Atos concernentes à certificação de entidades beneficentes de assistência social: Natureza jurídica e consequências

Elias Higino dos Santos Neto

1 – Introdução

Com o advento da Lei nº 12.101, de 2009, que dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social e regula os procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social, vários problemas surgiram relativamente à sua interpretação e aplicação.

Entre eles, de grande repercussão teórica e impacto prático, figura a controvérsia acerca da natureza jurídica que envolve os atos de concessão, renovação e indeferimento de certificado de entidades beneficentes de assistência social, conferidos às pessoas jurídicas de direito privado que atuem na área de saúde, educação e assistência social.

O presente trabalho permeia tal divergência, tracejando a distinção entre a certificação, como uma qualificação da pessoa jurídica, e a isenção tributária, instituto do direito tributário, os quais, por isso, receberão tratamento diferente, sendo, ainda, submetido a regras, princípios e textos jurídicos diversos. A certificação jungida à orbita do direito administrativo. A isenção ao ordenamento jurídico tributário.

Vale-se, para tanto, de análise das leis regentes da matéria e de posição do Supremo Tribunal Federal, devendo ser registrado que não há resposta pacífica para a presente questão.

2 – CEBAS: Qualificação de entidades que não objetivam somente benefício tributário

O CEBAS – Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – é uma qualificação conferida a pessoas jurídicas de direito privado, voltado à sua caracterização como entidades beneficentes de assistência social, assim reconhecidas, com a finalidade de prestação de serviços nas áreas de assistência social, saúde ou educação (01).

Uma vez certificada como entidade beneficente de assistência social, a entidade, entre outras finalidades, 1) poderá receber transferências voluntárias da Administração Pública federal, a título de subvenções sociais (Lei de Diretrizes Orçamentárias – Lei nº 12.465, de 12 de agosto de 2011, art. 30), 2) e, se preenchidos outros requisitos legais (art. 29 da Lei nº 12.101, de 2009), fará jus à isenção do pagamento das contribuições a cargo da empresa destinadas à seguridade social, nos seguintes termos:

Lei nº 12.465, de 2011

Art. 30. A transferência de recursos a título de subvenções sociais, nos termos do art. 16 da Lei no 4.320, de 17 de março de 1964, atenderá as entidades privadas sem fins lucrativos que exerçam atividades de natureza continuada nas áreas de assistência social, saúde ou educação, prestem atendimento direto ao público e tenham certificação de entidade beneficente de assistência social, nos termos da Lei no 12.101, de 27 de novembro de 2009.
Parágrafo único. A certificação de que trata o caput deste artigo poderá ser:
I – substituída, a critério da Administração Pública Federal, pelo pedido de renovação da certificação devidamente protocolizado e ainda pendente de análise junto ao órgão competente; ou
II – dispensada, desde que a entidade seja selecionada em processo público de ampla divulgação promovido pelo órgão ou entidade concedente para execução de ações, programas ou serviços em parceria com a administração federal, nas seguintes áreas:
a) atenção à saúde aos povos indígenas;
b) atenção às pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas;
c) combate à pobreza extrema; e
d) de atendimento às pessoas com deficiência.
(…)
Lei nº 12.101, de 2009
Art. 29. A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos:
I – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;
II – aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais;
III – apresente certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;
IV – mantenha escrituração contábil regular que registre as receitas e despesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada, em consonância com as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade;
V – não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto;
VI – conserve em boa ordem, pelo prazo de 10 (dez) anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem e a aplicação de seus recursos e os relativos a atos ou operações realizados que impliquem modificação da situação patrimonial;
VII – cumpra as obrigações acessórias estabelecidas na legislação tributária;
VIII – apresente as demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade quando a receita bruta anual auferida for superior ao limite fixado pela Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006.

3 – Certificação de entidade e isenção tributária: Institutos e procedimentos distintos

Denota-se que, conquanto umbilicalmente ligados, a certificação conferida às entidades beneficentes não se confunde com a isenção ou imunidade tributária, sendo a certificação uma adjetivação, uma qualificação conferida às entidades privadas sem fins lucrativos. Apresenta-se, pois, como um colorido, uma titulação da pessoa jurídica. Em síntese, atrela-se tal qualificativo à essência da pessoa jurídica, adornando a sua existência.

De outro vértice, os requisitos ou condições para alcançar a imunidade tributária são externos à pessoa jurídica, porém deverão ser por ela preenchidos, sob pena de não poder gozar de tal benefício.

Na área da saúde, os requisitos para a certificação ou renovação da certificação de CEBAS estão delineados no art. 3º da Lei nº 12.101, de 2009, que se somam aos arts 4º a 11 do mesmo diploma:

CAPÍTULO II
DA CERTIFICAÇÃO
Art. 3º A certificação ou sua renovação será concedida à entidade beneficente que demonstre, no exercício fiscal anterior ao do requerimento, observado o período mínimo de 12 (doze) meses de constituição da entidade, o cumprimento do disposto nas Seções I, II, III e IV deste Capítulo, de acordo com as respectivas áreas de atuação, e cumpra, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I – seja constituída como pessoa jurídica nos termos do caput do art. 1º; e
II – preveja, em seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou extinção, a destinação do eventual patrimônio remanescente a entidade sem fins lucrativos congêneres ou a entidades públicas.
Parágrafo único. O período mínimo de cumprimento dos requisitos de que trata este artigo poderá ser reduzido se a entidade for prestadora de serviços por meio de convênio ou instrumento congênere com o Sistema Único de Saúde – SUS ou com o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, em caso de necessidade local atestada pelo gestor do respectivo sistema.
Seção I
Da Saúde
Art. 4º Para ser considerada beneficente e fazer jus à certificação, a entidade de saúde deverá, nos termos do regulamento:
I – comprovar o cumprimento das metas estabelecidas em convênio ou instrumento congênere celebrado com o gestor local do SUS;
II – ofertar a prestação de seus serviços ao SUS no percentual mínimo de 60% (sessenta por cento);
III – comprovar, anualmente, da forma regulamentada pelo Ministério da Saúde, a prestação dos serviços de que trata o inciso II, com base nas internações e nos atendimentos ambulatoriais realizados.
§ 1º O atendimento do percentual mínimo de que trata o caput pode ser individualizado por estabelecimento ou pelo conjunto de estabelecimentos de saúde da pessoa jurídica, desde que não abranja outra entidade com personalidade jurídica própria que seja por ela mantida.
§ 2º Para fins do disposto no § 1º, no conjunto de estabelecimentos de saúde da pessoa jurídica, poderá ser incorporado aquele vinculado por força de contrato de gestão, na forma do regulamento.
Art. 5º A entidade de saúde deverá ainda informar, obrigatoriamente, ao Ministério da Saúde, na forma por ele estabelecida:
I – a totalidade das internações e atendimentos ambulatoriais realizados para os pacientes não usuários do SUS;
II – a totalidade das internações e atendimentos ambulatoriais realizados para os pacientes usuários do SUS; e
III – as alterações referentes aos registros no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES.
Parágrafo único. A entidade deverá manter o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES atualizado, de acordo com a forma e o prazo determinado pelo Ministério da Saúde.
Art. 6º A entidade de saúde que presta serviços exclusivamente na área ambulatorial deverá observar o disposto nos incisos I e II do art. 4º, comprovando, anualmente, a prestação dos serviços no percentual mínimo de 60% (sessenta por cento).
Art. 7º Quando a disponibilidade de cobertura assistencial da população pela rede pública de determinada área for insuficiente, os gestores do SUS deverão observar, para a contratação de serviços privados, a preferência de participação das entidades beneficentes de saúde e das sem fins lucrativos.
Art. 8º Não havendo interesse de contratação pelo Gestor local do SUS dos serviços de saúde ofertados pela entidade no percentual mínimo a que se refere o inciso II do art. 4º, a entidade deverá comprovar a aplicação de percentual da sua receita em gratuidade na área da saúde, da seguinte forma:
I – 20% (vinte por cento), se o percentual de atendimento ao SUS for inferior a 30% (trinta por cento);
II – 10% (dez por cento), se o percentual de atendimento ao SUS for igual ou superior a 30 (trinta) e inferior a 50% (cinquenta por cento); ou
III – 5% (cinco por cento), se o percentual de atendimento ao SUS for igual ou superior a 50% (cinquenta por cento) ou se completar o quantitativo das internações hospitalares e atendimentos ambulatoriais, com atendimentos gratuitos devidamente informados de acordo com o disposto no art. 5º, não financiados pelo SUS ou por qualquer outra fonte.
Parágrafo único. (VETADO)
§ 2º A receita prevista no caput será a efetivamente recebida da prestação de serviços de saúde.
Art. 9º (VETADO)
Art. 10. Em hipótese alguma será admitida como aplicação em gratuidade a eventual diferença entre os valores pagos pelo SUS e os preços praticados pela entidade ou pelo mercado.
Art. 11. A entidade de saúde de reconhecida excelência poderá, alternativamente, para dar cumprimento ao requisito previsto no art. 4º, realizar projetos de apoio ao desenvolvimento institucional do SUS, celebrando ajuste com a União, por intermédio do Ministério da Saúde, nas seguintes áreas de atuação:
I – estudos de avaliação e incorporação de tecnologias;
II – capacitação de recursos humanos;
III – pesquisas de interesse público em saúde; ou
IV – desenvolvimento de técnicas e operação de gestão em serviços de saúde.
§ 1º O Ministério da Saúde definirá os requisitos técnicos essenciais para o reconhecimento de excelência referente a cada uma das áreas de atuação previstas neste artigo.
§ 2º O recurso despendido pela entidade de saúde no projeto de apoio não poderá ser inferior ao valor da isenção das contribuições sociais usufruída.
§ 3º O projeto de apoio será aprovado pelo Ministério da Saúde, ouvidas as instâncias do SUS, segundo procedimento definido em ato do Ministro de Estado.
§ 4º As entidades de saúde que venham a se beneficiar da condição prevista neste artigo poderão complementar as atividades relativas aos projetos de apoio com a prestação de serviços ambulatoriais e hospitalares ao SUS não remunerados, mediante pacto com o gestor local do SUS, observadas as seguintes condições:
I – a complementação não poderá ultrapassar 30% (trinta por cento) do valor usufruído com a isenção das contribuições sociais;
II – a entidade de saúde deverá apresentar ao gestor local do SUS plano de trabalho com previsão de atendimento e detalhamento de custos, os quais não poderão exceder o valor por ela efetivamente despendido;
III – a comprovação dos custos a que se refere o inciso II poderá ser exigida a qualquer tempo, mediante apresentação dos documentos necessários; e
IV – as entidades conveniadas deverão informar a produção na forma estabelecida pelo Ministério da Saúde, com observação de não geração de créditos.
§ 5º A participação das entidades de saúde ou de educação em projetos de apoio previstos neste artigo não poderá ocorrer em prejuízo das atividades beneficentes prestadas ao SUS.
§ 6º O conteúdo e o valor das atividades desenvolvidas em cada projeto de apoio ao desenvolvimento institucional e de prestação de serviços ao SUS deverão ser objeto de relatórios anuais, encaminhados ao Ministério da Saúde para acompanhamento e fiscalização, sem prejuízo das atribuições dos órgãos de fiscalização tributária.

Uma vez preenchidos referidos requisitos, a entidade fará jus à certificação. Porém, para gozar da imunidade tributária, deverá, ainda, preencher os requisitos do art. 29 da Lei nº 12.101, de 2009, já transcritos. Desse modo, pela Lei, é possível imaginar uma entidade qualificada como detentora de CEBAS, porém que não faça jus à isenção, por não preencher os requisitos do art. 29. Denota-se, portanto, tratar de fases distintas.

4 – Procedimento administrativo de certificação: Curso perante ministérios certificadores. Procedimento administrativo fiscal de isenção: Trâmite perante a SRFB

Não há que se confundir, pois, o procedimento administrativo de certificação (02) de uma entidade como beneficente de assistência social que, no caso da saúde, tem seu trâmite perante o Ministério da Saúde com o procedimento de isenção (imunidade) que tramita perante a Secretaria de Receita Federal do Brasil – SRFB.

Contra o deferimento de concessão ou renovação de CEBAS a própria SRFB pode, inclusive, formular representação administrativa, que terá seu curso no órgão certificador (Ministério da Saúde, quanto às entidades da área de saúde; Ministério da Educação, quanto às entidades educacionais e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, quanto às entidades de assistência social), o que está a demonstrar não se tratar de um procedimento administrativo fiscal, senão mero procedimento administrativo stricto sensu, conforme se depreende da leitura dos arts. 26 a 28 da Lei nº 12.101, de 2009:

CAPÍTULO III
DOS RECURSOS E DA REPRESENTAÇÃO
Art. 26. Da decisão que indeferir o requerimento para concessão ou renovação de certificação e da decisão que cancelar a certificação caberá recurso por parte da entidade interessada, assegurados o contraditório, a ampla defesa e a participação da sociedade civil, na forma definida em regulamento, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação da decisão.
Art. 27. Verificado prática de irregularidade na entidade certificada, são competentes para representar, motivadamente, ao Ministério responsável pela sua área de atuação, sem prejuízo das atribuições do Ministério Público:
I – o gestor municipal ou estadual do SUS ou do SUAS, de acordo com a sua condição de gestão, bem como o gestor da educação municipal, distrital ou estadual;
II – a Secretaria da Receita Federal do Brasil;
III – os conselhos de acompanhamento e controle social previstos na Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007, e os Conselhos de Assistência Social e de Saúde; e
IV – o Tribunal de Contas da União.
Parágrafo único. A representação será dirigida ao Ministério que concedeu a certificação e conterá a qualificação do representante, a descrição dos fatos a serem apurados e, sempre que possível, a documentação pertinente e demais informações relevantes para o esclarecimento do seu objeto.
Art. 28. Caberá ao Ministério competente:
I – dar ciência da representação à entidade, que terá o prazo de 30 (trinta) dias para apresentação de defesa; e
II – decidir sobre a representação, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da apresentação da defesa.
§ 1º Se improcedente a representação de que trata o inciso II, o processo será arquivado.
§ 2º Se procedente a representação de que trata o inciso II, após decisão final ou transcorrido o prazo para interposição de recurso, a autoridade responsável deverá cancelar a certificação e dar ciência do fato à Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Com referidas distinções trazidas no próprio diploma legal, entende-se que o ato de concessão ou de renovação de CEBAS é ato meramente administrativo voltado à qualificação de entidades privadas sem fins lucrativos, por isso, de natureza não tributária, de competência exclusiva do Ministério certificador, sobre a qual a SRFB não tem ingerência, tanto que somente se encontra legitimada a atacar o ato concessivo ou de renovação da certificação por procedimento administrativo não fiscal, cristalinamente delineado na Lei nº 12.101, de 2009.

5 – Entidade sem fins lucrativos: Exigência comum ao procedimento de certificação e ao procedimento de isenção: Dúvida quanto ao agir administrativo de aferição de requisito

Causa estranheza, contudo, que, a par de os requisitos para a concessão do CEBAS apresentarem-se como elementos para a produção de um ato administrativo não tributário (certificação), alguns deles (não ter fins lucrativos) possuem idêntica semântica no art. 29, apresentando-se, por isso e também, como requisitos de isenção, o que pode levar o Estado a agir de modo diferente e a produzir resultados distintos. Por exemplo, um ministério certifica com CEBAS determinada entidade, por óbvio, por ser sem fins lucrativos, além de preencher os demais requisitos, e a SRFB, ao verificar os requisitos de isenção e sobre os mesmos fatos, dados e período, entende que a entidade distribui resultados ou dividendos entre os sócios ou mesmo remunera seus sócios, ou seja, possui fins lucrativos, e por isso suspende-lhe o direito à isenção em procedimento administrativo fiscal.

Referida dinâmica não contribui para a aplicação efetiva da Lei e muito menos favorece o agir estatal que pode se deparar com situações em que seus órgãos integrantes (Ministérios e SRFB) confrontam-se, enquanto o particular espera uma resposta uníssona do Estado.

Explica-se: o art. 3º da Lei nº 12.101, de 2009, ao tratar da certificação ou renovação de CEBAS, prevê, em seu inciso I, que a entidade seja constituída como pessoa jurídica nos termos do caput do art. 1º, ou seja, ser pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, entre outras exigências.

Mas o que representa sem entidade sem fins lucrativos? Pela lição doutrinária de Luciano Amaro (03), a "inexistência de fim lucrativo" foi corretamente traduzida pelo art. 14 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), ao estabelecer a "não-distribuição de patrimônio ou renda", ou seja, entidade sem fim lucrativo seria aquela cujo criador (ou instituidor ou mantenedor, ou associado, ou filiado) não tenha fim de lucro pra si, o que, obviamente, não impede que a entidade aufira resultados positivos (ingressos financeiros, eventualmente superiores às despesas) na sua atuação. Assim, de acordo com o referido doutrinador, quem cria a entidade é que não pode visar a lucro, ou seja, a entidade será, por decorrência, sem fim de lucro, o que não impede que ela aplique a disponibilidades de caixa e aufira renda, ou que, eventualmente, tenha, em certo período, um ingresso financeiro líquido positivo (superávit).

Acrescenta, ainda, Luciano Amaro (04) que o mencionado superávit não é lucro. Para ele, lucro é conceito afeto à noção de "empresa", coisa que a entidade não é, nas referidas condições, justamente porque lhe falta o fim de lucro (vale dizer, a entidade foi criada não para dar lucro ao seu criador, mas sim para atingir uma finalidade altruísta).

Nesse mesmo sentido encontra-se a disciplina normativa contida no art. 12, § 3º, da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, que, ao conceituar entidade sem fins lucrativos, dispôs que seria aquela que não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.

Dessa forma, para fins de gozo da imunidade tributária prevista no art. 195, § 7º, da Constituição Federal, a entidade não deve ter fins lucrativos, ou seja, a entidade não deve se apropriar dos seus resultados operacionais, de modo que os sócios dessas entidades não recebam qualquer distribuição, direta ou indireta, dos lucros da mesma, sendo tais valores integralmente reinvestidos na sua manutenção, seu aprimoramento e no cumprimento de seus objetivos institucionais.

Por sua vez, alguns requisitos de isenção constantes do art. 29 da Lei nº 12.101, de 2009, de competência da SRFB, trazem requisitos, cujas definições traduzem o mesmo conceito de entidade sem fins lucrativos, indispensável à certificação, como, por exemplo, de I – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos; II – aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais; V – não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto.

A que conclusão chegar? Ser sem fim lucrativo apresenta-se tanto como requisito para a certificação e aí de competência, para aferição, do Ministério certificador, como também é requisito de isenção e aí de competência da SRFB? O que isso representa? Um órgão sobrepondo-se a outro para que o ato administrativo produzido tenha validade e eficácia? Não nos parece a melhor resposta, mas a Lei expressa que, ao analisar referido requisito, pode a SRFB lavrar auto de infração, sendo considerado automaticamente suspenso o direito à isenção, o que sequer precisa ser comunicado ao órgão certificador (arts. 31 e 32 da Lei nº 12.101, de 2009).

Em síntese, parece-nos que foi conferida legitimação a dois órgãos distintos para um requisito comum, o que deve ser, salvante melhor entendimento, dirimido pelo Advogado-Geral da União, a quem cabe uniformizar entendimento ante a lacuna normativa (05), até mesmo para delimitar a atuação e forma de agir de cada órgão envolto para a produção da vontade estatal.

6 – Proposta de solução para a análise do requisito "sem fins lucrativos": Análise pelo órgão certificador dos atos constitutivos e documentos formais apresentados

Extraindo o sentido e o alcance da Lei do CEBAS, e, tendo em conta não haver palavras inúteis nela, razoável entender que ao se debruçar sobre as condições e requisitos para a certificação ou renovação do CEBAS, o Ministério responsável analisará a condição da pessoa jurídica – se é sem fins lucrativos – cotejando apenas os documentos formais apresentados pela entidade, porque a Lei, em seu art. 3º, ao enumerar as condições para a certificação, exige que a pessoa jurídica demonstre tal situação por intermédio de sua constituição, devendo, ainda, prever em seus atos constitutivos a destinação do eventual patrimônio remanescente a entidade sem fins lucrativos congêneres ou a entidades públicas em caso de dissolução ou extinção, senão vejamos:

Art. 3º A certificação ou sua renovação será concedida à entidade beneficente que demonstre, no exercício fiscal anterior ao do requerimento, observado o período mínimo de 12 (doze) meses de constituição da entidade, o cumprimento do disposto nas Seções I, II, III e IV deste Capítulo, de acordo com as respectivas áreas de atuação, e cumpra, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I – seja constituída como pessoa jurídica nos termos do caput do art. 1º; e
II – preveja, em seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou extinção, a destinação do eventual patrimônio remanescente a entidade sem fins lucrativos congêneres ou a entidades públicas.

Em outros verbetes, a aferição pela autoridade certificadora de ser a entidade requerente sem fins lucrativos dar-se-á em cotejo com os atos constitutivos da pessoa jurídica interessada, não soando razoável que adentre substancialmente na veracidade das alegações e que confira todos os atos materiais produzidos pela entidade em sua existência, mesmo porque tais atos constitutivos são registrados no órgão competente (Registro Civil das Pessoas Jurídicas – RCPJ) e os dados e documentos apresentados perante a Administração Pública, em caso de falsidade, podem sujeitar o requerente à responsabilização penal, entre outras consequências. Não se descura, ainda, que os atos registrados no RCPJ tem por fim garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, o que também irradia seus efeitos perante o Ministério certificador.

Por conseguinte, na verificação dos requisitos da isenção (art. 29 da Lei do CEBAS), é que efetivamente a entidade requerente deverá demonstrar que é pessoa jurídica sem fins lucrativos, vale dizer, I – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos; II – aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais; V – não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto, entre outros.

Perceba-se que a Lei tracejou a distinção carreada e defendida na presente manifestação, exigindo, no momento da certificação, apenas a observância dos atos constitutivos apresentados, mesmo porque a entidade requerente pode pretender o CEBAS apenas e tão-somente para formar parcerias com a União, dela recebendo transferências voluntárias, o que, na prática, ocorre várias Organizações Não Governamentais que atuam na área de saúde.

Ao se pretender a imunidade tributária, contudo, a requerente pode e deve passar por crivo mais exauriente, inclusive, fiscalização, a qualquer tempo, pela SRFB (06), para se aferir a veracidade das informações formalmente prestadas, devendo atender efetivamente aos seguintes requisitos:

Art. 29. A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos:
I – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;
II – aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais;
III – apresente certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;
IV – mantenha escrituração contábil regular que registre as receitas e despesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada, em consonância com as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade;
V – não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto;
VI – conserve em boa ordem, pelo prazo de 10 (dez) anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem e a aplicação de seus recursos e os relativos a atos ou operações realizados que impliquem modificação da situação patrimonial;
VII – cumpra as obrigações acessórias estabelecidas na legislação tributária;
VIII – apresente as demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais deContabilidade quando a receita bruta anual auferida for superior ao limite fixado pela Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006.

7 – Silêncio normativo quanto ao órgão responsável pela análise de requisitos de isenção: Necessidade de uniformização pelo Advogado-Geral da União

Há de se registrar, de plano, que tanto a Lei nº 12.101, de 2009, quanto o Decreto nº 7.237, de 2010, são silentes acerca da competência para se aferir os requisitos de isenção constantes do art. 29 da Lei em tela.

O art. 31 da Lei do Cebas apenas dita que o direito à isenção poderá ser exercido pela entidade a contar da data da publicação da concessão de sua certificação, desde que, por óbvio, atendido os requisitos de isenção constantes da citada Lei, não mencionando, contudo, quem será o competente para referida análise.

A sistemática anterior à edição da Lei nº 12.101, de 2009, indicava caber referida atribuição (análise de requisitos de isenção) à SRFB, conforme já encampado pelo STF que, ilustrativamente, negou provimento ao Mandado de Segurança nº 13.692/DF por ter sido impetrado contra ato do Ministro de Estado da Previdência Social e não contra ato da SRFB, encampando, inclusive, manifestação da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Previdência Social, verbis:

7. Por fim, o argumento da Recorrente de que teria havido a decadência do crédito tributário cobrado não pode ser analisado neste recurso ordinário.
O Mandado de Segurança nº 13.692/DF foi impetrado pela ora Recorrente no Superior Tribunal de Justiça contra ato do Ministro de Estado da Previdência Social, a fim de se discutir eventual direito líquido e certo ao Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – Cebas.

O lançamento e a cobrança de créditos tributários, feitos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, não podem ser discutidos neste mandado de segurança, no qual se aponta autoridade coatora distinta.

Sobre esse ponto bem se manifestou a Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social:

"No que pertine à relação que pretende fazer o impetrante entre a suposta decadência dos créditos decorrentes e o CEBAS cancelado, cumpre deixar claro que tal argumentação não merece prosperar, pois confunde institutos completamente distintos: certificados e isenção.
Isso porque, não há que se confundir o procedimento de certificação de uma entidade como beneficente de assistência social, que tem seu trâmite perante o Conselho Nacional de Assistência Social (em primeira instância administrativa) e perante o Ministro de Estado da Previdência Social (em sede recursal) e o procedimento de isenção que tramita perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil – SRFB.
O equívoco pode ser claramente percebido quando se observa a autoridade apontada como coatora. O Ministro de Estado da Previdência Social não possui qualquer competência para proceder ao lançamento de eventuais créditos tributários, o que, com o advento da Lei 11.457, de 2007, ficou a cargo da SRFB"

No âmbito dos Ministérios certificadores (saúde, educação e assistência social), acredita-se dever analisar apenas os requisitos para a certificação, estancando aí sua atribuição administrativa, adotando, pois, a sistemática anteriormente sedimentada no que tange ao CEBAS. Após referido procedimento administrativo, expede-se ofício à SRFB comunicando concessão, renovação etc. para demais providências.

Aqui necessário que seja conferida interpretação pacificadora para que não sejam proferidos entendimentos diversos ante a lacuna normativa, o que, a vista dos órgãos envolvidos (SRFB e Ministérios), pode ser dirimido, administrativamente, pelo Advogado-Geral da União.

Avançando para um arremate, entendemos que a Lei nº 12.101, de 2009, traz matérias de naturezas distintas, quais sejam a) eminentemente administrativa como a concessão, a renovação e o indeferimento de CEBAS; b) tributária como aferição de requisitos para isenção/imunidade. Aquela de competência do Ministério certificador, esta da SRFB.

8 – Procedimento de certificação: Interpretação/aplicação jungida ao sistema administrativista, não devendo obediência ao sistema jurídico tributário

Por a certificação, renovação e cancelamento apresentar-se como ato de natureza administrativa, atraem todo o sistema administrativista (princípios, textos, normas e regras regentes do Direito Administrativo), diferentemente do ato verificador dos requisitos de isenção que atraem, por tal natureza, a órbita tributária do ordenamento jurídico pátrio. Em outro vértice, quer-se dizer que, no âmbito administrativo, o agir administrativo pode se revestir de preocupações outras que não o decorrente da rígida obediência à legalidade, podendo, ilustrativamente, prestigiar a continuidade administrativa e interesse público primário, a exemplo de sobrelevar o princípio constitucional da continuidade administrativa em detrimento de uma simples irregularidade ou ofensa a texto legal.

Portanto, a perspectiva hermenêutica tributária não deve espargir seus efeitos jurídicos sobre os requisitos necessários à concessão, renovação ou indeferimento de CEBAS, nem nortear o agir administrativo nessa fase, porquanto jungido ao espectro administrativista.

9 – O RMS 28.456/DF, 1ª Turma do STF: Concessão de CEBAS como requisito para obtenção de imunidade. Fundamento que deve restar adstrito aos atos praticados sob a égide da Lei nº 8.212, de 1991.

Recentemente a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 28.456/DF, por unanimidade, negou provimento ao recurso em que se insurgia contra decisão do Conselho Nacional de Assistência Social que cancelara o CEBAS de uma Fundação, relativo ao período de 1.1.1998 a 31.12.2000. As razões do decisum podem ser assim sintetizadas pelos votos dos Ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia:

Também reconheço, da mesma forma como o fez a eminente Relatora, a inaplicabilidade, à exegese do presente caso, das decisões proferidas na apreciação das medidas cautelares nos autos das ADI nºs 2.036/DF e 2.028/DF, pois, em ambas, se questiona a constitucionalidade dos arts. 1º (na parte em que alterou a redação do art. 55, inciso III, da Lei nº 8.212/91 e a ele acrescentou os §§ 3º, 4º e 5º); 4º; 5º e 7º da Lei nº 9.732/98, os quais cuidam da implementação da referida imunidade, propriamente dita, mas não quanto à concessão do certificado de entidade beneficente de assistência social, que é apenas um dos requisitos para que se possa obter a imunidade.

Conquanto não tenha sido parte dispositiva do julgado, o fundamento precedentemente destacado do pronunciamento jurisdicional da Suprema Corte, qual seja de que a concessão do certificado de entidade beneficente de assistência social é um requisito para se obter a imunidade, hoje não mais se sustenta frente à edição da Lei nº 12.101, de 2009, que revogara o art. 55 da Lei nº 8.212, de 1991.

Isso porque a Lei nº 8.212, de 1991, em seu art. 55, ao versar sobre os requisitos de isenção para as entidades beneficentes de assistência social, exigia que ela preenchesse cumulativamente vários requisitos, entre os quais ser portadora do Registro e do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS:

Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente:
I – seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal;
II – seja portadora do Certificado e do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos;
II – seja portadora do Registro e do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, fornecidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos;
III – promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes;
III – promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social beneficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência;
IV – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título;
V – aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais apresentando, anualmente ao órgão do INSS competente, relatório circunstanciado de suas atividades.
§ 1º Ressalvados os direitos adquiridos, a isenção de que trata este artigo será requerida ao Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, que terá o prazo de 30 (trinta) dias para despachar o pedido.
§ 2º A isenção de que trata este artigo não abrange empresa ou entidade que, tendo personalidade jurídica própria, seja mantida por outra que esteja no exercício da isenção.
§ 3º Para os fins deste artigo, entende-se por assistência social beneficente a prestação gratuita de benefícios e serviços a quem dela necessitar.
§ 4º O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS cancelará a isenção se verificado o descumprimento do disposto neste artigo.
§ 5º Considera-se também de assistência social beneficente, para os fins deste artigo, a oferta e a efetiva prestação de serviços de pelo menos sessenta por cento ao Sistema Único de Saúde, nos termos do regulamento.
§ 6º A inexistência de débitos em relação às contribuições sociais é condição necessária ao deferimento e à manutenção da isenção de que trata este artigo, em observância ao disposto no § 3º do art. 195 da Constituição.

A Lei nº 12.101, de 2009, revogou o art. 55 da Lei nº 8.212, de 1991, e dispôs no art. 29 que, para ter direito à isenção, a entidade beneficente certificada com o CEBAS, deveria atender aos requisitos constantes do inciso I ao VIII, que devem ser preenchidos cumulativamente:

Art. 29. A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos:
I – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;
II – aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais;
III – apresente certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;
IV – mantenha escrituração contábil regular que registre as receitas e despesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada, em consonância com as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade;
V – não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto;
VI – conserve em boa ordem, pelo prazo de 10 (dez) anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem e a aplicação de seus recursos e os relativos a atos ou operações realizados que impliquem modificação da situação patrimonial;
VII – cumpra as obrigações acessórias estabelecidas na legislação tributária;
VIII – apresente as demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade quando a receita bruta anual auferida for superior ao limite fixado pela Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006.

De fácil percepção, portanto, até mesmo confrontando o art. 29 da Lei nº 12.101, de 2009, com o art. 55 da Lei nº 8.212, de 1991, que a Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social deixou de ser requisito de isenção, motivo pelo que o fundamento carreado na manifestação do STF deve ser restrito a fatos ocorridos sob a égide da Lei revogada, o que corrobora os argumentos aqui discorridos.

10 – Conclusão

A vista dos argumentos aqui expendidos, entende-se que:

I – Os atos atinentes à certificação de entidades beneficentes de assistência social – CEBAS – apresentam natureza meramente administrativa.

II – Os atos de concessão, renovação ou indeferimento de CEBAS encontram-se jungidos ao sistema jurídico administrativista e não ao campo normativo tributário, sendo, ainda, de competência exclusiva dos Ministérios certificadores.

III – O CEBAS conferido à pessoa jurídica, sem fins lucrativos, representa apenas à sua qualificação/adjetivação, não se confundindo, pois, com requisito para o gozo de isenção/imunidade tributária, ante a revogação do art. 55 da Lei nº 8.212, de 1991, especialmente o inciso II, pela Lei nº 12.101, de 2009.

IV – O conceito de "sem fins lucrativos" tem seu significado reproduzido tanto como requisito para a certificação quanto requisito para isenção tributária, o que deve ser aclarado pela Advocacia-Geral da União, até mesmo para orientar a atuação dos Ministérios certificadores e da Secretaria de Receita Federal do Brasil, evitando, assim, dubiedades na emissão de vontade do Estado.

V – Prega-se aqui o entendimento de que ser "sem fins lucrativos" configura-se tanto como requisito para a certificação das entidades interessadas como também é requisito de isenção tributária, valendo destacar, contudo, que a análise pelo órgão certificador deve-se cingir ao cotejo com os atos constitutivos apresentados, ao passo que na análise de requisitos de isenção é que se atravessa crivo exauriente, inclusive fiscalização.

VI – A questão é polêmica e encontra-se atualmente sem resposta uniforme, carecendo, pois, de manifestação dos órgãos incumbidos de tal pacificação, no âmbito administrativo, pela Advocacia-Geral da União, ou na esfera judicial pelos Tribunais pátrios.

Obras e sites consultados

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: Sistema Tributário. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

DALLARI, Adilson Abreu. Empresa Estatal Prestadora de Serviços Públicos – Natureza Jurídica – Repercussões Tributárias, in RDP 94, 1990.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20 ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007.

GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

VELLOSO Andrei Pittenº Constituição Tributária Interpretada. São Paulo: Altas, 2007.

www.stf.jus.br

www.stj.jus.br

www.cjf.jus.br

www.saude.gov.br

www.mds.gov.br

www.agu.gov.br

www.planalto.gov.br

Notas

(01) Lei n. 12.101, de 2009, art. 1º.

(02) Lei n. 12.101, de 2009. Art. 21, § 5o O processo administrativo de certificação deverá, em cada Ministério envolvido, contar com plena publicidade de sua tramitação, devendo permitir à sociedade o acompanhamento pela internet de todo o processo.

(03) AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 156.

(04) AMARO, Luciano, Direito Tributário Brasileiro, p. 156.

(05) Lei Complementar n. 73, de 1993. Art. 4º. São atribuições do Advogado-Geral da União: X – fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal;

(06) Art. 32. Constatado o descumprimento pela entidade dos requisitos indicados na Seção I deste Capítulo, a fiscalização da Secretaria da Receita Federal do Brasil lavrará o auto de infração relativo ao período correspondente e relatará os fatos que demonstram o não atendimento de tais requisitos para o gozo da isenção.

Elias Higino dos Santos Neto

Advogado da União. Chefe da Divisão de Legislação Aplicada e Estudos Normativos da Consultoria Jurídica no Ministério da Saúde. Especialista em direito processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Pós-graduado em direito público pela Faculdade Processus - Brasília. É autor de vários artigos jurídicos. Foi Coordenador Substituto de Procedimentos Licitatórios e Negócios Jurídicos da Consultoria Jurídica no Ministério da Saúde, Técnico Judiciário na Seção Judiciária do Distrito Federal e Analista Judiciário Executante de Mandados no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

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