São Paulo exclui setores do regime de substituição tributária do ICMS
Por Luiza Calegari e Arthur Rosa — De São Paulo
O Estado de São Paulo editou duas portarias ontem excluindo 130 itens de 12 diferentes setores econômicos do regime de substituição tributária do ICMS. Entre eles, estão os de medicamentos e de bebidas alcoólicas. As mudanças passam a valer a partir de 1º de janeiro de 2026.
A substituição tributária é um regime em que o fabricante ou importador recolhe o ICMS devido por toda a cadeia produtiva e repassa o valor no preço de venda do produto para os demais entes. A intenção é facilitar a fiscalização.
Além dos remédios e das bebidas, também deixaram de integrar o regime, conforme a Portaria SRE nº 64, as lâmpadas e reatores; artefatos de uso doméstico como pratos e utensílios plásticos; vidros automotivos; produtos da indústria alimentícia como sucos, água de coco, salgadinhos, óleos e azeites; e materiais de construção como tijolos, vidros e espelhos.
Conforme a Secretaria de Fazenda e Planejamento, esse é o primeiro passo em um movimento para reduzir a adoção do regime de substituição tributária pelo Estado que, nas palavras do secretário Samuel Kinoshita, está “superutilizado”.
“Estamos fazendo estudos desde 2022 para reduzir a substituição tributária. Quando ela foi instituída, em um primeiro momento, o impacto foi positivo, de aumento na arrecadação. Mas a reorganização das empresas também teve efeitos negativos, como o excesso de planejamento tributário, que obriga o Fisco e os contribuintes a lidarem com uma complexidade grande que afeta as decisões econômicas”, diz.
Segundo especialistas, a exclusão dos setores do regime não é um movimento usual para o governo do Estado de São Paulo. Para eles, a iniciativa é bem-vinda. A exclusão dos setores, dizem, vai permitir um alívio no fluxo de caixa, uma vez que o imposto só será pago após a venda ao consumidor final.
O Estado de São Paulo, afirma Douglas Campanini, da Athros Auditoria e Consultoria, sempre teve muitos setores no regime da substituição tributária porque dá segurança à arrecadação, reduzindo as chances de sonegação. “Para o Estado tomar uma decisão como essa, deve estar seguro de que não vai haver perda de arrecadação”, diz.
A prática já estabelecida de emissão de nota fiscal eletrônica na cadeia de comercialização dos setores contemplados, acrescenta, é um dos fatores de segurança. “E, no fim, os contribuintes serão beneficiados com a possibilidade de não precisar mais desembolsar o valor referente ao imposto no momento da aquisição do produto.”
A Secretaria de Fazenda também vê o plano de redução da substituição tributária como uma forma de “arrumar a casa” para a reforma tributária, que não prevê esse tipo de regime. “O grande volume de estudos que fizemos sobre o cenário tributário no Estado, inclusive, nos ajudou muito nos debates sobre a reforma em âmbito nacional”, diz Samuel Kinoshita.
Daniel Terrazzan, sócio do escritório Terrazzan e Almeida Advogados, acrescenta que as mudanças facilitam a transição para a reforma tributária, que começa em 2026. “Os produtos na substituição tributária geram mais complexidade, e o objetivo da reforma é simplificar”, afirma.
Um dos principais pontos de discussão sobre o modelo da substituição tributária é a Margem de Valor Agregado (MVA), percentual definido no início do ano por cada Estado e que baliza a cobrança do ICMS na cadeia. O problema é que, na comercialização, pode haver diferença entre o percentual fixado na MVA e o efetivamente cobrado, e essa diferença obriga as empresas a buscar restituição posteriormente.
Outra mudança, trazida pela Portaria SRE nº 65, diz respeito à compensação do tributo já pago referente ao estoque de mercadorias deste ano. De acordo com a norma, as empresas terão de fazer o levantamento do estoque e informar o tributo a ser compensado. A norma, porém, instituiu que essa compensação deverá ser feita em 24 parcelas mensais.
Para especialistas, o prazo é longo. Segundo Douglas Campanini, equivale a um “giro de estoque de dois anos”, algo extremamente incomum no mercado. “Até o prazo de um ano já é longo, se for pensar no tempo que leva para renovar o estoque.”
Conforme o especialista, quanto maior o comércio, maior a dificuldade. “Supermercados, por exemplo, que têm estoques gigantescos e giro alto, essa recuperação dos tributos em dois anos gera um impacto financeiro significativo.”
Para Júlio de Oliveira, sócio do Machado Associados, “é um prazo exagerado”. “O Estado está se financiando em cima do contribuinte com esse prazo de 24 meses. E sem nenhuma atualização. O imposto já foi pago”, diz ele, que considera o fim da substituição tributária para esses setores uma medida acertada. “É uma medida que poderia ter sido tomada desde a implantação na nota fiscal eletrônica. Dentro desse novo sistema e até no encaminhamento da reforma tributária do consumo, não se justifica a substituição tributária.”
A Secretaria de Fazenda e Planejamento entende, porém, que não há um prazo “certo ou errado” para a compensação. Como esse é o primeiro passo em um movimento de reorganização tributária, afirma o secretário Samuel Kinoshita, é possível que essa primeira experiência leve a mudanças nas próximas implementações, conforme a fiscalização e o monitoramento dos agentes econômicos traga resultados.
De acordo com o relatório da Receita mais recente, o Estado de São Paulo arrecadou R$ 18,8 bilhões de ICMS no mês de agosto. Desde janeiro, a acumulado é de R$ 150 bilhões. A Secretaria de Fazenda e Planejamento não divulga os números referentes ao regime da substituição tributária, mas diz que se trata de uma fração “substancial” do total do imposto estadual arrecadado. Dentro dessa fatia, os setores excluídos representam cerca de 13% do total.