Operações com criptoativos: maior controle e impossibilidade de cobrança do IOF Câmbio

Por Tathiane Piscitelli — São Paulo

Neste mês de dezembro, a Receita Federal do Brasil deu mais um passo no controle das operações com criptoativos: com a publicação da Instrução Normativa (IN) RFB nº 2.291/2025, criou a DeCripto, declaração relativa a operações realizadas com criptoativos que adota o padrão da OCDE, o denominado Crypto-AssetReporting Framework (CARF). A IN 2.291revoga, a partir de 1º de julho de 2026, a IN RFB nº 1.888/2019 e passa a ser norma padrão a regulamentar os deveres relativos a operações com criptoativos.

Em linhas gerais, a IN impõe a obrigatoriedade de declaração de operações realizadas (i) por prestadoras de serviços de criptoativos sediadas no Brasil; (ii) por pessoas físicas ou entidades residentes e domiciliadas no Brasil que realizem operações por meio de prestadora de criptoativos residente no exterior, por plataforma descentralizada ou sem qualquer intermediação.

Nos termos de seu artigo 6º, o rol de operações que deve ser objeto de declaração é bastante abrangente; envolve desde compra e venda e permuta até quaisquer outras que se qualifiquem como transferência de criptoativo declarável para conta ou carteira de usuário.

Dentre as informações declaradas, há o dever de informar o “valor justo do criptoativo” (artigo 10), o qual, no caso de compra e venda, equivale ao montante em reais efetivamente pago no momento da operação. Nos demais casos, a prestadora de serviço de criptoativo poderá determinar tal valor com base nos valores dos “pares de negociação de criptoativos declaráveis para moedas fiduciárias que mantém”. (artigo 10, parágrafos 1º e 2º). Na hipótese de a exchange não manter os pares de negociação mencionados, então outros métodos de avaliação serão utilizados, a exemplo do valor contábil e valores fornecidos por empresas e sites especializados.

A IN ainda conta com dois anexos. O primeiro apresenta as definições aplicáveis à norma; e o segundo trata dos procedimentos e conceitos relacionados com o CARF. Nesse sentido, altera a definição de criptoativos contida no artigo 5º da IN RFB nº 1.888/2019, para torná-la mais simples e mais abrangente: trata-se, nos termos da norma mais recente, da “representação digital de um valor ou direito que pode ser transferido ou armazenado eletronicamente mediante o uso de criptografia e tecnologia de registro distribuído ou tecnologia semelhante”.

Na disciplina anterior, o conceito se resumia à representação digital de valor, apenas, e não de direito, com necessária denominação em sua própria unidade de conta – elemento também excluído da definição atual. Além disso, a IN RFB 1.888 ainda enunciava os modos de utilização dos criptoativos, quais sejam, formas de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços. Segundo a regra atual, o uso que se faz do criptoativo não é determinante para a delimitação de sua natureza jurídica como tal.

Poucos dias antes da publicação da IN RFB nº 2.291/2025, o Banco Central do Brasil (Bacen) publicou três resoluções aplicáveis ao mercado cripto, dentre as quais destaca-se a Resolução BCB nº 521/2025, em razão do potencial impacto tributário decorrente da equiparação da prestação de serviços com ativos virtuais às operações de câmbio.

Nos termos do artigo 76-A, introduzido pela Resolução BCB 521 à Resolução BCB nº 277/2022, “está incluída no mercado de câmbio a prestação de serviços de ativos virtuais” relativa ao (i) pagamento ou transferência internacional com ativos virtuais; (ii) transferência de ativo virtual de ou para cliente de prestador de serviços de ativos virtuais para cumprimento de obrigação decorrente do uso internacional de cartão ou de outro meio de pagamento eletrônico; (iii) transferência de ativo virtual de ou para carteira autocustodiada que não envolva pagamento ou transferência internacional com ativos virtuais; e (iv) compra, venda ou troca de ativos virtuais referenciados em moeda fiduciária (stablecoins).

A inclusão dos serviços de ativos virtuais no mercado de câmbio pode gerar indagações quanto à incidência do IOF Câmbio em tais operações. Como noticiou este Valor caso seja esta a escolha do governo, o impacto na arrecadação pode ser entre R$ 3 bilhões e R$ 5 bilhões ao ano.

Sendo este o caminho adotado, contudo, a inconstitucionalidade seria evidente. A qualificação forjada pelo Bacen conflita com as regras tributárias aplicáveis aos criptoativos que qualificam esses bens como “ativos” e, como tais, sujeitos à tributação via ganho de capital na hipótese de alienação com lucro. Tratando-se de “ativos” e não de moeda, a incidência do IOF Câmbio sobre as pessoas jurídicas cujo objeto é realizar operações com criptoativos seria de todo questionável, à luz do princípio da legalidade e da tipicidade cerrada, basilares ao direito tributário.

Corrobora essa interpretação o fato de que o artigo 3º, inciso I da Lei nº 14.478/2022 expressamente exclui da definição de ativos virtuais as moedas nacionais e estrangeiras. Não faz sentido, pois, alegar que a regulação do BACEN é base suficiente para motivar a tributação de criptoativos pelo IOF Câmbio. A incidência do imposto não pode ser resultado de mudanças regulatórias; ela depende tanto da requalificação do que seja criptoativo (e de todas as consequências disso decorrente) quanto de alteração legislativa específica.

Por fim, vale mencionar que o debate sobre o aumento da tributação das operações com criptoativos não é novo. Recentemente, a Medida Provisória nº 1.303/2025 previu o aumento da alíquota do imposto de renda devido em razão de ganhos com ativos virtuais para 17,5%, ao lado da eliminação de qualquer isenção. A MP, contudo, foi rejeitada pelo Congresso Nacional e a discussão se arrefeceu. Ainda assim, a busca pela tributação mais adequada desses ativos deve envolver o arcabouço do imposto de renda. Pretender a cobrança do IOF Câmbio irá atrair litígio desnecessário a este mercado, com evidente quebra de segurança jurídica.

Por Valor

15/12/2025 00:00:00

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