Regimes Aduaneiros Especiais e o Projeto de Lei Complementar 68/24

Fernando Pieri

Especial é algo incomum, peculiar, que merece nossa atenção. A reforma tributária é algo especial e merece por isso um olhar atento, o que irá se prolongar ainda por alguns anos, na medida em que suas significativas modificações forem sendo implementadas. Um tópico aduaneiro que provocou, desde sempre, inquietação a todos nós nas discussões sobre a reforma tributária, foi aquele relativo aos regimes aduaneiros especiais [1]. Esse ponto de muita atenção perdura!

Com a criação do IBS e da CBS, como será a tributação no caso do Depósito Especial, por exemplo? E do Recof, será atingido pela nova tributação sobre o consumo, ou serão mantidas as suspensões e isenções atuais? Admissão temporária para utilização econômica, o Drawback suspensão, isenção e restituição como ficarão? Reporto, Repetro e trânsito aduaneiro sofrerão modificações quanto ao tratamento tributário? Como um dos objetivos perseguidos pela reforma tributária é acabar com regimes especiais de tributação, precipuamente com as desigualdades que os mesmos veem provocando, especialmente aqueles concedidos pelos estados-membros; em um primeiro momento, pouco, ou quase nada, era debatido sobre a reforma tributária e seus efeitos sobre a tributação aduaneira, menos ainda quanto ao seu impacto nos regimes aduaneiros especiais. Os receios e apreensões eram legítimos!

Com a aprovação da Emenda Constitucional no 132/23 e a redação do artigo 156-A, §5º, VI, o constituinte derivado atribuiu ao legislador complementar a competência para estabelecer as hipóteses de diferimento e desonerações aos regimes aduaneiros especiais e às ZPEs – Zonas de Processamento de Exportação. Diferimento, nesse dispositivo, não deixou de trazer à tona a pouca familiaridade do constituinte derivado com o objeto de suas deliberações. É que não se utiliza essa terminologia na legislação aduaneira, ao menos, não para os regimes aduaneiros especiais. Eles permitem, em regra, a suspensão dos tributos incidentes sob certas condições. O diferimento é recorrente nos RICMS, especialmente nos regimes especiais de tributação concedidos pelos estados. Entretanto o relevante é que as preocupações anteriores mais graves, até de ameaça à manutenção dos regimes aduaneiros especiais, foram dissipadas eis que restaram previstos na Constituição, desanuviando-se as incertezas quanto à sua manutenção e transferindo o foco para a futura lei complementar.

Com a aprovação do projeto de lei complementar (PLP) 68/24, na Câmara dos Deputados, em julho, já é possível conhecer as disposições sobre o tema ainda que sobrevenham alterações no Senado. Dessa forma, em sequência ao nosso último artigo [2], no texto de hoje, procuramos trazer aspectos mais relevantes e as definições acerca dos regimes aduaneiros especiais no PLP 68/24.

Nova nomenclatura: gêneros e espécies

No PLP 68/24, os regimes aduaneiros especiais estão previstos no Livro I, Título II, Capítulo I, entre os artigos 88 a 96. Grande parte dos principais e mais utilizados regimes aduaneiros especiais foi abrangida pelo PLP 68/24, não obstante, eles passarão a ser espécies de quatro grande gêneros, a saber: regime aduaneiro especial de trânsito (artigo 88), de depósito (artigo 89), de permanência temporária (artigo 91) e de aperfeiçoamento (artigo 93). Como espécies desses gêneros, encontram-se enquadrados a grande maioria dos regimes aduaneiros especiais previstos no Livro IV do Regulamento Aduaneiro.

O modelo adotado encontra sintonia com o do Código Aduaneiro Europeu [3], que prevê, entre os seus artigos 226 e 255, os regimes especiais de trânsito, armazenamento, utilização específica e aperfeiçoamento [4]. A partir dessa determinação subdividem-se as espécies de trânsito, armazenamento, etc, com suas regulações e previsões específicas. A redução do número de regimes aduaneiros especiais é medida didática, de clareza e de harmonização da legislação nacional com as melhores práticas internacionais. Não andamos bem quando criamos um regime aduaneiro especial para cada atividade econômica e setor, o que torna o sistema mais complexo, com maior número de normas e potenciais litígios, além de pode gerar desigualdades e tratamentos personalíssimos. A multiplicidade de regimes aduaneiros especiais setoriais contribui para o que se pretende reduzir; senão extirpar, com a reforma tributária, ou seja, a complexidade e obscuridade da tributação.

O novo modelo de regimes aduaneiros especiais também encontra sintonia com os Anexos Específicos da Convenção de Quioto Revisada (CQR/OMA) [5]. Localizamos na CQR/OMA a previsão de regimes aduaneiros especiais, como os seguintes: Anexo A, Capítulo 2: Armazenamento Temporário; Anexo B, Capítulo 2: Exportação Temporária; Capítulo 3: Admissão Temporária; Anexo D, Capítulo 1: Depósito Aduaneiro; Capítulo 2: Free Zone; Anexo E, Capítulo 1: Trânsito, Anexo F: Capítulo 1: Aperfeiçoamento, importação de insumos para posterior exportação; Capítulo 2: Exportação Temporária para aperfeiçoamento do passivo; Anexo G, Capítulo 1: Admissão Temporária. Não obstante o Brasil só tenha aderido a Anexos Específicos que não tratam de regimes aduaneiros especiais, à exceção do Anexo D, Capítulo 1: Depósito Aduaneiro, pode-se perceber que a proposta no PLP 68/24, especialmente, quanto à nomenclatura dos gêneros de regimes aduaneiros especiais, segue em linha aqueles utilizados nos Anexos Específicos da CQR/OMA.

Regime especial de trânsito
O primeiro gênero de RAE do PLP 68/24 é o de trânsito (artigo 88), sob o qual devem ser incluídas todas as modalidades de trânsito aduaneiro em vigor, conforme previsões da IN RFB no 248/2002, mantendo-se a lógica da suspensão dos tributos incidentes sobre a importação, quando da movimentação de mercadorias sob controle aduaneiro dentro do território nacional, especialmente entre as zonas primárias e os recintos alfandegados em zona secundária. As previsões acerca dos RAEs devem ser conjugadas com as mudanças e novidades decorrentes do Novo Processo de Importação (NPI) e da Declaração Única de Importação (Duimp) que abarcará todas as declarações, portanto, evoluindo as declarações específicas, como a Declaração de Trânsito Aduaneiro (DTA) e a Declaração de Admissão (DA), para a Duimp.

Regime especial de depósito
No regime aduaneiro especial de depósito (artigo 89) ficam suspensos o IBS e a CBS na importação de bens materiais. Expressamente, no PLP 68/24 menciona-se, no §1º do artigo 89, que o regulamento discriminará as espécies de regimes aduaneiros de depósito. Para as lojas francas, está assegurada a suspensão dos tributos tanto na importação, quanto na aquisição no mercado interno. Refere-se, também, ao Depósito Alfandegado Certificado (DAC), assegurando-se que serão consideradas exportadas as mercadorias que nele sejam admitidas. Tomando por base os regimes aduaneiros especiais previstos no RA/09, pode-se dizer que estejam abarcados no regime de depósito do artigo 89 do PLP 68/24, além dos já mencionados (lojas francas e DAC), o entreposto aduaneiro, o depósito especial, o depósito afiançado e o depósito franco. Tais regimes, por suas características, são importantes ferramentas para eficiência das empresas na medida em que permitem a manutenção de mercadorias estrangeiras em território nacional com suspensão integral dos tributos por tempo determinado, observando-se as seguintes especificidades e formas próprias de fruição de cada um deles, senão vejamos:

Spacca
(1) a título de um estoque desonerado, com, ou sem, cobertura cambial, no entreposto aduaneiro de importação;

(2) como estoque de partes, peças, componentes e material de reposição para veículos, máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos estrangeiros ou nacionais, no depósito especial;

(3) para manutenção e reparo de embarcação e aeronave de empresas autorizadas a operar o transporte comercial internacional, no uso do depósito afiançado;

(4) viabilizando a armazenagem de mercadoria estrangeira para atender ao fluxo comercial de países limítrofes com terceiros países através do depósito franco.

Regime especial de permanência temporária
O terceiro gênero de regime aduaneiro especial criado é o de permanência temporária (artigo 91). Esse contemplará duas das três espécies de admissão temporária (com suspensão integral e para utilização econômica), a exportação temporária (sem incidências tributárias no retorno). O artigo 92 prevê o pagamento proporcional dos tributos suspensos ao tempo de permanência dos bens no país, à alíquota de 0,033% por dia. Tal percentual perfaz 0,99% ao mês, praticamente igualando a previsão atual de 1% ao mês, mas permitindo que o cálculo seja por dia. O §3º do artigo 92 exclui das novas disposições, até 31/12/2040, os bens destinados a exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, cuja permanência no país seja temporária.

Regime especial de aperfeiçoamento
O artigo 93 institui o regime aduaneiro especial de aperfeiçoamento, cujas espécies previstas no texto do projeto são o drawback suspensão (artigo 93, §3º) e o Recof (artigo 93, §5º). Em relação a ambos, assim como já ocorre, está prevista a suspensão do IBS e da CBS tanto nas importações, quanto nas aquisições no mercado interno. É importante destacar que o artigo 94 determina a não aplicação ao IBS e à CBS das modalidades isenção e restituição do drawback.

Em relação Recof, a previsão expressa mantém o relevante regime e representa uma conquista importante como fruto do processo legislativo, isso na medida em que, no texto original não havia essa previsão, tendo sido fruto de oportuna inclusão a partir dos debates, dos quais tivemos oportunidade de participar junto à Câmara dos Deputados. O Recof Sistema e o Recof Sped encontram-se abarcados pela previsão do artigo 93, §5º [6].

Por fim, nesse gênero do aperfeiçoamento, o artigo 95 prevê a atual espécie de exportação temporária para aperfeiçoamento do passivo, mantendo a sistemática de cálculo vigente; ou seja, de apuração do IBS e da CBS considerando a diferença entre o valor dos tributos incidentes sobre o produto final da operação de transformação que ocorrer no exterior e o valor, na mesma data, dos tributos se calculados sobre os bens objeto da exportação temporária. No caso de bens e serviços empregados no processo de conserto, reparo ou restauração, sobre seu valor deverão incidir os novos tributos.

O Repetro [7] — regime aduaneiro especial de exportação e de importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e de gás natural, previsto no artigo 458, do RA/09, encontra-se contemplado no artigo 96 do PLP 68, estabelecendo a suspensão do IBS e da CBS para suas subespécies: Repetro-Temporário, GNL-Temporário, Repetro-Permanente, Repetro-Industrialização, Repetro-Nacional e Repetro-Entreposto.

Regimes dos Bens de Capital
Os importantes regimes Reporto (regime tributário para incentivo à modernização e à ampliação a estrutura portuária) e o Reidi (regime especial de incentivos para o desenvolvimento da infraestrutura) encontram-se previstos nos artigos 103 e 104 do Capítulo III, do Livro I, Título II, do PLP 68/24 sob a seguinte denominação “Dos Regimes dos Bens de Capital”.

No caso do Reporto, assim como já é previsto nos artigos 13 a 16 da Lei no 11.033/2004 e nos artigos 471 a 475 do RA/09 [8], o artigo 103 do PLP 68/24 fixa a possibilidade de importação e também de aquisição no mercado interno de máquinas, equipamentos, peças de reposição e outros bens destinados ao ativo imobilizado para prestação de serviços de movimentação de carga em áreas alfandegadas, inclusive em recintos alfandegados de zona secundária, sistemas suplementares de apoio operacional, proteção ambiente, sistemas de segurança e monitoramento de pessoas, dragagens, treinamentos e formação, inclusive implementação de centros de treinamento. A previsão findará com a dependência de que os estados adiram a Convênios do Confaz (no caso, o de no 28/05) para que o tratamento federal seja também aplicado às importações e às aquisições internas, em relação ao tributo estadual. O prazo de vigência do Reporto será para aquisições realizadas até 31/12/2028.

O Reidi está regulado pela Lei no 11.488/2007 e contemplado no artigo 104 do PLP 68, prevendo-se a suspensão do IBS e da CBS nas importações e aquisições no mercado interno de máquinas, aparelhos, equipamentos e instrumentos novos, e de materiais de construção realizados diretamente por empresas beneficiadas pelo regime, para utilização, ou incorporação, em obras de infraestrutura destinadas ao ativo imobilizado. A previsão aplica-se também à importação ou à aquisição no mercado interno de serviços destinados à obra de infraestrutura para incorporação ao ativo imobilizado, assim como para a locação de máquinas e equipamentos no mesmo objetivo. Empresas optantes pelo Simples Nacional não podem ser beneficiárias nem do Reide, nem do Reporto.

De forma geral, considerando que ainda está em processo de discussão, a lei complementar, quanto aos regimes aduaneiros especiais, unificará e simplificará tratamentos, promovendo maior segurança jurídica e previsibilidade a eles. O tratamento unificado do IBS e da CBS afastará as disparidades existentes, em alguns casos, quanto ao tratamento relativo aos tributos federais e ao tributo estadual, permitindo a certeza de que havendo suspensão e conversão da mesma em isenção ou alíquota zero, tal realidade aplicar-se-á a todos os tributos, ou seja tanto ao IBS, quanto à CBS. Diferente dos dias atuais em que, não obstante regimes suspensivos federais, como o Recof, o ICMS – importação seja cobrado, muitas vezes desestimulando as empresas a aderirem ao regime. Além disso, com a Reforma, e se as previsões de crédito amplo se consumarem, toda a tributação que venha a onerar as importações, ainda que promovidas por prestadores de serviço, gerarão créditos a serem abatidos com as saídas de serviços tributadas. É o caso das admissões temporárias para utilização econômica e os equipamentos importados para a prestação de serviços. Claro que o quantum a pagar, dependerá das alíquotas a serem aplicadas. Como o tema da reforma tributária e os tributos aduaneiros é especial, seguiremos atentos, destacando pontos para reflexões e debates, ainda mais enquanto os textos de lei são projetos em tramitação.

[1] Recomenda-se o artigo de Liziane Meira sobre os regimes aduaneiros especiais e a Reforma Tributária: link

[2] link

[3] link

[4] Sobre os regimes aduaneiros especiais de trânsito e entreposto na União Europeia e no Brasil, em coautoria com o professor José Rijo, publicamos na coluna o artigo: link

[5] link

[6] Quanto ao tema e a vigente IN RFB no 2126/2022 que regulamentou o Recof Sistema e o Recof Sped, escrevemos o artigo publicado nessa Coluna em fevereiro de 2023: link. Sobre o Recof, recomendamos também a leitura do artigo de Fernanda Kotzias publicado na coluna em setembro de 2022: link.

[7] O Repetro foi tema da coluna, em artigo escrito por nós em coautoria com Flávia Gaeta Holanda: link

[8] Em relação ao Reporto, vale a leitura do artigo de Leonardo Branco em coautoria com Thales Belchior: link

Fernando Pieri

é sócio fundador da HLL & Pieri Advogados, mestre em Direito pela UFMG, pós-graduado em Direito Aduaneiro Europeu pela Universidade Católica de Lisboa, professor de Direito Aduaneiro e Tributário, Membro da Comissão Especial de Direito Aduaneiro do Conselho Federal da OAB, presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB-MG, multiplicador do Programa OEA da Receita Federal, membro de nº 51 da Academia Internacional de Direito Aduaneiro.

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