Denúncia espontânea em matéria tributária

Cassius Lobo

Por Cassius Lobo

Cada vez mais as autoridades fiscais buscam estimular o cumprimento voluntário das obrigações tributárias pelos sujeitos passivos. Inclusive, no âmbito global, é muito comum que o termo “Co-Operative Compliance Framework (CCF)” seja abordado em algum fórum jurídico, eis que seu objetivo, em resumo, gira em torno do desenvolvimento de uma relação entre contribuinte e Fisco baseada na confiança e cooperação entre as partes.

Dentro desse contexto, não é raro que os contribuintes revisem suas apurações tributárias e, em alguns casos, identifiquem recolhimentos a menor. Como forma de incentivar a regularização, nosso legislador, há muito tempo, inseriu em nosso sistema jurídico o instituto da denúncia espontânea. Todavia, conforme será melhor demonstrado, sua aplicabilidade vem sendo, ilegalmente, diga-se de passagem, restringida em razão de posicionamentos administrativos que vão de encontro com a tendência global de cooperação entre contribuintes e autoridades fiscais.

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Para melhor compreensão do tema, principiemos rememorando que o Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 138, determina que a responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora. Esclarece, também, em seu parágrafo único, que tal instituto é afastado nos casos em que ocorrido em momento posterior de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

Assim, denota-se que para caracterização da denúncia espontânea, o próprio dispositivo do Código Tributário Nacional define os pressupostos cumulativos que devem ser respeitados pelo contribuinte: (i) tempestividade; (ii) ausência de procedimento específico de fiscalização; e (iii) pagamento do tributo c/c juros de mora e correção monetária (no caso dos tributos federais, por exemplo, apenas a Selic).

É dizer: estará configurada a denúncia espontânea com o ato do contribuinte de efetuar o pagamento integral ao Fisco do débito principal, corrigido monetariamente e acompanhado de juros moratórios, antes de iniciado qualquer procedimento fiscal com o intuito de apurar, lançar ou cobrar o referido montante, caso em que deve ocorrer a exclusão da multa moratória.

Ainda que a norma delineadora do instituto da denúncia espontânea seja clara, o assunto chegou até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) para tratar acerca de sua aplicabilidade nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação – previsto no artigo 150 do Código Tributário Nacional, onde a extinção do crédito tributário ocorre sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento ou de forma tácita caso ocorra o transcurso de cinco anos.

Na ocasião, a Corte Superior firmou seu entendimento através do Tema 385 e Recurso Especial nº 1149022/SP publicado em 24/06/2010, no sentido de que “a denúncia espontânea resta configurada na hipótese em que o contribuinte, após efetuar a declaração parcial do débito tributário (sujeito a lançamento por homologação) acompanhado do respectivo pagamento integral, retifica-a (antes de qualquer procedimento da administração tributária), noticiando a existência de diferença a maior, cuja quitação se dá concomitantemente”.

No âmbito federal vale observar que, nos termos do Ato Declaratório PGFN nº 8 de 2011, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) é dispensada de apresentar contestação ou interpor recurso em face de decisão desfavorável quando o contribuinte, após efetuar a declaração parcial do débito tributário acompanhado do respectivo pagamento integral, retifica-a, com o pagamento concomitante dos débitos acrescidos.

A Receita Federal do Brasil (RFB), todavia, vem entendendo que se o débito não foi objeto de pagamento integral até a data da entrega da declaração que informou o débito, o contribuinte não faz jus ao instituto da denúncia espontânea. No entanto, sabe-se que, por exemplo, somente com a entrega das declarações retificadoras pela DCTF-WEB é que a guia é gerada pelo sistema, inexistindo, portanto, a possibilidade de o contribuinte gerar uma guia antes de inserir as informações no sistema.

Nesses casos, ainda que o pagamento seja realizado em momento posterior, mas dentro da mesma competência, tem-se claro que, ao contrário do que vem entendendo o Fisco, ocorreu a quitação do débito de forma concomitante a entrega da declaração nos exatos termos em que já decidido.

Inclusive, em caso semelhante, recentemente o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) aplicou o instituto da denúncia espontânea em um caso em que “a transmissão da DCTF retificadora e a realização do respectivo pagamento ocorreram no mesmo mês (período de apuração), com apenas alguns dias de diferença, além de terem se realizado, segundo se infere dos autos, antes do início de qualquer procedimento da administração tributária” (apelação cível nº 5021622-58.2023.4.03.6100 – julgamento em 07/12/2024).

Deste modo, em linha com a tendência global de “cooperative compliance”, o ideal seria que as autoridades fiscais ajustassem o seu entendimento e, sobretudo, os seus sistemas, a fim de a denúncia espontânea seja estimulada – afastando a multa tributária pelo não pagamento do tributo nos termos do artigo 138 do CTN. Até que o tema seja pacificado, o ideal é que os contribuintes busquem a via judicial para evitar autuações.

Cassius Lobo

advogado, mestre em Direito Fiscal pela Universidade Católica de Lisboa e professor de Direito

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