Compensação tributária e mandado de segurança: o vácuo analítico no ARE 1.525.254
Por Daniel Soares Gomes
24/11/2025 12:00 am
O Supremo Tribunal Federal voltou a se debruçar sobre um tema sensível no Direito Tributário: os limites da compensação administrativa reconhecida em sede de mandado de segurança. A controvérsia, que há anos desafia a coerência da jurisprudência, foi novamente enfrentada pela 2ª Turma no julgamento do ARE nº 1.525.254, no qual foi assentado que o mandado de segurança não poderia gerar, por si só, o direito à compensação administrativa.
A expressão “por si só” merece especial atenção e será analisada a seguir, por se tratar do ponto fulcral para a correta compreensão do alcance dessa decisão.
O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, entendeu pela restrição da compensação, sendo acompanhado pelos ministros Edson Fachin e Nunes Marques, sob o fundamento principal de que a devolução direta de valores pelo Fisco violaria o regime constitucional dos precatórios (artigo 100 da Constituição). Por sua vez, o ministro André Mendonça abriu divergência, acompanhado pelo ministro Dias Toffoli. O placar, portanto, encerrou-se em 3 a 2, prevalecendo a tese restritiva no caso concreto.
Ocorre que o acórdão proferido pelo Supremo não delimita adequadamente pontos essenciais da controvérsia, uma vez que o contexto fático dos autos não é devidamente evidenciado na decisão. Essa lacuna dificulta a distinção do precedente em relação a outros casos de compensação tributária e enfraquece a compreensão de seu alcance prático.
Conforme destacou o ministro André Mendonça em seu voto divergente, os precedentes do STF “reforçam a possibilidade de declaração do direito à compensação tributária, desde que respeitadas as normas infraconstitucionais aplicáveis ao tema, cuja análise não chegou a ser realizada no acórdão recorrido”.
O uso da expressão ‘por si só’
No caso concreto, tratava-se de compensação de ICMS no estado de São Paulo. A Procuradoria do Estado sustentou a inexistência de lei específica na legislação paulista prevendo a compensação tributária, o que violaria o artigo 170 do Código Tributário Nacional.
Embora esse ponto não tenha sido analisado expressamente, tanto nas instâncias superiores quanto inferiores, não parece haver outra justificativa plausível para o emprego da expressão “por si só” no voto condutor.
E é por isso que o mandado de segurança, por si só, não geraria o direito à compensação administrativa, pois dependeria da existência lei específica na legislação tributária do Estado prevendo tal modalidade de extinção do crédito tributário.
Esse ponto, que poderia ter sido esclarecido em embargos de declaração, acabou não sendo, já que a 2ª Turma rejeitou o recurso. Novamente vencido, o ministro André Mendonça reiterou a necessidade de “determinar a devolução dos autos à corte de origem, a fim de que decida a controvérsia quanto à possibilidade de declaração do direito à compensação, suas formas e critérios a partir das normas infraconstitucionais referentes ao tema”.
Nota-se, portanto, que a mera leitura do suporte textual do acórdão não permite compreender integralmente o alcance da decisão, já que a matéria não foi suficientemente delimitada, sobretudo diante da ausência de análise sobre a legislação infraconstitucional aplicável.
O uso da expressão “por si só” indica que o Supremo não afastou a possibilidade de se reconhecer o direito à compensação em sede de mandado de segurança, mas apenas limitou seus efeitos às hipóteses em que exista lei específica disciplinando o instituto.
Pois, na ausência de lei específica, aí sim o mandamus estaria, por si só, gerando o direito à compensação.
Desse modo, o precedente não deve ser lido como uma vedação geral à compensação declarada judicialmente, mas como um alerta à necessidade de compatibilizar a via mandamental com os contornos infraconstitucionais do artigo 170 do CTN.
Em outras palavras, o mandado de segurança permanece como instrumento hábil à declaração do direito à compensação administrativa, desde que observado o regime legal aplicável e afastadas pretensões de devolução direta de valores pela Fazenda Pública, que devem respeitar o regramento dos precatórios.
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é mestrando em Contabilidade e Finanças pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), especialista em direito tributário pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV), advogado atuante na área tributária e sócio do escritório David & Athayde Advogados.
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