Maioria no STF afasta a tributação de planos de stock options
Por Marcela Villar — De São Paulo
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou para afastar a tributação dos valores referentes a planos de compra de ações, os chamados “stock options”, na compra dos papéis. Os ministros negaram recurso da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para a reanálise do mérito por entender que o tema é infraconstitucional. Na prática, a última palavra seria do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo entendimento é favorável aos contribuintes. Após oito votos, porém, o julgamento, no Plenário Virtual, foi suspenso e será retomado na sessão subsequente.
Os stock options servem como incentivo para reter empregados de sociedades anônimas que estão no mercado de ações. Os funcionários podem optar por comprar participação na companhia por preço pré-fixado, normalmente abaixo do valor negociado na bolsa de valores, e com carência – após determinado período na empresa.
A dúvida, neste julgamento, é quando e como incide o Imposto de Renda (IRPF) sobre tais valores – se na compra das ações, como queria a União, ou somente na venda. O tema já era indicado como de risco possível no anexo de riscos fiscais do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2026. Os valores do impacto, porém, não são mencionados.
O objetivo da Fazenda é reverter no Supremo a decisão dada no ano passado pelo STJ (Tema 1226). O julgamento do STF ocorre no Plenário Virtual, onde a maioria acompanhou o voto do ministro Edson Fachin. Ele defendeu quo tema é infraconstitucional e decorre da liberdade contratual das empresas, por isso, não cabe intervenção do Supremo (Tema 1440).
Na prática, prevaleceria o entendimento da 1ª Seção do STJ, onde foi analisada a natureza jurídica dos stock options. Lá ficou decidido que não é salário e tem caráter mercantil. Por isso, o IRPF não incidiria no momento da aquisição dos papéis, com alíquota de até 27,5%. A tributação só ocorreria no momento de vendas das ações, se houver ganho de capital, com alíquota de 15%.
O caso analisado pelo STF é o mesmo do STJ, de um ex-diretor da Qualicorp S/A que tenta evitar uma tributação de R$ 400 mil em valores históricos. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) lhe foi favorável, entendendo que o plano de opção de compra de ações, apesar de se inserir em uma relação de emprego, “não está diretamente atrelado ao contrato de trabalho”.
Isso porque há “imprevisibilidade do resultado da operação”, além de adesão voluntária e desembolso na compra, características típicas de contrato mercantil. Antes, a sentença havia sido favorável à União. O juízo entendeu que seria remuneração, pois é “disponibilizado aos empregados sem exigência de contrapartida”, o que reforça o “caráter de contraprestação ao trabalho”.
Fachin manteve a decisão do STJ e do TRF-3, pois, na visão dele, não caberia ao STF julgar a matéria. “Consideradas a autonomia de vontade e a liberdade contratual, a formatação do negócio se estrutura, em cada hipótese, numa forte dependência dos termos estipulados entre as partes – cuja análise, em consequência, se torna imprescindível para o deslinde de questões jurídicas correlatas. É, portanto, infraconstitucional e fática a controvérsia proposta”, disse no voto.
O ministro também lembrou de precedentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que reiteram a natureza mercantil desse tipo de contrato. Propôs a tese: “É infraconstitucional e fática a controvérsia sobre a existência de acréscimo patrimonial, tributável sob a perspectiva de renda salarial, no exercício de opção de compra de ações de sociedade anônima por seu empregado, no regime de ‘stock option plan’”.
Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Cristiano Zanin divergiram. Para eles, há questão constitucional envolvida e repercussão geral. Ou seja, o mérito deveria ser analisado pela Corte. Faltam se manifestar os ministros Nunes Marques e Cármen Lúcia. O novo prazo para finalização do julgamento, que terminaria ontem às 23h59, foi adiado para o dia 25.
O advogado Alexandre Ponce de Almeida Insfran, do Velloza Advogados, destaca a importância de as três Cortes – STF, STJ e TST – passarem a “falar a mesma língua”. “O stock options não é salário disfarçado, é instrumento de mercado de capitais”, diz. “Coloca-se um ponto final na tentativa de transformar isso num debate constitucional”.
O especialista indica, contudo, que as empresas devem revisitar os contratos para ajustá-los aos critérios de onerosidade, voluntariedade e risco. “Caso contrário, a Receita vai continuar requalificando esses eventuais ganhos como salário e as empresas seguirão expostas a autuações milionárias”, alerta.
É o caso, por exemplo, de companhias de pequeno porte ou de contratos antigos que oferecem esses planos de forma gratuita ou por valores irrisórios, o que afasta risco e onerosidade. No processo analisado pelo STF, houve desembolso pelo diretor da Qualicorp.
O tributarista Paulo Tedesco, sócio do Mattos Filho, que atua no caso, diz que os contribuintes não pedem a não tributação dos planos, só divergem de como ela deve acontecer. “A Constituição fala que a União vai tributar a renda e os stock options têm tributação de renda. Discordamos sobre a forma da tributação, se vai ter alíquota progressiva, de 27,5%, típica de remuneração, ou de 15%, típica de ganho de capital” afirma.
Na visão dele, a decisão do STF deve influenciar o julgamento sobre a incidência da contribuição previdenciária nos planos, previsto no STJ (controvérsia nº 741). “A discussão toda é se eventual ganho tem natureza de negócio ou remuneração e a resposta já foi dada pelo STJ, que reconheceu essa natureza mercantil”, completa.
Tedesco também alerta que para se beneficiar do entendimento, é preciso se enquadrar nas mesmas características. “Todos os stock options que observem as dinâmicas e parâmetros típicos são mercantis. Agora, os incentivos anômalos, com características muito distintas, que não têm cara de stock option, têm que ser tratados como tal”.
Procurada pelo Valor, a PGFN não quis comentar o assunto.