Geopolítica e comércio internacional: o que esperar em 2025

Fernanda Kotzias

Não é novidade que as relações políticas e comerciais possuem certa ciclicidade e que, apesar de contextos específicos e da transformação industrial e social, a história mostra a alternância entre momentos de paz e de conflito.

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No comércio internacional, esses ciclos são marcados por medidas de cooperação e abertura e medidas de isolamento e protecionismo. Tanto o âmbito político quanto comercial parecem operar, desde o início dos tempos, sob o que as relações internacionais modernas chamam de “armadilha de Tucídides — expressão baseada na observação do historiador grego sobre a Guerra do Peloponeso e que reflete a tendência à guerra entre uma potência emergente e uma potência dominante.

Em que pese o final do século 20 e o início do século 21 terem sido marcados por um momento de cooperação e abertura comercial, em que instituições multilaterais e políticas em prol da livre circulação de bens estiveram no epicentro das agendas nacionais e internacional, o que se verifica é que o momento atual representa uma virada de chave rumo ao caminho oposto.

Efeito Trump?
Uma rápida análise das notícias atuais parece vincular essa mudança à eleição de Trump nos Estados Unidos, mas a verdade é que os indícios e raízes do movimento advém de um conjunto de variáveis mais complexa do que uma simples eleição.

Conforme destaca estudo publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no final de 2024 [1], o momento atual de politização e fragmentação do comércio internacional é reflexo de uma tríade de fatores: as medidas nacionalistas de focadas em segurança nacional provocadas no pós-Covid; a guerra entre Rússia e Ucrânia e os embates comerciais entre China e Estados Unidos.

O resultado desses eventos foi um aumento significativo das restrições ao comércio internacional por meio da imposição de barreiras comerciais — que somavam menos de 500 até 2014 e que, a partir de 2021, ultrapassaram a marca de 1.500 — e, consequente, da redução da integração econômica global.

Antes, o foco eram acordos amplos e democráticos firmados e negociados no âmbito de grandes organizações internacionais como OMC, OCDE e OMA. Agora, as negociações foram restritas a acordos preferenciais entre parceiros e aliados, movimento intitulado de “friend-shoring” e que reflete a tendência de que o comércio internacional deixe de ser primordialmente pautado em vantagens competitivas e passe a ser guiado por alianças políticas.

Dito isso, não se pode negar que os métodos extremos do governo Trump se destacam e acabam por elevar as tensões e as preocupações sobre o futuro; a exemplo do recente episódio ocorrido há poucos dias, em que o atual presidente americano ameaçou impor tarifas de 25% sobre todas as importações da Colômbia — com sucessivo aumento para 50% — caso o país continuasse a contestar a política de imigração norte-americana e se negasse a receber cidadãos deportados. [2]

Não obstante, mesmo antes do retorno de Trump ao poder já se registravam diversas medidas protecionistas e que foram impostas sob a cortina cinzenta da segurança nacional. É o caso do Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, sigla em inglês) criado pela União Europeia em maio de 2023. [3]

Em que pese o CBAM ter sido criado com o objetivo de controlar as importações de produtos com grande emissão de carbono e evitar tratamento mais favorável a produtores estabelecidos em regiões com regras menos exigentes de descarbonização, a forma de implementação do mecanismo vem sendo criticada justamente por atender a interesses comerciais do bloco, iniciando por setores cuja concorrência internacional é notadamente acirrada, como aço, alumínio, fertilizantes e certos químicos.

Mais do que os setores inicialmente afetados, o fato é que, após 2026, haverá restrição a importações não certificadas pelo mecanismo, o que, independente da motivação, afetará diretamente os exportadores estrangeiros que atualmente têm a União Europeia como mercado de destino. No caso do Brasil, considerando o fluxo comercial de 2023, a CNI estimou o que escopo do CBAM terá impacto em mais de US$ 3 bilhões exportados. [4]

Esses são exemplos de medidas unilaterais, impostas em razão de interesses e políticas não-comerciais, que vêm afetando diretamente o comércio internacional e, como isso, as próprias bases do sistema multilateral sob o qual os países conviveram e navegaram pelas últimas várias décadas.

Será o fim do livre comércio?
O sistema multilateral está em crise e isso não é necessariamente uma novidade, tampouco uma sentença de morte ao livre comércio e à globalização. Todavia, as configurações e premissas sob as quais o comércio está sendo regido hoje e, principalmente, que será regido no futuro próximo parecem estar sofrendo uma rápida e expressiva mudança.

Segundo pesquisa publicada pelo McKinsey Global Institute em janeiro de 2024 [5], não há dúvidas de que existe uma reconfiguração do comércio global a caminho, pautada principalmente por conflitos políticos. É o que se observa com a diversificação das importações americanas para redução da dependência com a China e com a busca da União Europeia por novos fornecedores de fontes energéticas como forma de boicote à Rússia.

O estudo traça de forma clara as modificações comportamentais verificadas, suas causas e os números que as permeiam. Todavia, ao discorrer sobre o futuro — esta e outras análises — esbarra em um impasse: a existência de dois possíveis cenários, ambos possíveis, mas opostos.

O primeiro cenário de reconfiguração foca na hipótese de que o sistema do comércio internacional continuaria muito similar ao que é hoje em termos de dinâmica, tendo como ponto central de mudança os parceiros comerciais e as motivações por trás das coalisões.

Ao invés de um mercado internacional pautado por ganhos de competitividade e redução de custos, os países se reorientam de modo a enfatizar o comércio com economias geopoliticamente alinhadas. Essa possibilidade, por sua vez, levaria a um encurtamento das distâncias dos fluxos comerciais, já que a probabilidade é de que os países priorizem parceiros próximos e que sejam política e culturalmente similares.

O segundo cenário, por sua vez, é diametralmente oposto ao primeiro, na medida em que enfatiza a necessidade de redução da dependência das economias aos mercados internos e, portanto, pauta-se na diversificação de fluxos comerciais, independente da distância e de alinhamentos geopolíticos.

Tal qual defende o estudo, ambos os cenários exigirão contrapartidas significativas das economias envolvidas. O primeiro, ao enfatizar alinhamento, acaba por intensificar a concentração dos fluxos comerciais e, assim, reduzir as chances de crescimento econômico. Já o segundo, ao privilegiar a diversificação e redução de dependências externas, permite crescimento econômico, mas tende a abrir espaço para maiores tensões incertezas políticas ê as quais, ainda que indiretamente, também afetam negativamente o comércio internacional.

A nova geometria do comércio global
Para 2025, a OMC estima crescimento de 3% no volume do comércio global de bens, enfatizando o comportamento ascendente observado desde 2023. Todavia, tudo indica que não será um ano fácil para as empresas que atuam no comércio exterior. [6]

Em que pese o mercado internacional ser frequentemente volátil e possuir variáveis de difícil mensuração, o momento atual se mostra-se especialmente disruptivo. E, em meio a surtos nacionalistas e rivalidades crescentes, não é difícil encontrar empresários e especialistas com vasta experiência em operações transfronteiriças questionando sua capacidade de tomada de decisão.

Para navegar — e não naufragar — nos mares comerciais do ano que se inicia, caberá aos profissionais do comércio exterior adicionarem uma nova habilidade a seu repertório: o que muitos vem chamando de “radar geopolítico”. Ou seja, trabalharem sua capacidade de monitorar de modo eficiente e proativamente avaliar e mensurar essas dinâmicas em transição antes que seus negócios e operações sejam diretamente afetadas e comprometidas.

Por outro lado, existem publicações e análises interessantes que apostam que as transições e eventos atuais não transformarão o sistema comercial internacional tanto assim.

Ao utilizar expressões como “névoa política”, especialistas de instituições de prestígio como o IMD [7], Peterson Institute [8] e o Banco Central Europeu, reconhecem que a geopolítica vem monopolizando discursos e discussões comerciais e econômicas, mas defendem que: a fragmentação em andamento é seletiva; a China é fornecedora estratégica de insumos e sua interrupção teria efeitos significativos, mas heterogêneos ao redor do mundo; as barreiras comerciais retaliatórias não eliminarão a interdependência existente, mas causarão perdas generalizadas e impactarão negativamente a inflação; e a fragmentação poderá trazer mais choques de oferta e, assim, causar mais aumentos de preços setoriais com impacto no crescimento econômico global. [9]

Em resumo, a parcela mais comedida dos especialistas em comércio e economia internacional reconhecem as mudanças e tensões em curso, mas minimizam seus efeitos por acreditarem que os efeitos negativos que o uso inadvertido de barreiras tarifárias e não-tarifárias trará ao sistema como um todo servirá como um freio natural aos governantes.

Por exemplo, no caso dos EUA, chama-se atenção para o fato de que, nos dias de hoje, o país investe e consome muito mais do que produz. Assim, mesmo que Trump decida por medidas protecionistas e alinhamentos ou desalinhamentos políticos, não haveria como romper alianças e fluxos comerciais em larga escala, pelo menos não em um curto ou médio prazo.

Onde fica o Brasil nesse contexto?
Independente de tendências políticas, o Brasil possui uma parta exportadora bastante clara e que tem nos Estados Unidos um grande mercado consumos de máquinas e produtos de maior valor agregado, enquanto tem na China um crescente parceiro no escoamento e em investimentos voltados para a produção do agronegócio.

Em razão disso, não seria razoável ao país realizar nenhum alinhamento geopolítico precipitado, mas buscar negociar e dialogar com os principais players para garantir que o acesso a mercado continue estável e, ao mesmo tempo, buscar novas oportunidades que possam se abrir com as mudanças nos arranjos políticos internacionais.

Outro ponto relevante e que não deve ser olvidado é de que os movimentos geopolíticos narrados somente funcionam para países que possuem fontes alternativas — externas ou internas — de abastecimento de sua cadeia produtiva. Todavia, para a grande maioria dos países, incluindo o Brasil, que depende de insumos e produtos intermediários estrangeiros para fazer girar as engrenagens da indústria e garantir competitividade, alinhamentos políticos e barreiras comerciais podem se tornar um verdadeiro tiro no pé.

O fato é que o Brasil construiu, nas últimas décadas uma política altamente voltada para a atuação multilateral, tendo as regras e acordos forjados em organismos internacionais como principal foco. E, diante do momento de crise da OMC e de inexistência de grandes acordos e parcerias bilaterais ou plurilaterais, faz-se necessário uma avaliação interna sobre como reinventar seu papel e rearticular sua presença neste novo contexto.

A nosso ver, o multilateralismo é e continua sendo a melhor forma de manter um comércio internacional fluido, estável e próspero. Todavia, reconhecendo-se a dinamicidade do comércio e das relações internacionais, seria ingenuidade acreditar que um modelo pensado há mais de três décadas continuaria apto a responder aos desafios e aspirações do mercado atual.

O momento atual não sinaliza um destino final, mas um processo de reforma. Um sistema que não se mostrava apto a atender às demandas está em declínio e os membros envolvidos mostram-se inquietos e indecisos sobre quais passos dar e sobre qual modelo criar para substituir o existente.

O Brasil, ainda que não fosse um grande player comercial, conseguiu participar de forma proativa e decisiva na construção do sistema Gatt-OMC e, certamente, tem ainda maiores condições de influenciar positivamente nos próximos passos da história.

Não obstante, a melhor conduta para empresas e governo brasileiros no presente momento parece ser a de observar e mapear os eventos externos com vistas a compreender com profundidade as novas dinâmicas do comércio internacional e tirar proveito desses acontecimentos de forma cautelosa e, por ora, neutra.

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[1] IMF. Confronting Fragmentation Where It Matters Most: Trade, Debt, and Climate Action. 2024. Ver link.

[2] Notícia sobre as sanções anunciadas à Colômbia pelos EUA em 26/01/2025 foram publicadas em diversos veículos de comunicação. Ver exemplo no link.

[3] União Europeia. Portal Oficial CBAM. Ver link.

[4] CNI. CBAM: o que você precisa saber. 2024. Ver notícia no link.

[5] MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE. Geopolitics and the geometry of global trade. 2024. Ver link.

[6] WTO. Global Trade Outlook 2025. Ver link.

[7] IMD. 2025: A crossroads for international trade and global business. Ver link.

[8] PIIE. No trade tax Is free. 2024. Ver link.

[9] EUROPEAN CENTRAL BANK. Navigating a fragmenting global trading system: insights for central banks A report of the International Relations Committee Workstream on Trade Fragmentation. 2024. Ver link.

Fernanda Kotzias

é sócia do Veirano Advogados, doutora em Direito do Comércio Internacional, advogada e consultora especializada em Comércio Internacional e Direito Aduaneiro, professora de pós-graduação e ex-conselheira titular do Carf.

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