Câmaras de Vereadores no Espírito Santo não podem legislar sobre pedágio de turistas
Carlos Eduardo Rios do Amaral
Com a proximidade do verão, muitos Municípios no Espírito Santo, por diversas razões, vêm debatendo a instituição e cobrança de tributos em face de turistas que procuram o litoral deste Estado. Vereadores de diversos Municípios capixabas vêm estudando a apresentação e discussão de projetos de lei neste sentido, ora sob o rótulo de pedágio, ora sob a nomenclatura de taxa.
Acontece que nosso sistema jurídico-tributário nacional, em todas as esferas federativas, deve fiel observância às regras traçadas na Constituição Federal de 1988. O princípio da simetria, a separação de Poderes e a inciativa das leis são garantias fundamentais asseguradas ao contribuinte, que não podem ser desprezadas ou abrandadas pelo Poder Público. Mais do que uma prerrogativa irrenunciável do Agente Público, a fiel observância da iniciativa privativa do processo legislativo é uma conquista do cidadão.
O texto constitucional é claro ao dispor:
“Art. 61. (…)
§1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
(…)
II – disponham sobre:
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios”.
Não é necessário desenhar, a Constituição Federal, sem rodeios, é clara: a matéria tributária será sempre de iniciativa do Poder Executivo. Não há espaços ou argumentos em seu texto para extrair-se outra ilação.
O que, por conclusão lógica e direta, à luz do princípio da simetria, autoriza dizer que Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores jamais poderão deflagrar projetos de lei sobre matéria tributária. A não ser sob o flagrante vício irremediável da inconstitucionalidade formal em razão de seu defeito de iniciativa.
Nem se alegue que a matéria tributária mencionada pelo Art. 61, §1º, II, “b”, da Constituição seria apenas aquela referente aos Territórios. A matéria tributária e orçamentária constante deste dispositivo não padece de nenhuma condicionante no que se refere à iniciativa do Presidente da República para legislar sobre essa matéria quanto à União e os Territórios. E, assim, por simetria, os Governadores, nos Estados, e os Prefeitos junto aos Municípios, quanto à iniciativa da matéria tributária.
A razão de ser dessa iniciativa na deflagração do processo legislativo sobre matéria tributária e orçamentária encontra sua essência no princípio da separação dos Poderes. Evitando-se, assim, que em todos os níveis de governo o Chefe do Executivo seja diretamente atingido por inciativa de lei que fira frontalmente a sua forma de administração no interesse do povo, podendo, inclusive, comprometer a ordem e as finanças públicas.
Por exemplo, imagine-se um Vereador de determinado Município do País, integrante de partido político que faz acalorada e feroz oposição ao Prefeito Municipal, que resolva, em detrimento do bom funcionamento da máquina pública, apresentar, maliciosamente, projeto de lei concedendo isenção ou imunidade tributária, prejudicando a política local estabelecida pelo Prefeito. Assim, atribuir a iniciativa da elaboração de leis em matéria tributária e orçamentária a um rol generalizado de legitimados, em última análise, seria tornar o Chefe do Poder Executivo refém de vendetas e sovadas de seus opositores.
E não se pode perder de vista a razão da existência do Parlamento na história universal. A instituição e cobrança de tributos em face de turistas que procuram o litoral deste Estado por ato de iniciativa da Câmara de Vereadores vai de encontro à gênese filosófico-política do Parlamento na civilização ocidental.
O papel secular do Parlamento sempre foi o de proteger e defender o povo da opressão e tirania do Rei, notadamente de seu famigerado e impiedoso apetite pela exação de tributos e criação arbitrária de outras fontes arrecadadoras para manutenção do seu status e privilégios pessoais, em detrimento de seus súditos.
Não foi por outra razão que a conhecida Magna Carta foi criada, documento do Ano de 1215, que limitou o poder dos Monarcas da Inglaterra, especialmente o do Rei João, que o assinou, impedindo, assim, o exercício de seu poder absoluto. Os barões ingleses desejavam limitar as prerrogativas e vontades do soberano, notadamente em matéria de criação, arrecadação e majoração de tributos em tempos de paz.
Diz a Magna Carta:
“Não lançaremos taxas ou tributos sem o consentimento do conselho geral do reino (commue concilium regni), a não ser para resgate da nossa pessoa, para armar cavaleiro nosso filho mais velho e para celebrar, mas uma única vez, o casamento da nossa filha mais velha; e esses tributos não excederão limites razoáveis. De igual maneira se procederá quanto aos impostos da cidade de Londres”.
Assim, a instituição e cobrança de tributos em face de turistas que procuram o litoral do Estado do Espírito Santo, se for o caso, deverá sempre ser de iniciativa dos Prefeitos Municipais. E a defesa do contribuinte em geral, leia-se, do povo, a respeito da justiça ou injustiça da exação, deverá ser realizada pelas Câmaras de Vereadores.
Carlos Eduardo Rios do Amaral
Defensor Público do Estado do Espírito Santo