Subvenções negativas antes de 2024 ou como negar fingindo interpretar
Por Igor Mauler Santiago
03/12/2025 12:00 am
Em nossa última coluna, escrita com Débora Bertaglia e Pedro Benith, criticamos a orientação da Receita Federal, consubstanciada na Solução de Consulta Cosit 202/2025 e em autuações recentes, de que as subvenções negativas de ICMS (isenções, reduções de base de cálculo ou de alíquota, etc.) não poderiam ser excluídas na apuração do IRPJ e da CSLL de períodos anteriores a 2024, por não gerarem acréscimo patrimonial para o contribuinte.
Em síntese, sustentamos que:
a) a mesma tese foi defendida no Tema 1.182 do STJ pelo ministro Francisco Falcão, para quem o valor das subvenções negativas não seria “parte integrante da grandeza econômica sobre a qual recaem o IRPJ e CSLL, de modo que não haveria o que excluir” — mas não prevaleceu;
b) como o ICMS integra a própria base, a sua dispensa total ou parcial gera para o contribuinte receita igual à diferença entre a alíquota-padrão e a alíquota efetiva aplicada (seja positiva ou zero), não cabendo ao fisco adentrar a lógica econômica da precificação adotada pelo particular;
c) como o ICMS, ao ver do STF (Tema 69 e RHC 163.334/SC), é receita pública que apenas transita pelas mãos do comerciante, a dispensa do seu repasse ao fisco acarreta, por definição, riqueza nova para aquele; e
d) o CPC 00 define receitas como “aumentos nos benefícios econômicos (…), sob a forma (…) do aumento de ativos ou diminuição de passivos, que resultam em aumentos do patrimônio líquido”, e o CPC 07 prevê que a contabilização de uma subvenção consistente em isenção ou redução tributária “é efetuado registrando-se o imposto total no resultado como se devido fosse, em contrapartida à receita de subvenção equivalente, a serem demonstrados um deduzido do outro”.
O auditor da Receita Federal André Kreisig distinguiu-nos com veemente contestação de nossos argumentos. A seu ver:
a) é incorreto afirmar que a exigência de acréscimo patrimonial foi superada no Tema 1.182, pois, ao julgar os embargos de declaração, o Relator teria adotado a premissa do Ministro Francisco Falcão de que “é mister o direcionamento do resultado do benefício à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos”;
b) é falacioso sustentar que a dispensa de ICMS gera receita para o contribuinte, pois “o valor de ICMS que antes compunha o valor da operação e que deixou de incidir na venda (em razão de isenção ou de redução de base de cálculo, por exemplo) também não mais compõe o valor da operação”;
c) se o ICMS apenas transita pelas mãos do contribuinte, a sua dispensa exime-o de cobrá-lo do consumidor, não lhe gerando nenhum ganho, de maneira que, indevido o imposto, impõe-se concluir que não está embutido no preço; e
d) o CPC 00 sustenta a posição da RFB ao exigir que a receita acarrete aumento do patrimônio líquido, e o CPC 07 é inaplicável às isenções e reduções gerais (não individualizadas), por força de seus itens 2.b e 3.
Quanto ao ponto “a”, o que ficou superado no repetitivo foi a proposição de que as subvenções negativas não ensejariam acréscimo patrimonial, não gerando receita a ser excluída. Receita há, tanto que se lhe impõe uma destinação específica: registro em reserva de incentivos fiscais a ser utilizada para a absorção de prejuízos — após consumidas as demais reservas de lucros, salvo a reserva legal — e para o aumento de capital (Lei 12.793/2014, artigo 30, caput e incisos I e II). Já a prova do uso dessa receita na implantação ou na expansão da empresa foi dispensada, como atesta o acórdão que julgou os declaratórios no repetitivo, que o nosso contendor parece não ter compreendido bem:
“(…) 5. Na ementa do acórdão embargado ficou devidamente consignado a aplicação do entendimento segundo o qual ‘muito embora não se possa exigir a comprovação de que os incentivos o foram estabelecidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, persiste a necessidade de registro em reserva de lucros e limitações correspondentes, consoante o disposto expressamente em lei’ (EDcl no REsp. n. 1.968.755 – PR, Segunda Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 3.10.2022).
Desse modo, a expressão final do item 3 da Tese firmada para o tema (‘os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico’) está correlacionada com ‘a necessidade de registro em reserva de lucros e limitações correspondentes, consoante o disposto expressamente em lei. (…)”
Quanto ao ponto “b”, a objeção segue a lógica dos tributos que correm por fora, como o IPI e os impostos aduaneiros, que se somam ao preço na exata medida da incidência (e nada lhe acrescem em caso de isenção). A sistemática do ICMS é diversa: a teor do artigo 13, parágrafo 1º, inciso I, da Lei Complementar 87/96, este não se adiciona ao preço, mas — haja ou não cobrança — já se encontra juridicamente dentro dele, servindo o destaque para mero controle. É verdade que, no momento da precificação, o agente econômico deve levá-lo em conta, mas isso é matéria estranha às cogitações do fisco, como aliás reconhece o nosso opositor, para quem “quanto a pessoa jurídica reduziu o seu preço em uma isenção objetiva de ICMS sobre a venda de determinado produto, ou se essa redução se deu em valor equivalente ao do tributo desonerado é algo que virtualmente não pode ser comprovado, dado que os preços de mercado dos bens flutuam diariamente, em função dos mais diversos fatores econômicos e de condições pessoais dos vendedores e compradores”.
O ponto “c” é decorrência do anterior: se o imposto está juridicamente dentro do preço, e o seu pagamento é dispensado no todo ou em parte, o valor correspondente é apropriado pelo contribuinte (apropriação legítima, e não indébita, como o STF referendou no já mencionado RHC 163.334/SC). Trata-se de uma lógica desafiadora, com a qual o nosso crítico — sendo auditor da Receita Federal, que não administra nenhum tributo com regime semelhante ao do ICMS — talvez não tenha a necessária familiaridade.
Spacca
O ponto “d” vai na mesma linha: se há essa apropriação legítima do imposto dispensado, tem-se o aumento patrimonial a que alude o CPC 00. No mais, o conceito restritivo de subvenção do CPC 07 [1] perde relevo ante o parágrafo 4º do artigo 30 da Lei 12.973/2014, inserido pela Lei Complementar 160/2017, que dispõe que todos “os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais” de ICMS “são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo” — requisitos que o STJ, no Tema 1.182, decidiu limitarem-se ao registro e à destinação discriminados no comentário ao ponto “a” acima.
Em suma, o repetitivo é específico para as subvenções negativas de ICMS e admite a sua exclusão da base de cálculo do IRPJ e da CSLL uma vez atendidas as condições há pouco relembradas. Mas o nosso antagonista sustenta que elas nunca geravam receita passível de exclusão, e isso sequer quando a empresa mantivesse o preço anterior à concessão do benefício fiscal, apropriando-se do valor outrora destinado ao pagamento do ICMS. Em sua opinião, “se o vendedor não reduziu o preço praticado, porque assim lhe possibilitou o mercado (…), ele não está tendo um ganho fiscal decorrente da redução do ICMS, que poderia motivar uma eventual exclusão baseada no artigo 30 da Lei n° 12.973/2014, mas sim um ganho de natureza comercial”.
Ou seja, o STJ admite a exclusão das subvenções negativas de ICMS, mas para a Receita isso nunca se revela possível na prática. Nas palavras do nosso censor, “não há obtenção de vantagem econômica de natureza fiscal por parte do contribuinte de direito do ICMS, inexistindo, portanto, qualquer tipo de efetiva subvenção governamental que lhe beneficie”.
Com tudo isso, eles ainda juram fidelidade ao Tema 1.182. Só que não.
____________________________________________
[1] “2. Este Pronunciamento não trata:
(…)
b) da contabilização de assistência governamental ou outra forma de benefício quando se determina o resultado tributável, ou quando se determina o valor do tributo, que não tenha caracterização como subvenção governamental. Exemplos desses benefícios são isenções temporárias ou reduções do tributo sem a característica de subvenção governamental, como a permissão de depreciação acelerada, reduções de alíquota, etc.; (…)”
“3. Os seguintes termos são usados neste Pronunciamento Técnico com as definições descritas a seguir:
(…)
Subvenção governamental é uma assistência governamental geralmente na forma de contribuição de natureza pecuniária, mas não só restrita a ela, concedida a uma entidade normalmente em troca do cumprimento passado ou futuro de certas condições relacionadas às atividades operacionais da entidade. Não são subvenções governamentais aquelas que não podem ser razoavelmente quantificadas em dinheiro e as transações com o governo que não podem ser distinguidas das transações comerciais normais da entidade. (…)”
Fonte Conjur
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é sócio-fundador do Mauler Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais, membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT).
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