Contribuintes fecham acordos com a União para o pagamento de R$ 445,8 bi em dívidas

Por Beatriz Olivon — De Brasília A Fazenda Nacional conseguiu, desde 2020, negociar acordos com contribuintes para o pagamento de R$ 445,8 bilhões em dívidas tributárias e não tributárias. Deste total, R$ 82,5 bilhões já entraram nos cofres públicos por meio das chamadas transações tributárias, que passaram a ser possíveis com a edição da Lei nº 13.988, de abril de 2020. Só em janeiro e fevereiro deste ano, foram R$ 5,1 bilhões. A norma foi um marco importante porque o Código Tributário Nacional (CTN) já previa a transação tributária, mas faltava a regulamentação por lei. Permite sentar à mesa com a Fazenda Nacional e negociar, com descontos, valores devidos e resolver litígios nas esferas administrativa e judicial – que normalmente se arrastam por anos. A transação tributária tornou-se, nesses cinco anos de edição da lei, um importante instrumento de arrecadação. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) tomou a frente nas negociações individuais e aberturas de editais. O órgão destaca que a recuperação da dívida ativa tem efeito no resultado primário, com valores que ingressam na conta única do Tesouro. Os R$ 445,8 bilhões são a soma, com descontos, que os devedores se comprometeram a pagar desde 2020. Sem descontos, as dívidas negociadas somam cerca de R$ 800 bilhões. Deste total, as entradas de recursos nos cofres públicos têm crescido ano a ano, passando de R$ 6,3 bilhões, em 2021, para R$ 34,1 bilhões no ano passado. “Foi um acerto sem tamanho. Como poucas vezes acertamos com uma política pública”, diz João Grognet, procurador-geral adjunto de Gestão da Dívida Ativa da União e do FGTS. LEIA MAIS: AGU e usinas chegam a impasse na tese sobre tabelamento de preços A PGFN ainda não visualiza quando a transação tributária vai chegar a seu “voo de cruzeiro” para se conseguir reduzir sensivelmente o estoque da dívida ativa, hoje em R$ 3 trilhões. O valor transacionado só sai do estoque quando o débito é liquidado. Se o acordo está ativo, o valor inteiro (sem desconto) continua no estoque. Como poucas vezes acertamos com uma política pública” — João Grognet A transação tributária tem regras diferentes das estabelecidas pelos parcelamentos federais que foram abertos do tipo Refis. Naquele modelo, era dado o mesmo desconto ou benefício para todas as empresas, o que incomodava a Fazenda Nacional. “Tinha empresa que se beneficiava muito mais do que precisava”, afirma a coordenadora-geral de Negociações da PGFN, Mariana Lellis Vieira. Naquela época, segundo ela, algumas empresas preferiam não pagar o tributo e esperar um Refis para quitá-lo com desconto, enquanto outras sequer conseguiam pagar todo mês e teriam o mesmo desconto. “O Refis não via as peculiaridades daquelas empresas. E na transação tributária conseguimos ver”, diz. É possível “calibrar” a transação conforme as necessidades do contribuinte, explica Mariana. Foi o que possibilitou a abertura de um edital em 2024 para as empresas no Rio Grande do Sul que foram afetadas pelas enchentes (SOS-RS), por exemplo. Ao longo desses cinco anos, algumas inovações foram implementadas. Uma das principais foi a medição da capacidade de pagamento (Capag), espécie de rating estabelecido para os contribuintes – quanto maior, menor o desconto oferecido. Além disso foi aberta a possibilidade de transação pela análise da recuperabilidade do crédito. Com isso, empresas em boa situação econômica também passaram a conseguir transacionar em situações específicas, como em teses tributárias em que a Fazenda teria chance reduzida de êxito. A mudança ajusta uma reclamação recebida pela PGFN, de que bons pagadores não conseguiam firmar acordos de transação. “A transação olhava muito o contribuinte e qual a situação econômica financeira e capacidade dele de fazer seu pagamento”, afirma Mariana. “Agora, a Fazenda também olha o custo de oportunidade daquele crédito.” Em termos de valores negociados, a modalidade mais significativa foi a da transação excepcional, que ficou aberta de junho de 2020 até dezembro de 2022. Foram negociados cerca de R$ 220 bilhões em acordos. A empresa poderia pagar o que deve em até 108 meses, com descontos de até 100% sobre os valores de multas, juros e encargos, respeitado o limite de até 65% do valor total da dívida e a capacidade de pagamento do contribuinte. Entre as negociações marcantes, além das que envolveram contribuintes do Rio Grande do Sul, a procuradora cita um dos primeiros casos, em que os sócios foram pessoalmente negociar para evitar o fechamento da empresa, que contratava muita mão de obra e estava prestes a fechar e demitir todos os funcionários. Não era um valor grande para a Fazenda Nacional, mas significativo para a companhia. Para fechar uma transação tributária, a empresa precisa pagar toda a dívida do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), quando ela existe. Nessa fatia, a Fazenda Nacional não concede descontos na parte dos funcionários, apenas no que seria recolhido pelo contribuinte. Em outra transação, com uma usina sucroalcooleira, o acordo viabilizou o assentamento de 530 famílias pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) porque a devedora tinha propriedades rurais. Parte do pagamento foi feito em dinheiro e parte em terras. Também foi por meio de transações que a Gol e a Azul conseguiram, neste ano, negociar dívidas que somavam R$ 7,5 bilhões – vão resultar em R$ 2,8 bilhões aos cofres públicos. A Gol pagará R$ 1,7 bilhão, dividido em 60 parcelas para os débitos previdenciários e 120 parcelas para os demais débitos. Já a Azul pagará R$ 1,1 bilhão, com as mesmas condições. O advogado que liderou a representação das companhias nas negociações, Alan Viana, sócio do MJ Alves Burle e Viana Advogados, conta que, no caso da Gol, foi a primeira transação envolvendo uma empresa em Chapter 11 (recuperação judicial nos EUA), o que fez com que as negociações envolvessem inclusive credores fora do país e aprovação da Corte de Nova York. De acordo com o advogado, esses acordos inauguraram o uso de novos meios de garantia para pagamento da dívida, como slots aeroportuários e marca empresarial, dentre outros. As transações, acrescenta, evitaram o agravamento da crise financeira aprofundada pela covid-19. “Existia a lógica do Refis, que foi um incentivo ao acúmulo de dívidas. Agora existe uma nova dinâmica, porque a transação resolve o passado e previne o futuro. Ao assinar o acordo você não pode deixar de pagar no futuro”, afirma Viana, acrescentando que a transação não funciona para todos os casos O escritório aplica alguns filtros para aceitar os casos. “A empresa precisa fazer uma leitura se a situação dela é ou não de transação”, diz. As negociações conduzidas pelo escritório já duraram de dois a oito meses. Ex-procurador-geral da Fazenda Nacional, Ricardo Soriano, sócio do escritório Figueiredo e Velloso, destaca que, como os parcelamentos duram anos e têm um efeito cumulativo de recebimentos, a arrecadação vem aumentando ano a ano. Ele lembra que a transação tributária foi mencionada pela primeira vez na redação original do Código Tributário Nacional, em 1966, mas além de faltar a legislação específica, foi necessária uma mudança de mentalidade no corpo funcional que compunha a administração tributária. Um ponto que pode ter estimulado a transação, segundo Soriano, foi o crescimento do estoque da dívida ativa da União, passando de pouco mais de R$ 600 bilhões em 2008 para cerca de R$ 2 trilhões em 2018. “O estoque crescia e com muito crédito podre, muito difícil de recuperar.” Para Soriano, os créditos podres e a proliferação de parcelamentos do tipo Refis podem ter estimulado a Fazenda Nacional a buscar o caminho da negociação. Desde o primeiro Refis, nos anos 2000 até a lei em 2020, foram cerca de 40 parcelamentos, que criaram nas empresas a cultura de esperar para pagar os tributos com desconto, segundo o advogado. “Foi uma cultura muito danosa. Diferente da transação, o Refis atinge indistintamente quem pode pagar e quem não tem condições. Daí surge uma distorção.”

Fonte: Valor Econômico

Data da Notícia: 05/05/2025 00:00:00

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