Receita reforça cobrança de adicional para custeio de aposentadoria especial
Por Beatriz Olivon — De Brasília
A Receita Federal reforçou sua estratégia de cobrança da contribuição adicional por Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), paga pelas indústrias quando há empregados com direito à aposentadoria especial. Agora, o órgão começou a enviar comunicados detalhando o cálculo do valor devido pelas empresas. A medida informativa seria mais uma ferramenta, segundo especialistas, para pressionar as indústrias ao pagamento.
O adicional ao RAT, também chamado de GILRAT, é uma contribuição previdenciária cuja alíquota varia de 6% a 12% e que incide sobre o valor da remuneração do trabalhador. O percentual cobrado depende do tempo de trabalho para a concessão da aposentadoria especial. Essa contribuição foi criada para custear a aposentadoria especial de funcionários expostos a agentes nocivos à saúde, como o ruído.
O centro da divergência entre Fisco e empresas é se o fornecimento de Equipamento de Proteção Individual (EPI) eficaz para minimizar ruído afastaria a cobrança. O Fisco entende que não. Já as empresas argumentam que, se não acreditassem na funcionalidade desses equipamentos, não os ofereceriam.
Por meio dessa “malha fina”, a Receita Federal tem informado a alguns contribuintes que eles teriam deixado de recolher integralmente o adicional da contribuição que incide sobre a remuneração daqueles empregados expostos a ruído em níveis superiores a 85 decibéis. A partir desse grau de ruído haveria risco à saúde e, portanto, direito à aposentadoria especial após 25 anos de trabalho.
Ainda segundo a Receita, diferentemente de situações em que a adoção de medidas de proteção, que efetivamente neutralizam ou reduzem o grau de exposição do trabalhador, afasta a concessão da aposentadoria especial, no caso de ruído acima do limite tolerável o uso de EPI não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado.
A Receita se baseia em uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), com repercussão geral, do ano de 2014. Na ocasião, a Corte entendeu que é ineficaz o uso de EPI para a concessão de aposentadoria especial (Tema 555). A partir daí, publicou o Ato Declaratório Interpretativo (ADI) nº 2/2019, pelo qual indica que a contribuição adicional ao RAT é devida pelo empregador se a concessão da aposentadoria especial não puder ser afastada pela neutralização dos riscos ambientais por EPI.
Essa estratégia de cobrança foi facilitada no ano de 2021. A partir daquele ano, as empresas começaram a indicar no eSocial (plataforma digital com informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais prestadas pelos empregadores) informações sobre saúde e segurança do trabalho. Com dados sobre o fornecimento de EPI e a submissão a agentes nocivos à saúde, o governo federal passou a traçar o perfil previdenciário dos trabalhadores.
Essas informações basearam os “avisos de cobrança” que foram encaminhados às indústrias. Em um deles, ao qual o Valor teve acesso, enviado recentemente, a Receita aponta a conta a ser paga pela empresa: para 94 segurados expostos ao ruído, a base de cálculo previdenciária seria de R$ 5 milhões.
“Temos atendido empresas que receberam esses informes, como se fosse um aviso de cobrança”, afirma Cristiane Matsumoto, sócia do Pinheiro Neto Advogados. O boom do envio de avisos coincide com o detalhamento de informações no e-Social, segundo a advogada.
O Fisco observa se há o apontamento de agente ruído no e-Social e o recolhimento de outra contribuição previdenciária, o Seguro de Acidente do Trabalho (SAT), explica Cristiane. Sem fiscalizar, somente com esses dados em mãos, diz ela, emitem o aviso de cobrança. De acordo com a advogada, o procedimento a ser adotado pelas empresas que recebem tais informes deve ser o de verificar se, em cada caso concreto, tem EPI com laudo técnico de neutralização do ruído.
Se a empresa toma medidas que neutralizam o risco, vale discutir”
— Cristiane Matsumoto
“Se a empresa tem medidas que neutralizam o ruído, a gente recomenda discutir, mas se a empresa não investiu nisso, a auto regularização é vantajosa porque afasta a multa”, afirma. Na autuação, é exigido pagamento de multa de 75% do valor devido. Outro ponto, segundo a advogada, é verificar se o número de empregados indicado pelo Fisco corresponde à realidade. “O SAT só é devido para quem está exposto a risco [à saúde], mas, muitas vezes, os autos de infração é calculado sobre um contingente maior de empregados”, afirma.
Os advogados também criticam a interpretação restrita da decisão do STF sobre o assunto pela Receita Federal. Eles concordam que o adicional referente ao ruído terá reflexo na concessão de aposentadoria especial e, consequentemente, nos valores a serem pagos pela Previdência. Contudo, alegam que as empresas investem em medidas protetivas à saúde, com base na legislação de saúde ocupacional, e que não faria sentido fazer isso e depois ser cobrado “por algo que não seria devido”.
Segundo o advogado Caio Taniguchi, sócio do escritório Tozzini Freire, se tornou um hábito a Receita enviar a indicação de malha fiscal para pressionar a cobrança do RAT. “Eles fazem um cruzamento de dados pelo e-Social e apontam para as empresas o número de funcionários que estão expostos a ruído acima do limite de tolerância”, afirma. É um passo antes das fiscalizações, segundo o advogado. “Temos mais de 50 autuações fiscais desse tema no escritório. Os valores passam de R$ 2 bilhões”, afirma.
Para o advogado, o STF criou uma presunção relativa em favor dos empregados sobre a eficácia do EPI. “Quando a tese do Supremo diz que a mera declaração de eficácia do EPI não afasta o direito à aposentadoria especial, isso foi interpretado por alguns juízes como se não existisse EPI eficaz para neutralizar”, afirmou. “E a Receita pegou carona”.
Desde o dia 30 de outubro, o advogado Marcello Pedroso, sócio do Demarest, recebeu avisos de cobrança do RAT enviados a pelo menos dez clientes diferentes. As empresas têm até janeiro para se regularizar. “E o aviso não dá benefício para quem pagar, ele só indica que vai autuar se não houver pagamento”.
Esses avisos, segundo o advogado, estão deixando as empresas em dúvida sobre o que fazer. “Ao se auto regularizar, vão ‘comprar’ esse custo para sempre e ainda fica o risco em relação aos anos anteriores”, destaca. Pedroso alerta também que o adicional precisa ser pago por cada funcionário exposto ao ruído, não por todos da folha de pagamentos. Ele ainda sugere às empresas, ao receberem as notificações do Fisco, que analisem como os EPIs estão sendo gerenciados.
“Já defendi empresa que tinha empregado com hobby que o colocava risco de perda auditiva comprovada, que não foi adquirida nem agravada no ambiente laboral”, afirmou.
Os especialistas destacam ainda um julgamento do STF que poderá impactar a estratégia da Receita. O STF julgará uma ação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) contra a regra que estabelece a cobrança adicional para financiar a aposentadoria especial de empregados que trabalham em condições prejudiciais à saúde, especialmente quanto ao ruído excessivo (ADI 7773/DF). Para a CNI, a concessão do benefício dependeria de comprovação, com a possibilidade de o empregador produzir provas. No formato atual, diz a entidade, a contribuição do RAT “tem gerado profundo impacto econômico nas atividades industriais”.
Procurada pelo Valor, a Receita não retornou até o fechamento desta edição.