Tributação das subvenções: o EREsp 1.517.492 continua eficaz após a Lei 14.789?

André Portugal, Augusto Rotondo

A promulgação da Lei nº 14.789/23, resultado da conversão da MP nº 1.185/23, alterou profundamente o tratamento tributário conferido às subvenções, tema que há muito gera inúmeras controvérsias entre contribuintes e a União.

Tratamento legal antigo (Lei nº 12.973/2014)
Subvenções são subsídios concedidos pelo governo para empresas, via isenção ou redução de tributos, com a finalidade de estimular o custeio de suas atividades ou o investimento em empreendimentos econômicos dela.

A tributação das subvenções era disciplinada pelo artigo 30 da Lei nº 12.973/2014: enquanto as subvenções de custeio eram tributadas pelo IRPJ e CSLL (artigo 441, I, RIR) sobre as subvenções de investimento, esses tributos não incidiam (artigo 523, RIR). A dificuldade, no entanto, sempre foi diferenciar os tipos de subvenções.

Sabemos que o critério diferenciador é o destino dado aos recursos: se são destinadas ao custeio de despesas do beneficiado, são subvenções de custeio; se, por outro lado, destinam-se ao investimento em empreendimentos, são subvenção de investimento.

Mais do que isso, a Receita Federal positivou vários requisitos infralegais para que as subvenções de investimento não fossem tributadas, principalmente no Parecer Normativo CST nº 112/1978. Isso sempre gerou muita litigância e incerteza jurídica, em razão das várias condições questionáveis previstas.

Como reação, a Lei Complementar nº 160/17 promoveu uma clara e intencional ruptura com a jurisprudência administrativa do Carf, que ainda aplicava muito desses requisitos. O objetivo específico da lei era tratar das subvenções envolvendo o ICMS para prescrever que os incentivos e benefícios fiscais do ICMS são considerados subvenções para investimento e proibir a exigência de outros requisitos não previstos neste artigo.

André Corrêa/Agência Senado
Quase concomitantemente, o STJ julgou dois processos que virariam importantes precedentes: o EREsp 1.517.492 e o Tema 1.182. No primeiro, sobre crédito presumido de ICMS, o STJ entendeu não ser permitida a tributação do crédito presumido, por violar o pacto federativo, em resumo. Todavia, ele não tem efeito repetitivo.

Os contribuintes entenderam que a mesma conclusão deveria ser aplicada aos outros benefícios fiscais do ICMS. Quase como uma resposta, o STJ julgou o Tema 1.182, cuja tese confirmou a decisão anterior quanto aos créditos presumidos, mas não estendeu o mesmo entendimento automaticamente aos outros benefícios fiscais ligados ao ICMS (redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento etc.). Para estes, ainda deveriam ser observadas as disposições previstas no artigo 30 da Lei nº 14789/23.

Mudanças promovidas pela nova lei (Lei nº 14.789/23)
A partir de 1º de janeiro de 2024, a nova lei entrou em vigor. Ela provoca uma revolução na tributação das subvenções: independentemente da sua natureza, elas vão compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Com isso, criou-se uma verdadeira ficção jurídica de que as renúncias fiscais são receitas para as empresas.

Como contrapartida, há a previsão de que, atendidas as condições da lei, os contribuintes podem se beneficiar de um crédito fiscal, passível de ressarcimento ou compensação. E para se beneficiarem, os contribuintes devem fazer uma habilitação na Receita Federal (atendidos os vários requisitos postos pela IN 2170/2023).

Certamente algumas das questões que mais gerarão controvérsia serão: como ficam os créditos presumidos? Eles passarão a ser tributados? Ou seja, eles foram abarcados pela nova lei ou ainda é aplicável o que ficou decidido pelo STJ no EREsp 1517492? E quem já tem decisão positiva sobre a matéria será prejudicado?

Qual foi a ratio decidendi do STJ no EREsp 1.517.492?
A questão decidida pelo STJ versou sobre a inclusão ou não dos créditos presumidos de ICMS, concedidos a título de incentivo fiscal, na base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

O tribunal, conduzido pelo voto da ministra Regina Helena Costa, analisou a questão sob a perspectiva de que é vedado aos entes federativos instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros, na forma do artigo 150, VI, a, da Constituição. O que entendeu a maioria dos julgadores foi que, “ao considerar tal crédito como lucro, o entendimento manifestado pelo acórdão paradigma, da 2ª Turma, sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou”.

Ou seja, permitir a tributação dos créditos presumidos seria esvaziar o incentivo fiscal legitimamente concedido: representaria uma interferência indevida na política fiscal de outro ente federativo, violando-se, assim, o pacto federativo.

Chama atenção o fato de a tese jurídica ter se sustentado em princípios e regras constitucionais e o STF ter se esquivado da apreciação da questão, sob o fundamento de que seria controvérsia de natureza infraconstitucional (RE 1.052.277 RG).

Créditos presumidos de ICMS devem ser tributados?
Está claro que as razões de decidir do EREsp 1.517.492 permanecem inalteradas após a promulgação da Lei nº 14.789/23. Na linha de raciocínio adotada pela corte (confirmado posteriormente no Tema 1.182 quanto aos créditos presumidos, precedente julgado no rito dos recursos repetitivos), a nova lei, por ter hierarquia de lei ordinária, não alterou a configuração e o desenho federativo e de repartição de competências.

Nessa linha de raciocínio, entendemos que a decisão continua de pé e os créditos presumidos de ICMS continuam intributáveis pelo IRPJ e CSLL, já que as razões de decidir do EREsp 1.517.492 não foram desconstituídas nem direta nem indiretamente pela promulgação da nova lei. Assim, ubi eadem est ratio, ibi idem jus: onde houver o mesmo fundamento, haverá o mesmo direito. Se os fundamentos (constitucionais) continuam, as conclusões também perduram.

No entanto, parece bastante claro que, do lado do Fisco, o entendimento é que o regime instituído pela Lei nº 14.789/23 também inclui os créditos presumidos e que eles passariam a compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

A forma como tribunais administrativos e judiciais vão reagir a isso ainda é incerta. O que já se consegue notar, contudo, é que a União tem se saído vencedora até o momento com o indeferimento da maioria das liminares nas ações ajuizadas envolvendo o tema das subvenções após a entrada em vigor da nova lei.

E não é somente o ponto dos créditos presumidos que pode ser questionado pelos contribuintes. Para muitos, as subvenções de investimento sequer poderiam ser caracterizadas como renda para fins de incidência do IRPJ e da CSLL. Ou seja, o regime da nova lei, ao impor uma tributação obrigatória mesmo para esse tipo de subvenção, violaria o artigo 43 do CTN e, mais grave ainda, ultrapassaria a própria competência tributária da União, prevista na constituição.

Segundo Schoueri, as subvenções de investimento são “caso de acréscimo patrimonial que, como o caso dos aumentos de capital, não é renda”; “nem todo acréscimo patrimonial compõe o lucro de uma empresa. As subvenções para investimento, se efetivamente caracterizadas como tal, não são resultado das atividades da empresa. Não são o fruto da atuação da empresa no mercado. Não são, enfim, receitas” [1].

Está claro que a promulgação da Lei nº 14.789/23 trouxe ainda mais incerteza e insegurança jurídica, até mesmo para aqueles que já tinham decisões favoráveis, sejam as que reconheceram os créditos presumidos como subvenção de investimento, aplicando o artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, sejam os que afastaram a tributação com base no entendimento exarado no EREsp 1.517.492. Os contribuintes se veem em um novo labirinto jurídico.

[1] SCHOUERI, Luís Eduardo; BARBOSA, Mateus Calicchio. Subvenções para Investimento e Parceria Público-privada. Revista Direito Tributário Atual, nº 27. São Paulo: Instituto de Direito Tributário, 2012.

André Portugal, Augusto Rotondo

André Portugal
é sócio do Klein Portugal Advogados Associados e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra.

Augusto Rotondo
é advogado do Klein Portugal, graduado pela UFPR e pós-graduando em gestão tributária pela USP/ESALQ.

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