Dúvidas contábeis no PL 1.087 (altas rendas)

Por Edison Fernandes

06/11/2025 12:00 am

Quem acompanha este espaço já percebeu que a relação entre Direito Tributário e Contabilidade é um assunto recorrente. Do meu lado, tenho defendido há bastante tempo o diálogo entre essas disciplinas e talvez mais que isso: uma interrelação mais estreita (recursividade) entre elas. No Projeto de Lei – PL 1.087, que isenta de imposto as cidadãs e os cidadãos que tenham renda até cinco mil reais e propõe como compensação a tributação mínima das chamadas “altas rendas”, há vários temas contábeis, dos quais dois merece atenção.

Preliminarmente, é importante comentar, ainda que brevemente, o modelo de integração proposto neste PL. Para lembrar, essa integração seria entre a tributação do lucro da pessoa jurídica e a tributação dos rendimentos da pessoa física dos sócios, remunerada normalmente por meio de dividendos (distribuição do lucro da pessoa jurídica. A política tributária, por meio da legislação, deve fazer uma escolha entre, basicamente, tributar exclusivamente a pessoa jurídica, o que implica a isenção dos dividendos (modelo atual), tributar exclusivamente a pessoa física (modelo de difícil implementação) ou distribuir (dividir) a tributação entre a pessoa jurídica e a pessoa física, o que se pretende, de certa forma, no PL 1.087.

No modelo do PL 1.087, de maneira sumária, o montante dos tributos sobre o lucro da pessoa jurídica será utilizado como “redutor” do imposto mínimo devido pela pessoa física do sócio – quase como uma compensação, de modo a “integrar” os tributos sobre o lucro da pessoa jurídica com a tributação do rendimento (dividendos) da pessoa física do sócio. Nessa integração, surgem os dois pontos de dúvida contábil do PL, destacados para serem comentados neste artigo.

Em primeiro lugar, é preciso definir qual a “carga tributária” suportada pela pessoa jurídica, para que o respectivo montante seja “integrado” com a tributação dos dividendos distribuídos. O PL utiliza a alíquota efetiva do imposto devido. A noção de “imposto devido” não está suficientemente clara, haja vista que a apuração dos tributos sobre o lucro da pessoa jurídica considera ajustes permanentes e temporários, o que resulta em tributo corrente e tributo diferido (tanto ativo quanto passivo). Nesse sentido, o “imposto devido” não é necessariamente a “despesa do imposto”.

Além disso, o “imposto devido” tampouco é necessariamente o valor que consta na guia de recolhimento (DARF). Isso porque há previsão legal de destinação do imposto que não seja o recolhimento aos cofres públicos. São situações em que a empresa contribuinte “escolhe” onde os recursos do imposto devido será aplicado.

Em segundo lugar, os elaboradores do PL 1.087 tiveram consciência do desenvolvimento de atividade empresarial, e a respectiva geração de lucros, por meio de grupos econômicos. Dessa forma, pode acontecer, dentro do grupo econômico, que algumas empresas tenham lucro e recolham os tributos correspondentes e outras apurem prejuízo. Em razão disso, o PL permite a consideração da alíquota efetiva do consolidado das operações, independentemente da pessoa jurídica que as desenvolve.

Sobre esse ponto também é dúvida se estamos diante das regras contábeis sobre a contabilidade consolidada, isso porque há disposições expressas no âmbito da regulamentação contábil sobre o assunto. Vale ressaltar que o “balanço consolidado” é elaborado para grupos de empresas com relações de controle: consolidam-se os balanços das controladas.

No entanto, há situações – não raras – em que o lucro de uma pessoa jurídica é formado com parte do lucro de outra empresa que não está sob seu controle, isto é, coligadas (método de equivalência patrimonial – MEP) ou participações societárias sem influência significativa (método do custo). A dúvida é como tratar a “consolidação” prevista no PL.

Enfim, os temas contábeis do PL 1.087 geram dúvidas sobre qual o valor relativo aos tributos sobre o lucro da pessoa jurídica que será utilizado para “integrar” a tributação sobre os dividendos da pessoa física dos sócios.

Fonte: Conjur

Mini Curriculum

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da USP – Largo São Francisco (1994).
Pós-graduado em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1998).
Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2002).
Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2006).

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