“Taxa das blusinhas”: um ano de equívocos

Por Tathiane Piscitelli — São Paulo Edison Fernandes: “Lei da Inclusão equiparou a escola regular à escola especial” — Foto: Silvia Costanti/Valor

A denominada “taxa das blusinhas” completou um ano de vigência em junho deste ano e o tema continua a suscitar discussões. Pesquisa recente da AtlasIntel/Bloomberg aponta a tributação como o maior erro do governo Lula até o momento. Para além do impacto político, as repercussões financeiras para ao Correios foram bastante negativas: houve perda de 37% de receita da estatal, cerca de R$ 2,2 bilhões. Quanto à arrecadação, de outro lado, os números não foram significativos: segundo dados obtidos pelo Jota com base na Lei de Acesso à Informação, a receita média mensal com a tributação foi de R$ 175,8 milhões, com queda superior a 4 milhões no volume médio mensal de remessas. Outra pesquisa, intitulada “Compras Online Brasil”, e conduzida pela organização Plano CDE, mostra que as classes C, D e E foram as mais afetadas pela medida, conforme reportagem da CBN. Os baixos ganhos financeiros e o impacto político negativo já seriam suficientes para se ponderar sobre a pertinência da medida. Sem prejuízo dessas questões, há outras, jurídicas, que merecem discussão. A reforma tributária está no centro desse debate. Como sabemos, a partir de 2033, a tributação sobre o consumo será unificada em dois tributos: o IBS e a CBS – o imposto seletivo, que também compõe esse quadro, não tem relevância nesse contexto, já que não se trata de bens ou serviços causadores de males à saúde ou ao meio ambiente. À luz do IBS e da CBS, mesmo que até o momento não tenhamos definição quanto à alíquota efetiva, seria possível adotar a referência de 26,5% contida no artigo 475, parágrafo 11 da Lei Complementar nº 214/2025. A questão central a se notar é o absoluto descasamento da “taxa das blusinhas” com a reforma tributária e a urgência de correção desse cenário. Isso porque o Regime de Tributação Simplificada (RTS) previsto na Lei nº 14.902/2024 é, substancialmente, tributação sobre o consumo. O aumento empreendido em 2024 se deu como forma de atender às demandas da indústria nacional quanto à suposta ofensa ao princípio da isonomia, em razão da desproporcionalidade entre tributação interna e aquela decorrente de operações transfronteiriças. Recordemos: antes da alteração legislativa, compras realizadas em plataformas eletrônicas certificadas pelo programa Remessa Conforme da RFB de até US$ 50 eram isentas do pagamento de tributos na importação. Com o novo RTS, as remessas de até US$ 50 passaram a ser oneradas à alíquota de 20% e aquelas entre US$ 50,01 e US$ 3.000 a sofrer a incidência de 60% de imposto de importação, sendo aplicado um redutor de US$ 20. Isso tudo somado ao ICMS, exigido à alíquota modal de 17%, consoante a redação do parágrafo 1º da cláusula primeira do Convênio ICMS nº 81/2023. Mais recentemente, entrou em vigor o Convênio ICMS nº 135/2024, que permitiu o aumento do ICMS de 17% para 20%. Ou seja, considerando-se a vigência plena da reforma tributária e adotando-se, apenas, as alíquotas nominais incidentes nas operações transfronteiriças, a carga tributária de uma compra de até US$ 50 seria de 46,5%. Isso sem considerar o fato de que a base de cálculo para a tributação é composta não apenas pelo valor do bem, mas, também, pelo montante de frete e seguro, o que ocasiona aumento da alíquota efetiva para além dos 20%. Estaremos diante, pois, de carga tributária bastante superior aos 46,5%. Diante disso, o argumento se inverte: haverá evidente desproporcionalidade com a tributação nacional, cujo regime será mais simples e menos oneroso para as empresas e consumidores. Faz-se fundamental, portanto, rever os moldes atuais do RTS, não apenas em razão do erro político ou do impacto financeiro nos Correios. Juridicamente, o regime não atende aos novos princípios criados pela reforma tributária e já em vigor: simplicidade, transparência e, sobretudo, justiça tributária são desconsideradas na composição da carga tributária atual e futura, com a plena vigência do IBS e CBS. Os moldes atuais ofendem a justiça tributária porque a tributação agravada onera mais pesadamente as classes C, D e E, sem ganho relevante na arrecadação tributária; típico caso em que os benefícios da medida, considerando os dados disponíveis, não justificam os custos que ela acarreta. O desenho futuro, de outro lado, desequilibra a tributação sobre o consumo, pela criação de categoria excepcional: a carga tributária se mostrará elevadíssima em comparação com os parâmetros das operações internas e pouco transparente, pela base de cálculo alargada. Além disso, a justiça segue no centro do debate, seja pelo ônus maior aos mais pobres, seja pela tributação descasada do novo modelo constitucional vigente. O momento, portanto, pede análise técnica e despida de vieses. O reconhecimento de um erro em face de fatos incontestes é virtude. Para além de interesses econômicos de grupos específicos, há pouca coisa que fala em favor das taxas das blusinhas, após pouco mais de um ano de sua vigência.

Por Valor Econômico

04/09/2025 00:00:00

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