Chegamos ao fim da discussão sobre a aplicação concomitante da multa isolada e a multa de ofício?
Por Antonio Carlos de Souza Jr.
19/12/2025 10:41 am
Publicado originalmente no Rota da Jurisprudência – APET
A discussão sobre a possibilidade de aplicação concomitante da multa isolada por ausência de recolhimento de estimativas e da multa de ofício é travada há décadas pelos contribuintes no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF.
Um aspecto que dificultava a harmonia era a inexistência de precedente vinculante emanado dos Tribunais Superiores que pudesse pacificar definitivamente a questão no âmbito administrativo.
A questão da aplicação concomitante das multas foi submetida ao Superior Tribunal de Justiça, que pacificou sua jurisprudência no sentido de reconhecer a incidência do princípio da consunção às sanções tributárias. Conforme entendimento consolidado pela Corte, revela-se incabível a cumulação da multa de ofício com a multa isolada, porquanto esta é absorvida por aquela.[1]
O fundamento adotado pelo STJ reside na aplicação do princípio da consunção ao exigir o cumprimento de medidas sancionatórias. A rigor, conforme assentado nos precedentes da Corte Superior, o princípio opera em concreto, de modo que, para cada conduta, uma só punição deve prevalecer – a maior –, ainda que essa conduta possa ser enquadrada em mais de um tipo legal de infração.
Assim, nos casos em que há uma sucessão de condutas típicas com nexo de dependência entre elas, a infração mais grave absorve as de menor gravidade. A multa de ofício, por sancionar o descumprimento da obrigação principal (não pagamento do tributo), absorve a multa isolada, que sanciona o descumprimento de obrigação instrumental (não recolhimento das estimativas). Logo, cobra-se apenas a multa de ofício pela falta de recolhimento do tributo.
Note-se que a ratio decidendi do STJ é clara: a aplicação do princípio da consunção para as multas de natureza tributária. Tal entendimento foi reiterado em diversos julgados, consolidando-se como orientação firme da jurisprudência do Tribunal Superior em matéria infraconstitucional.
Em conclusão do julgamento submetido ao rito da repercussão geral (Tema 487), o Supremo Tribunal Federal fixou teses sobre a constitucionalidade das multas de natureza isolada. Entre as teses firmadas, destaca-se o item 3, com a seguinte redação: “Na aplicação da multa por descumprimento de deveres instrumentais, deve ser observado o princípio da consunção, e, na análise individualizada das circunstâncias agravantes e atenuantes, o aplicador das normas sancionatórias por descumprimento de deveres instrumentais pode considerar outros parâmetros qualitativos, tais como: adequação, necessidade, justa medida, princípio da insignificância e ne bis in idem”. [2]
O aludido item decorre do voto divergente condutor proferido pelo Ministro Dias Toffoli, que abordou expressamente o princípio da consunção. Segundo o Ministro, adotando a mesma compreensão do Superior Tribunal de Justiça, “a infração mais grave abrange aquela menor que lhe é preparatória ou subjacente”, quando presente o adequado nexo entre elas. Em outras palavras, conforme o princípio da consunção, o ilícito mais abrangente absorve o ilícito menos abrangente.[3]
Convém ressaltar que o Ministro Dias Toffoli expressamente consignou que o concurso entre infrações pode se dar tanto entre dois ou mais deveres instrumentais como também entre um dever instrumental e o dever de pagar o tributo. Trata-se de reconhecimento, em sede de repercussão geral, da aplicabilidade do princípio da consunção às sanções tributárias, em consonância com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça.
Portanto, o STF, em repercussão geral, ratificou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a impossibilidade de aplicação concomitante de multa isolada e da multa de ofício em virtude da aplicação do princípio da consunção. Tal pronunciamento reveste-se de especial relevância, na medida em que confere status de precedente vinculante à tese, com efeitos erga omnes e eficácia perante a Administração Pública.
No âmbito da Administração Tributária Federal, existe um regime de vinculação dos precedentes emanados dos Tribunais Superiores, especialmente em decorrência dos arts. 19 e 19-A da Lei nº 10.522/2002 e do art. 99 do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF. Trata-se de medida salutar que busca concretizar o dever de a Administração Tributária fomentar ativamente a segurança jurídica e estabilizar a interpretação da legislação tributária.
Com efeito, o art. 19 da Lei nº 10.522/2002 dispensa a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de contestar, oferecer contrarrazões e interpor recursos nas hipóteses em que a ação ou decisão versar sobre tema decidido pelo STF ou pelo STJ em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo. Ademais, o art. 19-A do mesmo diploma determina que os Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil não constituirão créditos tributários relativos aos temas abrangidos pelo art. 19.
No tocante ao CARF, o art. 99 do seu Regimento Interno veda aos conselheiros afastar, nos julgamentos, a aplicação de decisão definitiva de mérito proferida pelo STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade ou no julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, quando se tratar de matéria constitucional.
Desta feita, o precedente do STF no Tema 487, ao ratificar a aplicação do princípio da consunção para as multas tributárias, possui o condão de vincular a Administração Tributária Federal, tanto na constituição do crédito tributário pela Receita Federal quanto na atuação da PGFN perante o Poder Judiciário e no julgamento de recursos pelo CARF.[4]
Assim, após décadas de controvérsia, é possível concluir que a questão se encontra definitivamente pacificada no âmbito do Poder Judiciário e deve ser aplicada pela Administração Tributária e pelos órgãos de julgamento: a multa de ofício absorve a multa isolada por força do princípio da consunção, sendo vedada a aplicação concomitante de ambas as penalidades.
Referências:
[1] A título meramente exemplificativo: STJ. AgInt no REsp n. 2.197.323/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 7/4/2025, DJe de 10/4/2025.
[2] STF. RE 640.452, Tema 487, Rel. Min. Roberto Barroso, Red. p/ acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 2025.
[3] Trecho extraído do voto divergente condutor do Min. Dias Toffoli no RE 640.452 (Tema 487) e depositado no Plenário Virtual no julgamento do tema. “5.1) Do princípio da consunção. No que diz respeito especificamente ao princípio da consunção, adoto (tal como o fez o Relator quanto a esse ponto) a mesma compreensão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.496.354/PR, Segunda Turma, Relator o Ministro Humberto Martins. Pelo preceito em questão, por exemplo, “a infração mais grave abrange aquela menor que lhe é preparatória ou subjacente”, quando presente o adequado nexo entre elas. Ou seja, segundo o princípio da consunção, o ilícito mais abrangente absorve o ilícito menos abrangente. O concurso entre infrações pode se dar entre dois ou mais deveres instrumentais como também entre um dever instrumental e o dever de pagar o tributo. No mesmo sentido: REsp nº 1.499.389/PB-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 28/9/15”
[4] Sobre a vinculação dos precedentes pela legislação tributária, cf. SOUZA JÚNIOR, Antonio Carlos de. A conservação do ato irregular no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2022. p. 334 e ss.
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Advogado sócio de Queiroz Advogados Associados. Doutor em Direito Tributário (USP). Mestre em Direito (UNICAP). Professor do Curso de Pós-graduação do IBET. Vice-presidente do Centro Nacional para Prevenção e Resolução de Conflitos Tributários – CENAPRET.
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