Presunção legal do passivo fictício para identificação da omissão de receitas e da fraude tributária

Por Franco Aldo da Silva; Augusto Tozoni Sambugari

23/12/2025 12:00 am

A administração tributária procura aprimorar formas de acompanhamento de seus contribuintes visando um eficaz monitoramento de suas atividades e, por fim, o recolhimento do tributo devido pelas pessoas jurídicas, que deve ser retido na comercialização ou prestação de serviços aos seus clientes — consumidores finais.

Tais meios de controle são, em sua maioria, eminentemente fiscais, com a realização de cruzamentos de dados fiscais de entradas e saídas e a consequente declaração das operações, procurando irregularidades e promovendo, por vezes, a autorregularização, mecanismo que oportuniza ao contribuinte corrigir erros que poderiam gerar um recolhimento a menor do tributo devido.

Todavia, em alguns casos, são identificadas situações que fogem ao mero erro, à mera falta de declaração de alguma operação específica, fazendo com que se tenha caracterizado o comportamento intencional de sonegação fiscal, que se constitui na vontade, formalizada por atos ou omissões, de não declarar e não recolher o tributo devido, utilizando-se de mecanismos que mascaram os fatos tributáveis em não tributáveis [1].

Como técnicas para averiguar o comportamento de sonegação fiscal por parte das pessoas jurídicas, temos, dentre outras, as técnicas previstas como presunções legais tributárias de omissão de receita, a exemplo do passivo fictício ou superior ao montante comprovado, previstas em legislações federais, estaduais, municipais, distritais e na Lei Complementar Federal nº 214/2025, em seu artigo 335, III.

Este texto começa abordando os conceitos de omissão de receitas e fraude tributária, passando posteriormente a um breve conceito sobre a presunção contábil de passivo fictício ou superior ao montante devido, para, por fim, descrever algumas situações encontradas a partir desta presunção e a demonstração do seu intuito fraudulento.

Omissão de receitas e a fraude contábil e tributária
A omissão de dados negociais nada mais é do que não registrar — ou registrar incorretamente —, em seus livros contábeis e/ou fiscais, parte das movimentações de recursos (bens, direitos ou capitais) que geram repercussões a terceiros, a exemplo de uma falta de registro de aquisição de bens, ou registro em conta contábil que aumente a despesa e, consequentemente, reduza o lucro (como um bem para revenda registrado como despesas diversas, não declarando um bem em estoque ou bem para uso do estabelecimento), como também simplesmente a falta de registro de receita de vendas, acarretando em diminuição do lucro a distribuir aos sócios não administradores/investidores, ou ao Fisco, no caso de recolhimento a menor do tributo do período.

Quando a omissão dos dados resulte na falta de registro de um ingresso de recurso oriundo das atividades econômicas, ou a falta de registro acarrete ausência de registro de produtos que possam gerar receita futura, como aquisição de mercadoria para revenda, temos caracterizada a omissão de receitas, prevista nas legislações tributárias como causa para a lavratura de auto de infração e aplicação até na seara criminal.

Spacca
Esta prática, principalmente na esfera jurídico-contábil, remete-nos à premissa de que não cabe a consideração de mera ocorrência de erro por parte do sujeito que materializou os atos da pessoa jurídica (sócio, contador, analista fiscal), visto que a ação de entrega do registro contábil não é imediata à ocorrência da entrega da contabilidade, mas ocorre após um período significativo entre os atos negociais ocorridos no estabelecimento empresarial e sua entrega aos órgãos competentes, possibilitando a reanálise e autorregularização perante as Fazendas municipais, estaduais, distrital ou federal.

Ocorre que, ao não ter efetuado o registro correto de todas as operações, os representantes das pessoas jurídicas criam registros fictícios de origens de recursos, criando operações sobre as quais não incide tributação, como empréstimos, inadimplementos ou operações típicas do contribuinte, não sujeitas à tributação naquele momento (isenção, imunidade ou redução na tributação), ou retiram os registros que precisariam para criar esses fatos, deixando de registrar bens, direitos ou valores em conta.

Com isso, na primeira hipótese (criação ou manutenção de registros sem respaldo documental), cria-se uma confusão contábil mascarada de erro, o que na verdade é o subterfúgio para esconder o descontrole contábil de operações inidôneas que evidenciam a omissão de receitas praticada pelos gestores da pessoa jurídica.

A falta de apresentação de documentação comprobatória, e a consequente falta de informação por parte do sujeito passivo, pressupõe indícios de fraudes contábeis por informação falsa, decorrente de lançamentos não lastreados por documento hábil e idôneo.

Utilizando os conceitos ensinados por Timi e Heimoski [2], temos que fraude “é um ato cometido com intuito de levar vantagem, lesar ou enganar alguém”, que difere do erro, onde o erro “é um ato cometido por um indivíduo que, acreditando conhecer determinado assunto, age de forma equivocada”. Ou seja, fraude se relaciona à obtenção de vantagem por aquele que pratica o ato.

Presunção legal tributária do passivo fictício ou superior ao montante devido/comprovado como fraude contábil e tributária
O passivo fictício ou superior ao montante devido, como se extrai da doutrina [3], ocorre com a criação e manutenção de origem de recursos contábeis sem lastro documental (a exemplo de empréstimos/mútuos ou adiantamentos fictícios) para legitimar recursos recebidos oriundos de receita que não foi declarada e tributada, ou ainda a manutenção de saldo credor em sua contabilidade mesmo após os devidos adimplementos, porém não registrados.

Para a caracterização de fraude contábil a título de passivo fictício ou superior ao montante comprovado, faz-se necessária a demonstração de que a pessoa jurídica auferiu vantagem com a prática contábil realizada por meio de sua escrituração contábil.

Em uma situação característica de erro no registro contábil, os gestores teriam apenas efetuado um ou outro lançamento incorreto em suas contas, não registrando algum adimplemento ou registrando o ingresso de recurso incorretamente.

No entanto, nestes casos geralmente existe a manutenção de conta contábil credora sem justificativa documental, em algumas contas desde sua origem, e em outras sem documentos para manutenção do saldo em aberto, com intuito de permanecer com um passivo maior do que o real, não registrando os ingressos de recursos como receita tributada.

Na situação específica do passivo fictício ou superior ao montante devido/comprovado, a manutenção de passivos realmente existentes em algum período mas sem respaldo documental para sua continuação ocasiona um tipo de fraude baseado no lançamento omisso, sendo “o registro completo ou a exclusão de registro de um fato contábil para encobrir fato doloso”; ou simplesmente o lançamento devedor sendo registrado posteriormente, baseado no lançamento intempestivo, onde se considera “o registro contábil fora de época em virtude do uso inadequado de saldos ou de cobertura de receitas omissas diante de obrigações a resgatar (caso do chamado Passivo Fictício, por exemplo)” [4].

Configura a omissão de lançamento ou o registro posterior quando se registra uma receita (normalmente por exigência da outra parte, requisitando a emissão de uma nota fiscal) e realiza a baixa do passivo com aquela receita registrada na contabilidade.

Utilizando-se, ainda, a doutrina de Sá e Hoog [5], o meio empregado para registrar um saldo credor indevido no Passivo (seja por não ter relação contratual entre as partes, seja por ter sido deixado em valor superior ao devido) se caracterizaria como falsa comprovação, citando que seria “o lastramento de registro contábil em documento falso ou adulterado”, onde não existe documento hábil para dar respaldo ao lançamento de natureza devedora na conta contábil.

Este comportamento não se caracteriza como mero erro, implicando em fraude contábil com intuito de omitir a receita auferida. Ora, quando se omite o pagamento de dívidas, omite-se também o recurso que permitiu que essa obrigação fosse adimplida.

Encontramos em Henrique [6] ensinamentos sobre o tema, onde o autor cita conceitos de fraude da Resolução CFC nº 1.207/2009 e discorre sobre características da fraude. Dentre essas características, citamos especificamente o item A4, o qual transcrevemos e que interessa no que diz respeito ao passivo fictício ou superior ao montante devido:

“A4. (…)
– Registrar lançamentos fictícios no Livro Diário, em especial no final do período contábil, de forma a manipular resultados operacionais ou alcançar outros objetivos.
(…)
– Omitir, antecipar ou atrasar o reconhecimento, nas demonstrações contábeis, de eventos e operações que tenham ocorrido durante o período das demonstrações contábeis que estão sendo apresentadas.”

A referida resolução ainda cita, em seu Apêndice 3, alguns exemplos de circunstâncias que indicam a possibilidade de fraude. Dentre esses exemplos, temos:

– “Discrepâncias nos registros contábeis, incluindo (…) transações que não são registradas de maneira completa ou tempestiva ou que são registradas inadequadamente no que se refere ao seu valor, período contábil, classificação ou política da entidade.”
– “Relações problemáticas ou não usuais entre o auditor e a administração, incluindo recusa de acesso a registros, instalações, certos empregados, clientes, vendedores, ou outros junto aos quais poderiam ser procuradas evidências de auditoria. Atrasos não usuais da entidade no fornecimento das informações solicitadas.”

Buscando ainda na doutrina tributária, no que tange às presunções legais contábeis, trazemos as palavras de Alexandre Alcântara da Silva acerca do passivo fictício ou superior ao montante devido, também caracterizando a sistemática como uma fraude. In verbis:

“O passivo fictício é uma das formas mais sofisticadas e perigosas de fraude contábil tributária. Ele consiste na criação ou manutenção intencional de dívidas inexistentes com o objetivo de reduzir artificialmente o lucro, esconder movimentações financeiras ilícitas ou mascarar a origem de recursos não declarados. O resultado? Um balanço patrimonial que não reflete a realidade da empresa e que pode comprometer diretamente a apuração de tributos como IRPJ, CSLL, ICMS, ISSQN, além dos novos IBS e CBS” [7].

Como prática corriqueira encontrada nesta seara, tem-se a aquisição a prazo de determinada mercadoria ou serviço e seu adimplemento posterior, a partir de receita não registrada na contabilidade, mantendo o saldo credor em aberto, sem baixá-lo ou realizando a baixa fictícia em momento posterior, quando possuir receita registrada suficiente para tal ação.

Também temos como prática frequente, ainda na conta contábil relativa aos fornecedores, o registro de compra realizada à vista e declarada como compra realizada a prazo, deixando de registrar o lançamento credor em conta caixa ou conta banco e lançando em conta contábil de fornecedores.

Pode-se criar também operações de empréstimos ou mútuos sem respaldo documental idôneo, geralmente com os sócios ou pessoas jurídicas do mesmo grupo (partes relacionadas, especialmente quando o recebimento por elas acarreta alguma redução de tributos), que receberam as receitas indevidamente e, como meio de dar uma aparente legalidade à transferência de recursos, simulam empréstimos sem o consequente adimplemento posterior, deixando o saldo em aberto ou transferindo para outras contas credoras, como uma transferência para a conta contábil de adiantamento para futuro aumento de capital ou uma conta de empréstimo de longo prazo.

Além desses, pode-se citar também os registros de ingressos de recursos a título de adiantamento de clientes que nunca são convertidos em transferência de mercadoria ou de prestação de serviços. Nesses casos, muitas vezes tais clientes sequer têm conhecimento desses registros.

Considerações finais
Dentre as diversas formas de ações que a administração tributária dispõe para detectar o ilícito e a respectiva falta de recolhimento do tributo devido, temos a junção da análise fiscal com a análise dos dados contábeis e financeiros, ampliando seu escopo de atuação, baseada nas normas tributárias que trazem as presunções legais de omissão de receitas. Neste sentido, utiliza-se, em especial, a análise das demonstrações contábeis com vistas a detectar passivo fictício ou superior ao montante devido, práticas que evidenciam a sonegação fiscal, fugindo ao mero erro contábil.

A partir das informações acima debatidas, verifica-se que é necessário tanto ao Fisco quanto às pessoas jurídicas se capacitarem para uma maior eficiência na ótica contábil, entendendo que existem outras formas de trabalhar além da abordagem meramente fiscal, especialmente com as mudanças no Sistema Tributário, em que cabe ao Fisco procurar novos modos de manter a arrecadação e ao contribuinte se planejar para não apresentar comportamentos de sonegação fiscal, registrando todos os fatos corretamente, tanto na sua escrita fiscal quanto na sua escrita contábil.

[1] No mesmo sentido, temos o art. 1º da Lei Federal nº 4.729/1965, onde: “Art 1º Constitui crime de sonegação fiscal: I – prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei;”

[2] TIMI, Sônia Regina Ribas e HEIMOSKI, Vanya Trevisan Marcon. Fraudes Documentais e Contábeis. CURITIBA: InterSaberes, 2020, p. 121.

[3] Podemos encontrar conceituação teórica sobre o assunto, dentre outros, em SILVA, Cristiane Oldoni da e FERREIRA, Thiago Fellipe Principe. Da presunção legal contábil do passivo fictício ou superior ao montante comprovado. Conjur. Disponível aqui.

[4] SÁ, Antônio Lopes de; HOOG, Wilson Alberto Zappa; Corrupção, Fraude e Contabilidade. 4ª ed. Curitiba: Juruá, ano 2012, pg. 35

[5] SÁ, Antônio Lopes de; HOOG, Wilson Alberto Zappa; Corrupção, Fraude e Contabilidade 4ª ed. Curitiba: Juruá, ano 2012, pg. 35

[6] HENRIQUE, Manoel de Almeida. Livros Contábeis: A escrituração contábil no atual cenário tributário. SÃO PAULO: Trevisan, 2016, p. 180.

[7] SILVA, Alexandre Alcântara da. O Perigo Silencioso no Balanço Patrimonial: o Passivo Fictício. Disponível aqui.

Fonte: ConJur

Mini Curriculum

Franco Aldo da Silva
é fiscal de tributos estaduais na Secretaria de Fazenda do Estado de Mato Grosso, graduado em Letras pela Universidade Federal do Amazonas, pós-graduado em Direito Constitucional, Direito Tributário, Direito Administrativo e Auditoria Contábil.

Augusto Tozoni Sambugari
é fiscal de tributos estaduais da Secretaria de Fazenda do Estado de Mato Grosso, bacharel em Ciência Contábeis pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Contabilidade e Controladoria pela UEL.

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