Decisão do TCU mina transação tributária e deve gerar judicialização

Advogados tributaristas entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico criticaram o novo entendimento do Tribunal de Contas da União sobre o uso de créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa (PF/BCN) em transações tributárias.

Para os especialistas, a posição do tribunal pode inviabilizar o instituto e obrigar os contribuintes a entrar com ações para conseguir acesso ao benefício.

Em novembro, uma auditoria do TCU identificou uma série de fragilidades na governança, transparência e controle da política de transação tributária conduzida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e pela Receita Federal.

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Decisão do TCU sobre transação tributária pode corroer o instituto e gerar onda de ações

O entendimento da corte é de que a PGFN deve dar ao contribuinte um desconto na dívida total limitado a 65%, conforme prevê a Lei 13.988/2020, que dispõe sobre as transações.

Para o ministro Walton Alencar Rodrigues, relator do processo, há uma interpretação equivocada sobre o mecanismo de PF/BCN. Segundo ele, incluí-lo no cálculo do piso de legalidade distorce a aplicação da lei e resulta em acordos que, na prática, não geram receita efetiva para o Estado, “violando os princípios de responsabilidade fiscal e de proteção ao interesse público”.

É justamente essa interpretação sobre a utilização de PF/BCN nas transações tributárias que gerou críticas. Para a advogada Eléia Alvim, do Rodovalho Advogados, a corte se equivocou ao dizer que a aceitação de PF/BCN configura renúncia de receita ou despesa tributária indireta. “Tal entendimento carece de sustentação econômica e jurídica”, afirma.

A tributarista Fabíola Keramidas, ex-conselheira do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) e sócia do Keramidas Advocacia, endossa a percepção.

“A corte diz que a PGFN só poderia dar 65% de desconto, de acordo com a legislação, e que esse percentual está sendo ultrapassado, porque com o prejuízo fiscal o contribuinte tem mais desconto. O primeiro ponto completamente errado é que o prejuízo fiscal não é um desconto”, argumenta.

Para o advogado Marcelo Annunziata, sócio da área de Tributário do Demarest, o prejuízo fiscal funciona como uma moeda do contribuinte contra o Fisco, e não deveria ser considerado tecnicamente pela corte como desconto.

“O ponto que gera discussão é que o TCU entendeu que, dentro do limite de 65%, está incluído o prejuízo fiscal. O que a PGFN e os contribuintes sustentam é que o prejuízo não entra no limite. Então a discussão está no fato de o prejuízo poder ou não ser considerado além dos 65% de desconto”, explica.

Leonardo Battilana, sócio do Veirano Advogados, afirma que a restrição ao uso do PF/BCN poderá inviabilizar o programa de transação tributária, que, segundo ele, tem se mostrado eficiente ao longo dos anos, inclusive na recuperação de valores em curto prazo.

“Esse é o ponto que pode gerar judicialização, pois o TCU leva a entender que o prejuízo fiscal é uma espécie de benefício fiscal.”

Recurso à vista
No início deste mês, a PGFN publicou nota afirmando que “discorda respeitosamente” do TCU e que vai recorrer da decisão do tribunal. A Procuradoria, no entanto, vai seguir a recomendação enquanto o processo tramita.

“Por medida de cautela e prudência na gestão do crédito fazendário, a PGFN se absterá de propor ou aceitar propostas de acordo envolvendo utilização de créditos de PF/BCN em montante cuja aplicação conjunta com os descontos resulte em redução superior a 65% da dívida transacionada ou incida sobre o valor do principal do tributo.”

A coordenadora-geral de Negociações da PGFN Mariana Lellis Vieira afirmou na nota que, se confirmada, a interpretação do TCU “tem potencial severo sobre o desenvolvimento da política pública da transação tributária, reduzindo sensivelmente seu alcance e eficiência como instrumento para resolução consensual de litígios e enfrentamento de situações de crise econômica”.

Preocupação técnica
No último dia 10, a Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo também manifestou preocupação diante do entendimento do TCU sobre o uso dos créditos de PF/BCN pela PGFN.

Em nota assinada pela vice-presidente Daniela Magalhães, a seccional considera que a corte teve uma interpretação restritiva sobre o mecanismo e pede por um diálogo institucional entre TCU, Congresso, Ministério da Fazenda, PGFN e Receita, com a participação da advocacia.

Para a OAB-SP, o mecanismo de PF/BCN é ativo fiscal diferido, reconhecido pelo ordenamento contábil e autorizado por lei para viabilizar acordos em cenários de baixa recuperabilidade.

“Considerá-lo ‘desconto’ ou equipará-lo a renúncia fiscal desvirtua o texto legal, afasta-se de sua finalidade e coloca em risco milhares de negociações celebradas com base na confiança legítima depositada pelo contribuinte na Administração Pública”, diz a seccional paulista.

“O país não pode retroceder à era das execuções fiscais de baixíssima efetividade, cuja manutenção interessa a ninguém: nem à Administração, nem ao Judiciário, nem ao setor produtivo, nem à sociedade.”

Sheyla Santos
é repórter da revista Consultor Jurídico.

Por Conjur

18/12/2025 00:00:00

MP Editora: Lançamentos

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