Supremo volta a julgar validade da cobrança da Cide-Royalties e placar é favorável à União
Por Beatriz Olivon — De Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou ontem um importante julgamento para a União: o que trata da validade da cobrança da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre remessas financeiras ao exterior como remuneração de contratos. Por enquanto, seis ministros votaram, quatro para aplicação mais ampla – pela tese defendida pela Fazenda Nacional – e dois, mais restrita. O caso foi suspenso por um pedido de vista do ministro Nunes Marques e será retomado na próxima quarta-feira.
No julgamento, os ministros discutem se a chamada “Cide-Royalties” deve ser cobrada sobre qualquer tipo de contrato ou apenas sobre os que envolvem uso ou transferência de tecnologia estrangeira. O caso julgado é da Scania Latin America (RE 928943 ou Tema 914).
A estimativa de impacto para a União, em caso de derrota, é de R$ 19,6 bilhões, conforme indicado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026. Por ano, a perda na arrecadação seria de R$ 4 bilhões, segundo a Fazenda Nacional. O órgão ainda explicou que essa cobrança tem um objetivo parafiscal, que é estimular o consumo da tecnologia nacional e desestimular a sua importação.
Os seis votos apresentados pontuam que os valores da Cide-Royalties devem ser aplicados integralmente em ciência e tecnologia. A divergência entre os posicionamentos é sobre a hipótese de incidência do tributo.
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Quando o julgamento foi iniciado, em maio, advogados de contribuintes apontaram que os valores não estariam sendo integralmente destinados ao setor. De acordo com a Fazenda Nacional, porém, 100% do que é arrecadado é utilizado para ciência e tecnologia.
A Cide-Royalties foi instituída há 25 anos, por meio da edição da Lei nº 10.168, de 2000. O objetivo, de acordo com a norma, seria “financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação”.
As empresas pediram na Corte que a Cide, se for declarada constitucional, só seja cobrada sobre contratos em que há efetiva transferência de tecnologia. Atualmente, a Receita Federal tributa também remessas para pagamentos relativos a diversos tipos de contrato, como de advocacia e assistência administrativa para registro de patente no exterior e a contratação de mecânico para reparo de aeronave.
O julgamento foi retomado ontem com o voto-vista do ministro Cristiano Zanin. Antes dele, apenas dois ministros haviam votado, divergindo sobre a possibilidade de tributação de remessas alheias à exploração de tecnologia estrangeira.
Brasil não pode ser apenas uma fazenda exportadora de commodities”
— Flávio Dino
Para o relator, ministro Luiz Fux, a Cide-Royalties só poderia incidir sobre contratos com exploração de tecnologia – ou seja, os contribuintes deveriam ser os destinatários. Mas para o ministro Flávio Dino, a base de tributação poderia ser mais ampla.
Zanin seguiu a divergência aberta por Flávio Dino. Para ele, existem três hipóteses de incidência da Cide, sendo uma delas a licença de uso. “Já na lei originária não havia uma identidade com a ciência e tecnologia”, disse ele, destacando a condicionante de transferência dos valores ao fundo de desenvolvimento de ciência e tecnologia.
O ministro Alexandre de Moraes também ressaltou a necessidade de os valores serem destinados a fundo de ciência e tecnologia e seguiu a divergência. De acordo com ele, a partir de 2001, a cobrança passou a ser feita sobre atividades de qualquer natureza, inclusive direitos autorais, já que não há qualquer restrição específica para seu afastamento. “Não me parece que há nenhuma afronta ao texto legal, porque não há vedação”, afirmou ele em seu voto.
O ministro acrescentou que a Constituição Federal traz apenas a competência da União para estabelecer a contribuição, sem obrigatoriedade da destinação. Ainda segundo Moraes há uma questão de segurança jurídica nesse julgamento, porque o entendimento poderá ser aplicado a outras contribuições.
A divergência também foi seguida pelo ministro Gilmar Mendes, que destacou a importância da cobrança para fortalecer um setor em que o país é deficitário. O ministro Flávio Dino destacou que as universidades federais estão em situação de penúria e que eventual mudança levaria a perda de 60% a 70% do fundo destinado a incentivo de ciência e tecnologia.
“O Brasil não pode ser apenas uma fazenda exportadora de commodities porque pode ser que algum dia alguém não queira comprar as commodities ou taxe as commodities”, afirmou Dino.
O ministro André Mendonça, último a votar na sessão de ontem, seguiu o relator. Para ele, os recursos arrecadados pela Cide-Royalties devem ser utilizados para apoio da atividade tecnológica exclusivamente.
“Aqui o que houve foi uma manifestação de que está havendo um desvio de finalidade e contingenciamento desses recursos a outras coisas que não a área de tecnologia”, disse Fux.
Mesmo divergindo, o ministro Flávio Dino reforçou que defendeu em seu voto que os valores da contribuição devem ser aplicados integralmente em ciência e tecnologia.