadram no item 8704.2190 (a regra) daqueles que se enquadram no Ex 01 (a exceção).

Nenhuma das TIPI editadas a partir de 1988 trouxe uma nota complementar semelhante à NC (87-4) da TIPI/83 atribuindo significado específico para a palavra “furgão” e estabelecendo um parâmetro técnico objetivo para distinguir entre veículos de carga “leves” e “pesados”. Logo, a existência de distinção histórica entre veículos de carga “leves” e “pesados” e a inserção de Notas Complementares na TIPI/73 e TIPI/83, levam a conclusão de que atualmente deve existir uma categoria de furgões classificável no código NCM 8704.21.90 (regra) e outra categoria classificável no Ex 01 – de camionetas, furgões, pick ups e semelhantes (exceção).

Isso porque o código 8704.21.90 da NCM destina-se a abrigar outros veículos a diesel ou semidiesel com peso bruto não superior a cinco toneladas. Se não existir uma nota complementar definindo o que deve ser considerado “camionetas, furgões, pick-ups e semelhantes”, qualquer veículo com carroçaria fechada pesando até cinco toneladas seria passível de enquadramento no Ex 01 do referido código, esvaziando a utilização da alíquota ordinária prevista para o código 8704.21.90, que ficaria reservado apenas a alguns poucos tipos de veículos com peso bruto de até cinco toneladas com carroçaria aberta e a pequenos guinchos e tanques. Em outros termos: a exceção tarifária se transformaria em regra e a regra em exceção.

2.1 Crítica ao Acórdão Carf nº 9303-014.096

Considerando que o SH não utiliza as expressões “camioneta”, “furgão”, e “pick-up” e, ainda, que no âmbito do direito interno, desde a TIPI/88 não foi introduzida nenhuma nota complementar estabelecendo o significado de “camioneta”, “furgão” e “pick-up”, devem ser utilizados os significados literais dessas palavras. Por sua vez, os significados literais [5] das palavras camioneta, furgão e “pick-up” são genéricos, vagos e imprecisos, em nada contribuindo para precisar quais veículos devem ser classificados na exceção tarifária do código 8704.2190 e quais não.

Não sendo possível a utilização dos significados literais, é evidente que se está diante de uma lacuna que deve ser colmatada mediante a adoção dos significados técnicos encontrados na legislação interna, notadamente a de trânsito, conforme entendimento da própria administração tributária [6]. É exatamente esse o ponto no qual reside a atecnia do Acórdão 9303-014.096: o colegiado não utilizou nem os significados literais nem os significados técnicos de “camioneta”, “furgão” e “pick-up”, apegando-se, indevidamente, ao preconceito do senso comum.

Ademais, no que concerne ao significado técnico da palavra “furgão”, verifica-se que nem a Norma NBR 6067 da ABNT nem o Código de Trânsito Brasileiro estabeleceram a definição do que seja um furgão, resultando daí que sob o ponto de vista técnico-legal tal signo não pode ser associado a um tipo de veículo, mas sim a um tipo de carroçaria associada a veículos de carga.

Reforçando esse ponto, na legislação interna a palavra “furgão” está definida no Anexo III da Portaria Denatran nº 65/2016, com a redação que lhe foi dada pela Portaria Denatran nº 160/2017, como sendo uma espécie de carroçaria destinada a equipar um “veículo de carga formado por carroceria única, composto por compartimento de carga separado do habitáculo dos ocupantes por painel divisório sendo o acesso ao compartimento de carga feito por uma porta lateral ou traseira” [7].

Constata-se, dessa maneira, que à luz da legislação interna a palavra “furgão” possui o significado totalmente diverso daquele que comumente lhe é atribuído pelo senso comum. Em sentido técnico “furgão” é um tipo de carroçaria aplicável a veículos de carga e não um veículo em si.

A Portaria Denatran nº 65/2016 em seu Anexo I correlaciona as carroçarias do tipo furgão com os veículos dos tipos caminhão e caminhonete, cuja diferenciação se faz em função do peso bruto total. Se o veículo possuir peso bruto total superior a 3.500 kg será tecnicamente considerado como um caminhão, se de até 3.500 kg será considerado uma caminhonete (pick-up).

3. Conclusões
Desse modo, embora não exista uma nota complementar específica estabelecendo definições e parâmetros objetivos para determinar o alcance do Ex 01 do código NCM 8704.21.90 da TIPI, a análise histórica do enquadramento de caminhões, camionetas, furgões e pick-ups, bem como a análise das notas complementares da TIPI demonstra que é perfeitamente possível colmatar a lacuna existente adotando-se como parâmetro técnico o peso bruto total de 3.500 kg para estremar os furgões que devem ser classificados no Ex 01 daqueles que devem ser enquadrados no regime da alíquota ordinária do código 8704.21.90: (1) furgões com peso bruto total superior a 3.500 kg são tecnicamente veículos do tipo “caminhão”, devendo ser enquadrados no regime da alíquota geral do código 8704.21.90; (2) já os furgões com peso bruto total de até 3.500 kg são tecnicamente considerados “caminhonetes”, devendo ser enquadrados no regime excepcional do Ex 01 do código 8704.21.90.

Como se pode ver, a aplicação da RGI-1 e da RGC-1/TIPI conduziram à conclusão no sentido da impossibilidade de utilização dos significados literais das palavras “camioneta”, “furgão” e “pick-up” em face da generalidade e da vagueza desses conceitos. Ao se colmatar a lacuna, seguindo-se o entendimento da própria administração tributária [8], que preconiza a utilização dos significados técnicos, chegou-se a um resultado completamente diferente daquele alcançado pela CSRF no Acórdão 9303-014.096.

Também como visto nos tópicos precedentes, o enquadramento dos pneus reforçados “C” e “LT” no código 4011.20 deve ser feito com base no critério do índice de carga e não com base no tipo de veículo em que potencialmente podem ser empregados.

A classificação aqui defendida é fruto de uma aplicação cartesiana da RGI-1, da diretriz interpretativa do SH que preconiza a interpretação literal de seus textos e de técnica de colmatação de lacunas, reconhecida em solução de consulta proferida pela própria administração tributária.

Não obstante, o país está às voltas com uma reforma tributária sobre o consumo e no bojo da aludida reforma existe a previsão de um imposto seletivo. Trata-se de uma oportunidade ímpar para que o legislador reflita não só sobre o critério adotado pelo SH para diferenciar os tipos de pneus, mas também sobre as definições e parâmetros para precisar e explicitar o que são “camionetas, furgões, pick-ups e semelhantes” e o que os diferencia dos veículos de carga “pesados”.

[1] Vide Portarias nº 205/2008 E 379/2021 do Inmetro.

[2] Em https://uscensus.prod.3ceonline.com/#!#current-question-pos . Os Estados Unidos disponibilizam na internet uma máquina de pesquisa de classificação fiscal baseada em inteligência artificial, semelhante ao sistema Classif da Receita Federal Brasileira. (Consultado em 12/07/2024).

[3] Em https://trade.ec.europa.eu/access-to-markets/pt/search?origin=BR&destination=DE. Assim como os Estados Unidos, a União Europeia também disponibiliza um sistema automatizado de classificação de mercadorias. (Consultado em 12/07/2024).

[4] Vide NC (87-3) da TIPI/73 e NC (87-4) da TIPI/83.

[5] Vide significados em https://www.aulete.com.br/

[6] Solução de Consulta Cosit nº 98.031/2022.

[7] Em https://www.gov.br/transportes/pt-br/pt-br/assuntos/transito/arquivos-senatran/portarias/2016/portaria0652016.pdf (consultado em 18/07/2024).

[8] Solução de Consulta Cosit nº 98.031, de 14/04/2022.

Diego Diniz Ribeiro, Antonio Carlos Atulim

Diego Diniz Ribeiro
é advogado tributarista e aduanerista, ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento, professor de Direito Tributário, Direito Aduaneiro, Processo Tributário e Processo Civil, doutor em Processo Civil pela USP, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet e pesquisador do NEF da FGV-SP e do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do IBET.

Antonio Carlos Atulim
é advogado tributarista e sócio no Escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária, auditor-fiscal da Receita Federal aposentado, ex-conselheiro e ex-presidente de colegiados na 3ª Seção do Carf e no antigo 2º Conselho de Contribuintes, ex-membro da CSRF e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.

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