ISS: Sociedades de advogados versus município de São Paulo

Eduardo Salusse

Chegou ao fim a mais recente disputa entre o Município de São Paulo e as sociedades de advogados em torno do moribundo imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN).

É mais um exemplo de que o Estado é o grande responsável pela caótica litigância do país, exorbitando frequentemente os limites da lei com arbitrariedades em busca de satisfazer seu insaciável desejo arrecadatório.

Desde o Decreto nº 406/68 – há, portanto, mais de 55 anos – que as sociedades uniprofissionais de advocacia gozam de um tratamento diferenciado, submetendo-se ao ISSQN com base em valores fixos pelo número de profissionais que dela fazem parte.

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O Decreto 406 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 (art. 34, parágrafo 4º, da ADCT) com status de lei complementar. A Constituição Federal define que à lei complementar cabe a competência para estabelecer normas geras em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, base de cálculo e contribuintes.

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O Município de São Paulo, derrotado contumaz no tema, tentou criativamente contornar este entendimento para, de alguma maneira, submeter as sociedades uniprofissionais de advocacia ao recolhimento do ISSQN sobre o seu faturamento.

Por meio da Lei municipal n. 17.719, de 2021, exigiu o tributo com base na receita das sociedades uniprofissionais de advogados. Esta lei estabeleceu faixas progressivas de receita bruta mensal para fixar os valores de ISSQN das sociedades uniprofissionais, levando-se em conta o número de profissionais habilitados. Foi uma tentativa criativa e mal sucedida de violar a lei.

Em ação manejada pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP), pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA) e pelo Sindicato das Sociedades de Advogados dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro (SINSA), brilhantemente defendida por meus procuradores, o STF reiterou seu tradicional entendimento, impondo nova derrota ao Município de São Paulo. A ação teve trânsito em julgado em 28 de fevereiro, o que foi certificado no STF em 6 deste mês.

No litígio, lembrou-se que esse sistema diferenciado de tributação foi validado inúmeras vezes pelo Poder Judiciário (ex.: STJ, AgAI 1269954 e REsp 201000995250).

Segundo o Poder Judiciário, o Município ignorou que o ISSQN deveria ser calculado pelo mesmo critério para cada um dos profissionais que laboram reunidos em sociedade, criando distorção não autorizada em relação aos advogados que atuam individualmente.

O STF já havia decidido em sede de repercussão geral ser inconstitucional lei municipal que estabelece impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação fixa com bases anuais na forma estabelecida em lei nacional (Tema 918).

A despeito do fim desta discussão, há outras tentativas históricas do Município de São Paulo em contornar o Decreto 406/68. A Lei municipal 13.701, de 2003, alterada pela Lei 16.240, de 2015, impôs uma obrigação acessória (Declaração de Sociedade Uniprofissional – DSUP), cuja falta de entrega autorizaria o Município – ao invés de uma justa sanção pecuniária – desenquadrar a sociedade do regime acima referido, exigindo o ISSQN sobre seu faturamento de forma retroativa.

O pior é que, na DSUP, há perguntas no sentido de saber se a sociedade já utilizou serviços de terceiros com habilitação profissionais diversa da habilitação dos sócios ou se já repassou a terceiros serviços relacionados a sua atividade. Ao responder “sim” para qualquer uma destas questões, há o desenquadramento automático da sociedade, mesmo sem o cuidado de saber se o terceiro seria um prestador de serviços de contabilidade para a própria sociedade ou se o repasse de serviços a terceiro diz respeito a uma atuação em parceria entre advogados com conhecimentos complementares na forma autorizada pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906, de 1994) e pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Também houve a recente e inusitada exigência de emissão de nota fiscal de prestação de serviços pela sociedade de advogados por conta de honorários de sucumbência recebidos da parte contrária – a quem, obviamente, não se presta nenhum serviço -, mas que acabou sendo acomodada em regras mais viáveis por meio de negociação política entre entidades representativas da advocacia e o Município de São Paulo.

Eduardo Salusse

Sócio fundador do escritório responsável pela área de direito tributário. Responsável executivo de pesquisa no Núcleo de Estudos Fiscais da FGV DIREITO SP. Professor em direito tributário no IBET, APET, FGV Direito e outras instituições. Conselheiro Honorário e atual Presidente do MDA – Movimento de Defesa da Advocacia. Colunista no Jornal Valor Econômico (Fio da Meada).

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