STF mantém norma que levou à extinção de milhões de cobranças tributárias

Por Marcela Villar — De São Paulo

O Supremo Tribunal Federal (STF) validou a extinção de execuções fiscais de baixo valor (de até R$ 10 mil), política adotada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde 2024, prevista na Resolução nº 547. No Plenário Virtual, a decisão foi unânime para reconhecer a repercussão geral do tema e, no mérito, os ministros entenderam, por maioria, que é caso de reafirmação da jurisprudência – apenas o ministro Dias Toffoli divergiu nesse ponto.

Os ministros confirmaram a competência do CNJ para regulamentar o assunto. No voto, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, afirma que foram extintas 13 milhões de ações de cobrança entre outubro de 2023 e julho deste ano. Já o sistema do Justiça em Números indica a baixa de 11,3 milhões de processos entre março de 2024 – a norma é do fim de fevereiro – e 31 de julho. O Conselho não compartilhou número mais atualizado.

A medida, porém, é contestada pelos municípios. Alegam estar reduzindo a arrecadação, principalmente de IPTU. Um estudo da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) feito com 18 capitais mostra que a arrecadação via dívida ativa caiu R$ 230 milhões no primeiro semestre, em comparação a igual período de 2024.

As variações das quedas vão de 2,71%, em Recife (PE), a 71,7%, em Salvador (BA). Só em Manaus e Florianópolis houve alta – de 24,97% e 4,98%, respectivamente. As outras cidades não responderam à pesquisa, que considera correção pela Selic.

As execuções fiscais são um dos maiores gargalos do Judiciário. Historicamente, representavam um terço do total de ações no Brasil. Hoje, são 23,2% dos 76,6 milhões de processos. Desde a implementação da política do CNJ de extinguir as cobranças de baixo valor, a taxa de congestionamento reduziu de 86,93%, em janeiro de 2024, para 67,42%, em julho de 2025.

O percentual, apesar de ser o menor da série histórica, ainda é alto e significa que apenas três em cada dez execuções fiscais foram resolvidas no período. São através dessas ações que são cobrados créditos tributários da União, Estados e municípios. Mas viraram sinônimo de ineficiência pela baixa recuperabilidade.

Isso levou o Supremo a decidir, em 2023, que não vale a pena fazer a cobrança de determinados créditos, diante do custo para a administração pública. Os ministros entenderam não ser razoável sobrecarregar o Judiciário, pois os créditos podem ser cobrados por medidas extrajudiciais, via protesto e câmaras de conciliação (RE 1355208 ou Tema 1184).

Após o julgamento, veio a Resolução nº 547/2024, do CNJ, que fixou parâmetros mais objetivos. Autorizou juízes a extinguirem ações de até R$ 10 mil sem andamento por um ano e sem citação do devedor ou bens penhoráveis. Muitos processos têm sido arquivados por meio de listas, extintas automaticamente, por acordos de cooperação técnica entre o CNJ e Tribunais de Justiça.

Mas muitos municípios não concordaram com a medida. No STF, o município de Osório (RS) recorre de decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que extinguiu cobrança de R$ 5 mil de IPTU e Taxa de Coleta de Lixo referente ao período de 2020 a 2023. A prefeitura alega que tentou outras vias para equalizar o débito, sem sucesso.

Entendimento do STF é um avanço na política judiciária brasileira”
— Maria A. dos Santos
No Supremo, ela questiona a validade da resolução e o poder do CNJ para regular o tema. Defende, nos autos, que invade a competência administrativa e tributária do município, afrontando a separação dos poderes.

No voto, Barroso afirma que a jurisprudência do STF permite o CNJ regulamentar “questões afetas ao aprimoramento da gestão do Poder Judiciário”. “As providências da Resolução CNJ nº 547/2024 não usurpam nem interferem na competência tributária dos entes federativos e devem ser observadas para o processamento e a extinção de execuções fiscais com base no princípio constitucional da eficiência”, diz (Tema 1428).

O relator, no voto, delega ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a análise sobre o atendimento das exigências da resolução nos casos concretos. “É infraconstitucional e fática a controvérsia sobre o atendimento das exigências da Resolução CNJ nº 547/2024 para extinção da execução fiscal por falta de interesse de agir”, afirma.

Na visão do procurador do Rio de Janeiro e assessor jurídico da Abrasf, Ricardo Almeida, a política de extinguir as execuções fiscais não tem sido eficiente. “Existe uma ideia de que está tudo maravilhoso, porque está descongestionando o Judiciário. Mas a estatística não está melhorando a performance dos tribunais nem das execuções fiscais”, diz ele, citando a queda na arrecadação.

A redução não se dá apenas pela aplicação da resolução do CNJ. “Difundiu-se uma mentalidade, pela resolução, de que se não pagar o IPTU, não se perde mais o imóvel. Então o devedor prefere pagar uma dívida bancária ao imposto”, acrescenta.

Almeida ainda afirma que, como o julgamento reafirmou jurisprudência, não altera os precedentes. “A rigor, a decisão não inova o que já estava parametrizado e sobrou para o STJ analisar a aplicação da resolução caso a caso.”

Alguns municípios, como o de São Paulo, não sentiram os impactos da norma do CNJ. Segundo o secretário municipal da Fazenda, Luis Felipe Vidal Arellano, diretor jurídico da Abrasf, a prefeitura já adota, desde 2008, o piso de R$ 15 mil para ajuizar execuções fiscais. “Como somos uma cidade muito grande, com contribuintes enormes, já há muito tempo a gente tem a estratégica de focalizar nossos esforços na cobrança das dívidas de maior valor”, afirma.

Mas ele tem visto outras cidades se queixarem das regras. “O CNJ ter colocado a régua igual para todo mundo produziria um risco moral para os contribuintes que se veem na oportunidade de não pagar seus tributos sem consequência, porque não podem mais receber execução e as outras medidas não seriam tão eficazes”, diz o secretário.

Para ele, a medida do CNJ faz sentido e o Supremo, ao delegar a competência ao STJ para analisar caso a caso, abre margem para respeitar as particularidades de cada município. “Quando se coloca a régua igual para todo mundo, ela pode ficar alta para alguns e baixa para outros, então precisa analisar caso a caso.”

A advogada Maria Andréia dos Santos, sócia do Sanmahe Advogados, afirma que o tema é espinhoso. “A cobrança de débitos em valores reduzidos no Poder Judiciário pode ser antieconômica”, diz. “Mas a verdade é que, apesar disso, as realidades da União Federal, dos Estados e dos municípios podem ser muito diferentes.”

Na visão da tributarista, o entendimento do STF é um avanço na política judiciária brasileira. “Essa decisão poderá reduzir o acervo de processos pendentes de julgamento no Judiciário e gerar uma redução no tempo que as partes esperam pelos julgamentos, colaborando para tornar a Justiça mais rápida e eficaz.”

Ao Valor, o procurador-geral do município de Osório, Vinicius Fisch, disse que como a decisão não foi publicada, não pode se manifestar sobre eventual recurso.

Por Valor Econômico

23/09/2025 00:00:00

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