Mudança de entendimento dos tribunais superiores acerca do prazo prescricional nos tributos lançados por homologação, após a entrada em vigor da LC nº 118/2005 – Tese dos “cinco mais cinco”
Tiago Barreto Casado
Ao longo dos anos, a construção do instituto da prescrição no direito tributário foi editada por remendos introduzidos na legislação sem que fosse realizada uma pré-análise dos reflexos que poderiam causar no ordenamento jurídico pátrio, com a finalidade de privilegiar o Estado, no sentido de melhor aparelhá-lo na guerra contra a evasão fiscal.
O referido tratamento casuístico originado por interesses do Fisco desconfigurou o instituto jurídico da prescrição, dando formatação distinta no direito tributário, daquele conhecido no direito civil.
Ponto importante para se ressaltar é no que pertine ao marco final de interrupção do instituto da prescrição, nos tributos lançados por homologação.
Consoante regramento disposto no artigo 150 do CTN, nos tributos sujeitos a lançamentos por homologação (ex. IR, IPI, PIS, ICMS, entre outros) o sujeito passivo se antecipa à Fazenda Pública, entrega ao Fisco a declaração devida, informando o valor que entende devido dos tributos, e procede à quitação da exação, aguardando o procedimento homologatório expresso ou tácito.
Assim sendo, o pagamento do gravame ocorre antecipadamente, concretizando-se o lançamento tributário posteriormente, isto é, a autoridade fiscal homologa-o, se correto, ou efetua um lançamento tributário suplementar a fim de exigir eventuais diferenças.
O lançamento por homologação sempre foi objeto de controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, a começar por tentar identificar se realmente se insere ou não como modalidade de lançamento tributário.
A grande celeuma que existia até pouco tempo nos Tribunais Superiores era com relação à legalidade e legitimidade da propalada tese dos "cinco mais cinco", consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, em decorrência da aplicação combinada dos artigos 150, parágrafos 1º e 4º, 156, VII, e 168, I, do CTN.
Com base na interpretação dos mencionados artigos, o contribuinte tinha o prazo de cinco anos para pleitear a restituição de valores, contados do decurso do prazo para homologação, igualmente de cinco anos, porém contados do fato gerador. Assim, na prática, nas hipóteses de homologação tácita do tributo, o prazo era de dez anos calculados do fato gerador.
Com isso, após a entrada em vigor da LC nº 118/2005, surgiu o seguinte questionamento: seria válida a aplicação do novo prazo de cinco anos para o pedido de repetição de indébito atinente a pagamento de tributo lançado por homologação, realizado antes do início da vigência da Lei Complementar nº 118/2005?
O STJ, órgão jurisdicional constitucionalmente investido na função de dirimir conflitos que envolvam matéria infraconstitucional, havia fixado o posicionamento no sentido de que a tese dos "cinco mais cinco" aplicava-se aos valores recolhidos antes da LC nº 118/2005, conforme demonstra a seguinte ementa:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. AUXÍLIO CONDUÇÃO. IMPOSTO DE RENDA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PAGAMENTO INDEVIDO. ARTIGO 4º, DA LC 118/2005. DETERMINAÇÃO DE APLICAÇÃO RETROATIVA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO. CORTE ESPECIAL. RESERVA DE PLENÁRIO.
1. O princípio da irretroatividade impõe a aplicação da LC 118, de 9 de fevereiro de 2005, aos pagamentos indevidos realizados após a sua vigência e não às ações propostas posteriormente ao referido diploma legal, posto norma referente à extinção da obrigação e não ao aspecto processual da ação correspectiva.
(…)
5. Consectariamente, em se tratando de pagamentos indevidos efetuados antes da entrada em vigor da LC 118/05 (09.06.2005), o prazo prescricional para o contribuinte pleitear a restituição do indébito, nos casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, continua observando a cognominada tese dos cinco mais cinco, desde que, na data da vigência da novel lei complementar, sobejem, no máximo, cinco anos da contagem do lapso temporal (regra que se coaduna com o disposto no artigo 2.028, do Código Civil de 2002, segundo o qual: "Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.").
6. Desta sorte, ocorrido o pagamento antecipado do tributo após a vigência da aludida norma jurídica, o dies a quo do prazo prescricional para a repetição/compensação é a data do recolhimento indevido.
(…)
9. Recurso especial provido, nos termos da fundamentação expendida.
Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
(STJ, REsp 1002932/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Seção, julgado em 25/11/2009, DJe 18/12/2009) (grifo nosso)
Acontece que, em 04 de agosto de 2011, o colendo Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento de mérito do Recurso Extraordinário 566.621/RS, em repercussão geral, afastando de forma parcial a jurisprudência do STJ estabelecida no Recurso Especial 1.002.932/SP.
A Corte Excelsa ratificou o posicionamento do STJ quanto à ilegitimidade da aplicação retroativa do lustro prescricional para o pleito de repetição do indébito tributário lançado por homologação. No entanto, firmou entendimento no sentido de ser aplicado o prazo prescricional quinquenal tão somente às ações ajuizadas após a entrada em vigor da LC nº 118/2005, e não aos valores indevidamente recolhidos antes da vigência da referida lei, conforme o STJ vinha concluindo.
Após essa emblemática decisão da Corte Suprema, o STJ passou a deliberar no mesmo sentido, o que se pode inferir do seguinte julgado:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. ARTIGO 4º DA LC 118/2005. RE N. 566.621/RS. REPERCUSSÃO GERAL. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. AÇÕES AJUIZADAS APÓS A VIGÊNCIA DA LC N. 118/2005. DIREITO INTERTEMPORAL. AÇÃO AJUIZADA EM DATA POSTERIOR.
1. Os embargos de declaração são cabíveis quando a decisão padece de omissão, contradição ou obscuridade, consoante dispõe o art. 535 do CPC, bem como para
sanar a ocorrência de erro material.
2. Os embargos aclaratórios não se prestam a adaptar o entendimento do acórdão
embargado à posterior mudança jurisprudencial. Excepciona-se essa regra na hipótese do julgamento de recursos submetidos ao rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, haja vista o escopo desses precedentes objetivos, concernentes à uniformização na interpretação da legislação federal. Nesse sentido: EDcl no AgRg no REsp 1.167.079/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 4/3/2011; EDcl na AR 3.701/BA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 4/5/2011; e EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl no REsp 790.318/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 25/5/2010.
3. Pelas mesmas razões, estende-se esse entendimento aos processos julgados sob o regime do artigo 543-B do Código de Processo Civil.
4. O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a repercussão geral da matéria no RE 566.621/RS, proclamou que o prazo prescricional de cinco anos, previsto na Lei Complementar n. 118/2005, somente se aplica às ações ajuizadas após 9.6.2005.
5. Na espécie, a ação de repetição de indébito foi ajuizada em 13.1.2010, data
posterior à vigência da LC nº 118/2005, sendo aplicável, portanto, o prazo prescricional de cinco anos.
6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para reconhecer a prescrição das parcelas anteriores ao quinquênio do ajuizamento da ação.
(STJ, EDcl no AgRg no AREsp 8.122/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, julgado em 27/09/2011) (grifo nosso)
Desse modo, nos tributos lançados por homologação, o prazo prescricional de 10 (dez) anos somente poderá ser aplicado nos casos em que o sujeito passivo, concomitantemente, tenha realizado o pagamento do tributo e ajuizado a respectiva ação de repetição de indébito, antes do decurso da vacatio legis de 120 dias da LC nº 118/2005, ou seja, até o dia 08/06/2005.
Tiago Barreto Casado
Advogado e consultor jurídico, atuante nas áreas de Direito Civil e Tributário. Especialista em Direito Processual pelo CESMAC - Centro de Estudos Superiores de Maceió e Especialista em Direito Tributário pela UNIDERP - Universidade Anhaguera. Professor horista de Processo Civil I, Processo Civil III, Filosofia e Ética na Faculdade Maurício de Nassau.