A inócua elevação brutal do IOF
Kiyoshi Harada
No presente artigo examinaremos a elevação brutal do IOF incidente sobre os valores de fechamento de câmbio, por meio do Decreto nº 8.175/13, enfatizando a sua inutilidade como instrumento de controle da política monetária, cambial e fiscal.
O Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos e valores mobiliários, conhecido pela sigla IOF, desdobra-se, na realidade, em quatro impostos de conformidade com o art. 63 do CTN que institui quatro fatos geradores distintos.
Na ordem constitucional antecedente esse imposto destinava-se à formação de reservas monetárias ou de capital, o que não acontece no sistema constitucional vigente. Porém, alguns autores continuam advogando a tese da vinculação do produto de sua arrecadação à formação de reservas monetárias ou de capital, sustentando ser essa vinculação um requisito ínsito do imposto em questão. Só que essa tese colide frontalmente com a proibição constitucional do art. 167, IV.
Entretanto, esse imposto não tem finalidade arrecadatória, mas sim, um objetivo ordinatório ao lado do IPI, do II e do IE. Por isso, ele não é submetido ao princípio da anterioridade, nem ao da nonagesimidade, tampouco ao princípio da legalidade no que tange às alterações de suas alíquotas. Conforme assinalamos, isso fez com que esse imposto se transformasse, de uns tempos para cá, em um instrumento para suprir as deficiências momentâneas de caixa do governo.[1]
Nos expressos termos do § 1º, do art. 153 da CF o Executivo pode alterar as alíquotas do IOF “nas condições e limites estabelecidos em lei”.
Essa exceção ao princípio da legalidade tributária para a alteração de alíquotas não é uma carta em branco para o Executivo promover o aumento tributário à sua discrição. O Executivo no exercício de sua função regulatória deve, necessariamente, preencher as condições e os limites fixados em lei.
A Lei nº 8.894/94 fixa essas condições e limites. as condições são aquelas pertinentes ao atingimento dos objetivos da política monetária, cambial e fiscal. Mas, não basta ao Executivo apenas anunciar esses objetivos. É preciso que, por meio da exposição de motivos antecedendo a edição do Decreto ordinatório, fique comprovado o advento de uma conjuntura anormal que dificulte o alcance daqueles objetivos, sob pena de caracterização do desvio de finalidade.
Quanto aos limites, a alíquota do IOF pode ser elevado em até 1,5% para as operações de crédito e títulos e valores mobiliários (art. 1º) e em até 25% sobre o valor das liquidações da operação de câmbio (art. 5º). A Lei nº 8.894/94 é silente quanto ao limite para as operações de seguro. Portanto, o IOF para as operações de seguro não pode ter as alíquotas alteradas por Decreto, enquanto não for regulamentado por inteiro o § 1º, do art. 153 da CF.
Sabemos que em 2008 os Decretos nºs 6.339/08 e 6.345/08 promoveram aumentos das alíquotas do IOF para as quatro modalidades de IOF, precedida da manifestação do Senhor Ministro da Fazenda de que se o Congresso Nacional não prorrogasse a vigência da CPMF o governo lançaria mão da elevação de imposto não submetidos ao princípio da legalidade tributária. A prorrogação da CPMF restou rejeitada pelo Senado Federal, após sua aprovação pela Câmara dos Deputados.
A resposta do governo veio em forma de aumento indiscriminado do IOF, inclusive, para as operações de seguro aonde não há previsão legal para o Executivo alterar a sua alíquota.
Houve patente desvio de finalidade, implicando usurpação da competência legislativa do Congresso Nacional. Na época, advogamos a edição pelo Congresso Nacional de uma Resolução para sustar a aplicação daqueles dois Decretos. Não bastasse a confissão do governo quanto à finalidade arrecadatória do IOF nada havia acontecido no mundo fenomênico que implicasse necessidade de correção dos objetivos da política monetária, cambial ou fiscal por meio de instrumento tributário.
Dois partidos políticos, o DEM e o PSDB ingressaram com a ADI nº 4002 e ADI nº 4004, respectivamente. Deram entrada no STF nos dias 7-1-2008 e 10-1-2008, respectivamente, tendo com Relator de ambas as ações o Ministro Ricardo Lewandowisck que submeteu os processos ao rito do art. 12 da lei de regência, isto é, sem apreciação da medida cautelar. Passados seis anos, aquelas duas ações continuam aguardando pauta para o julgamento.
No caso sob exame a elevação do IOF para o fechamento de câmbio de 0,38% para 6.38% levado a efeito pelo Decreto nº 8.175/13 no apagar das luzes de 2013, em princípio, encontra amparo na Lei nº 8.894/94 que fixa a alíquota máxima do IOF para essa hipótese em 25%. Ficou, portanto, bem abaixo no limite legal. Porém, a sua brutal elevação repentina, embora dentro do permissivo legal, está a revelar o descuido do governo em relação aos gastos de turistas no exterior. Já era do conhecimento público que o cidadão brasileiro havia de há muito tempo eleito o turismo exterior como um meio alternativo às viagens aos diferentes pontos turísticos do Brasil, onde tudo é mais caro do que no exterior.
Apesar de legalmente correta a ação do Executivo não há como deixar de reconhecer que esse brutal aumento de 0,38% para 6,38% para a compra de cheques de viagens, de cartão de débito pré-pago e para a utilização do cartão de crédito no exterior representou uma puxada de tapete para a emergente classe média que vinha desfrutando seus momentos de lazer com o turismo internacional. Esses cidadãos devem estar bastante frustrados com a atuação do governo atual que repetiu o mesmo gesto do governante anterior, só que dentro de um cenário que afasta a eiva de inconstitucionalidade.
Em termos de objetivos monetário, cambial e fiscal essa surpreendente medida governamental, dada como presente de Ano Novo à sociedade brasileira, não trará os benefícios almejados, enquanto estivermos importando mais do que exportamos e enquanto continuarmos investindo no exterior ao invés de incentivar os investimentos internos. Diga-se de passagem que os dados da balança comercial de 2013 não são confiáveis. Nos valores decorrentes de exportação estão embutidos aqueles pertinentes à exportação de plataformas que jamais saíram do País. Elas continuam sendo utilizadas pela Petrobrás que não sofreu solução de continuidade na exploração de petróleo em nosso território com aquelas “vendas” para as suas subsidiárias localizadas no exterior.
Outrossim, deveríamos estar atraindo investimentos estrangeiros ao invés de espantá-los com o peso da imposição tributária e com o excesso de rigor da legislação trabalhista. Deveria, também, diminuir o peso da burocracia na área tributária que vem consumindo 2.600 horas anuais do empresariado brasileiro para cumprir todas a suas obrigações, fazendo com o que nosso produto perdesse a competitividade no mercado mundial globalizado. Não é por acaso que no Fórum Mundial de Desenvolvimento Econômico realizado em Davos, em Setembro de 2013, com a participação de 148 Países, o Brasil tenha sido rebaixado no ranking mundial de competitividade perdendo, entre os Países do BRICs para a África do Sul e entre os Países Latino-Americano para o México.
Por tudo isso, pode-se concluir que o governo agiu com elevado senso de oportunismo para elevar o IOF, sob o manto do poder regulatório, mas que no fundo buscou a finalidade arrecadatória para equilibrar as contas públicas.
O que é pior, não irá deter o turismo internacional enquanto o País não oferecer boas condições de turismo interno. Esse filme já o assistimos no passado, quando se instituiu o empréstimo compulsório sobre as aquisições de passagens ao exterior. Não deu certo! Essa ação do governo só servirá para aumentar atuação dos cambistas no mercado negro e elevar a insegurança de todos com a necessidade de adquirir e portar dinheiro em moeda estrangeira. Trata-se de mais um sacrifico em vão imposto a uma parcela ponderável da população brasileira.
Notas
[1] Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 23ª edição. São Paulo: Atlas, 2013, p. 421.
Kiyoshi Harada
Sócio fundador da Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Financeiro, Tributário e Administrativo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos - CEPEJUR. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo e ex-Diretor da Escola Paulista de Advocacia.