O risco da execução como baliza para medidas de “cobrança indireta”

Luiz Henrique Ferraz, Paulo Cesar Conrado

O Direito Administrativo, na definição de Celso Antonio Bandeira de Mello, é o “ramo do direito público que disciplina a função administrativa, bem como as pessoas e órgãos que a exercem”, regulando, desse modo, a ação executiva das normas administrativas [1].

A cobrança do crédito público, o que inclui o de natureza tributária, é também tutelada pelo regime jurídico administrativo, o qual, justificado pelo interesse público, confere à Administração Tributária posição privilegiada na busca pela satisfação de suas pretensões [2].

Enxerga-se, assim, o ato de constituição da relação jurídica de natureza tributária (lançamento tributário) como um ato administrativo, o que norteia a análise quanto ao fenômeno da exigibilidade e potencial executoriedade do crédito tributário.

Em virtude da presunção de legitimidade (conformidade ao Direito) da qual gozam todos os atos administrativos, a regra é a de que eles são dotados de exigibilidade, entendida como “a qualidade em virtude da qual o Estado, no exercício da função administrativa, pode exigir de terceiros o cumprimento, a observância, das obrigações que impôs” [3].

Exigibilidade e executoriedade

Vê-se que o atributo da exigibilidade do ato administrativo de lançamento tributário relaciona-se com a ideia de “cobrança em sentido amplo”, já que assegura à administração a autoridade para exigir o pagamento de uma obrigação unilateralmente constituída, mas não traduz poder de realização material da prestação.

Isso porque, no Direito Administrativo, a exigibilidade não se cofunde com a autoexecutoriedade, definida como “atributo pelo qual o ato administrativo pode ser posto em execução pela própria Administração Pública, sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário” [4].

A distinção entre exigibilidade e executoriedade evoca imediatamente a separação das acepções de cobrança, em sentido amplo e restrito, nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello:

“Sintetizando: graças à exigibilidade, a administração pode valer-se de meios indiretos que induzirão o administrado a atender ao comando imperativo. Graças à executoriedade, quando esta exista, a Administração pode ir além, isto é, pode satisfazer diretamente sua pretensão jurídica compelindo materialmente o administrado, por meios próprios e sem necessidade de ordem judicial proceder a esta compulsão. Quer-se dizer: pela exigibilidade pode-se induzir à obediência, pela executoriedade pode-se compelir, constranger fisicamente” [5].

Nem todos os atos exigíveis, portanto, são dotados de (auto)executoriedade – na verdade, enquanto a exigibilidade é regra para o ato administrativo, a executoriedade, no nosso sistema jurídico, é exceção.

Atos administrativos apenas são dotados de autoexecutoriedade quando a lei explicitamente o preveja ou “quando a executoriedade é condição indispensável à eficaz garantia do interesse público”, o que se verifica “nos casos em que a medida é urgente e não há via jurídica de igual eficácia à disposição da Administração para atingir o fim tutelado pelo Direito, sendo impossível, pena de frustração dele, aguardar a tramitação de uma medida judicial” [6].

Canais de diálogo
Inexistindo o risco concreto de perecimento do interesse público, no sistema jurídico vigente, não há razão jurídica para o exercício de poderes altamente intrusivos à esfera de direitos dos particulares, tampouco, em um contexto de Estado de Direito, haveria justificativa para medidas expropriatórias unilaterais e imediatas no que diz respeito à exigência tributária.

Pode-se notar, com base nessas premissas, que a utilização de mecanismos persuasivos de adimplemento – possíveis em razão da exigibilidade do ato administrativo de lançamento –, acaso bem-sucedidos, tornam desnecessário o exercício de atos executórios pelo Poder Judiciário.

Há, nesse sentido, uma relação de possível prejudicialidade entre os “meios indiretos de cobrança” e a cobrança executiva propriamente dita, já que, com eventual cumprimento voluntário da obrigação, ainda que estimulado pela ameaça de sanção administrativa, esgota-se a pretensão que, diante da falta de (auto)executoriedade do lançamento, seria objeto de execução judicial [7].

Essa relação de prejudicialidade, no entanto, é apenas potencial, pois, se as medidas fomentadoras do adimplemento forem insuficientes para modificar o ânimo do devedor, elas conviverão com o processo judicial executivo, ambas buscando o cumprimento da obrigação, seja de forma voluntária ou por intermédio da expropriação substitutiva da vontade do devedor renitente.

É necessário, então, cautela no emprego de medidas de estímulo ao pagamento, para que não produzam efeitos indesejados sobre o resultado do processo executivo que com elas concorre. Nesse sentido, se o objetivo da ação administrativa é evitar a inadimplência, ela precisa ser calibrada para atender a essa finalidade de interesse público, não se justificando fora dessa hipótese.

Pode-se pensar, por exemplo, no caso do contribuinte que presta serviços ou fornece bens à administração pública, situação na qual a ameaça de rescisão do contrato administrativo pelo inadimplemento de obrigações fiscais pode funcionar como medida de fomento ao cumprimento voluntário da obrigação [8].

A efetivação dessa providência, em algumas situações concretas, pode conduzir o contribuinte à completa insolvência, esvaziando o objetivo do processo executivo voltado a obter o pagamento do próprio crédito fiscal, o que torna a aplicação da sanção administrativa contrária ao Direito, já que, por produzir o efeito inverso ao almejado, não encontra respaldo no interesse público que a deveria justificar.

Tais situações podem ser evitadas com o estabelecimento de um canal de diálogo administrativo, devidamente formalizado e estruturado, que permita a construção de uma solução consensual capaz de prevenir a aplicação de sanções administrativas prejudiciais ao próprio interesse público, o que, no caso tomado como exemplo, poderia passar pela repactuação do contrato administrativo, evitando, de uma só vez, sua rescisão, além de viabilizar o recebimento pela Administração Fiscal do crédito tributário – tudo de modo a nos fazer reafirmar que o risco de eventual frustração da execução fiscal deve oficiar como baliza para o uso de medidas de “cobrança indireta”.

[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.37.

[2] “a expressão regime jurídico administrativo é reservada tão somente para abranger o conjunto de traços, de conotações, que tipificam o Direito Administrativo, colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-administrativa.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo.33ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.206.)

[3] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.419

[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo.33ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.471.

[5] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.420.

[6] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 422

[7] Sobre o termo “cobrança indireta”, sugere-se a leitura de artigo publicado nesta Coluna: https://www.conjur.com.br/2022-fev-06/processo-tributario-execucao-fiscal-cobranca-indireta-devido-processo-legal-desjudicializacao

[8] Lei 8.666/1993

Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:

(…)

XIII – a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.

(…)

Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:

(…)

IV – Regularidade fiscal e trabalhista;

(…)

Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em:

(…)

III – prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei;

CRFB/1988

Art. 195 (…)

§3º A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios

Luiz Henrique Ferraz, Paulo Cesar Conrado

Luiz Henrique Ferraz
é advogado sócio de Queiroz Advogados Associados, mestre em Direito Tributário pela FGV Direito SP, pós-graduado em direito tributário pelo Ibet, graduado em Ciências Contábeis pela Fipecafi e em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco.

Paulo Cesar Conrado
é juiz federal em São Paulo, mestre e doutor em Direito Tributário pela PUC-SP, professor no programa de mestrado profissional em direito tributário da FGV Direito SP e professor e coordenador no curso de extensão “Processo Tributário Analítico” do Ibet.

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