A Aplicação do princípio da vedação ao confisco a multas (punitivas e moratórias) e juros moratórios exorbitantes

Hércules Praça Barroso

Como sabemos a multa não é tributo, mas sanção exigível perante o descumprimento de obrigação tributária.

Ocorre que já há alguns anos as multas, em algumas ocasiões, vêm sendo utilizadas pelos fiscos, além do seu caráter intimidativo e preventivo, em total dissonância com o princípio da proporcionalidade, chegando a algumas situações a exorbitarem o valor do próprio tributo devido.  

A multa está se travestindo de receita adicional de recursos em favor do Estado, em nítida infringência ao disposto na Carta Magna.

Importante ressaltar, que a doutrina majoritária tem se manifestado favoravelmente à aplicação do princípio da vedação ao confisco as multas exorbitantes.

Observa-se que as multas tanto moratórias quanto as punitivas podem ter efeito confiscatório se extrapolarem os limites da proporcionalidade e da razoabilidade, infringindo diretamente o artigo 150, IV e ao artigo 5º, XXII ambos da Carta Magna.

Além de o entendimento doutrinário ser maciço quanto a esta possibilidade, os nossos tribunais já se manifestam a respeito da possibilidade das multas exacerbadas terem efeitos confiscatórios.

O Supremo Tribunal Federal possui precedentes neste sentido, tais como a ADI nº 1.075/DF, de relatoria do Ministro Celso de Mello, julgada em 17.06.1998, a qual considerou confiscatória a penalidade pecuniária que estabeleceu a multa de 300% sobre o valor do bem ou da operação da qual não tinha havido a emissão da nota fiscal correspondente, estabelecida pelo art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 8.846/94

O Supremo Tribunal Federal, ainda, adotou idêntica diretriz no julgamento da ADI nº 551/RJ, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, com julgamento em 24.10.2002, em que foram considerados inconstitucionais os parágrafos 2º e 3º do artigo 57 do ADCT, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, os quais estabeleciam multas exigidas pelo não recolhimento dos impostos e taxas e não poderiam ser inferiores a duas vezes o valor destes, e, nos casos de sonegação, inferiores a cinco vezes o valor dos últimos.

Ademais o Supremo Tribunal Federal há muito tempo, através de sua jurisprudência, rechaça veementemente as multas com feição confiscatória.

Citamos alguns precedentes a respeito: RE 60.476, 2ª T., rel. Min. Evandro Lins, j, 28.11.1967; RE 81.550, 2ª T., rel. Min. Xavier de Albuquerque, j. 20.05.1975; RE 82.510/SP, 2ª T., rel. Min. Leitão de Abreu, j. 11.05.1976 e RE 91.707/MG, 2ª T., rel. Min. Moreira Alves, j. 11.12.1979.

Outro caso que não nos foge a análise são os juros moratórios. Os juros moratórios ao contrário das multas não possuem caráter punitivo, sendo apenas a remuneração do capital lesado pelo tributo não recebido no vencimento.

Em alguns casos, como no Estado de São Paulo, o fisco extrapolou alguns limites constitucionais, elevando a taxa de juros para correção dos débitos fiscais, superior a taxa de juros cobrada pela União (SELIC).

Assim, em recente decisão proferida pelo órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Argüição de Inconstitucionalidade nº 0170909-61.2012.8.26.0000), foi reconhecida a impossibilidade de o ente estadual instituir fatores de atualização em montantes superiores àqueles instituído pela União, declarando a inconstitucionalidade dos artigos 85 e 86 da Lei Estadual nº 6.374/89, com redação dada pela Lei nº 13.918/09, no sentido de afastar a sistemática de composição dos juros de mora, incluindo-se correção monetária, sob o percentual de 0,13% ao dia, aplicáveis aos tributos e multas cobrados pelo Estado de São Paulo.

No julgado acima, além da declarada inconstitucionalidade dos dispositivos acima citados, podemos também ver que o caso se enquadra em nítida infringência ao princípio da vedação ao confisco, uma vez que contrariou expressamente os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Ademais, o próprio Supremo Tribunal Federal através da ADI-MC nº 1.075/DF, Rel. Ministro Celso de Mello, julgada em 24.11.2006, decidiu por aplicar o princípio do confisco as multas, bem como se manifestou, nesta oportunidade, que este princípio é extensível, além dos tributos, mas também aos seus consectários, ou seja, as multas moratórias e aos juros de mora.

Assim, patente a aplicação do princípio da vedação do confisco além dos tributos, mas sim, também em relação às multas e aos juros que extrapolarem os limites da razoabilidade e da proporcionalidade.

Por fim, devemos nos atentar sempre às multas e aos juros que são aplicados pelos fiscos, pois podemos estar diante de ilegalidades causando sérios prejuízos em seu patrimônio, as quais poderão ser rechaçadas prontamente através do Poder Judiciário.

Hércules Praça Barroso

Graduado pela Universidade do Grande ABC, pós-graduado em Direito Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) e Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e sócio escritório Barroso Advogados.

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