Receita acelera análise de compensações para evitar uso indevido de créditos tributários
Por Lu Aiko Otta e Jéssica Sant’Ana — De Brasília
Atuando na esfera administrativa, a Receita Federal tem procurado reduzir o que considera ser uso indevido de créditos tributários por empresas. É uma linha de trabalho que vem ganhando força, diante das dificuldades enfrentadas pelo governo federal para aprovar, no Congresso, novas medidas legais que vão na mesma direção – como foi o caso da medida provisória (MP) que limitava o uso de créditos de PIS/Cofins.
A principal aposta é fortalecer as unidades de análise de direito creditório, apurou o Valor. Segundo integrante da equipe econômica, a análise mais rápida das solicitações de compensação tributária fecharia uma “brecha” pela qual as empresas lançam benefícios fiscais indevidos para só regularizar a situação muito tempo depois, após procedimentos de fiscalização que não raro vão parar nas Delegacias de Julgamento (DRJs) ou no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a depender do valor envolvido.
Essa prática era facilitada pela regra que dava ao contribuinte o voto de desempate nos julgamentos do Carf, comenta uma fonte. No ano passado, foi aprovada lei que devolveu o voto de qualidade no colegiado ao Fisco. O passo seguinte é a melhoria do sistema de verificação dos créditos tributários, informa. “Descobrimos que há um trabalho administrativo a fazer na dinâmica das compensações do PIS/Cofins”, diz uma fonte da equipe econômica.
Outra fonte ouvida pelo Valor afirma que essa é uma forma de “reduzir o prejuízo” diante dos grandes volumes de compensações tributárias. Por outro lado, os contribuintes que agem corretamente serão beneficiados, pois receberão seus créditos mais rapidamente. “O que estamos fazendo é aprimorar o procedimento administrativo, fortalecendo as unidades de análise de direito creditório, para reduzir o prejuízo”, diz a fonte.
Um exemplo de como a Receita tem atuado para acelerar a análise das compensações de créditos tributários é uma portaria publicada ontem (31), que instituiu uma equipe de auditoria para analisar um conjunto específico de Pedidos Eletrônicos de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação (Per/Dcomp).
“É interessante, fiscais ficarão focados nisso”, diz Rubens Fonseca, sócio da WFaria Advogados. “Demonstra total esforço do governo em ‘cair de cabeça’ em relação a essas compensações, porque acha que ali há um gargalo de falta de arrecadação tributária e fraude. É mais um esforço do governo em arrecadar mais e restringir as compensações.” Ele acredita que o grupo criado pela Receita fará um mutirão concentrado em Per/Dcomps nos quais há suspeita de irregularidade.
A aceleração do processo de análise de créditos pela Receita tem sido notada pelos contribuintes. Segundo Maria Andréia dos Santos, sócia de Contencioso Tributário do escritório Machado Associados, diversos contribuintes que fizeram compensações tributárias com base na “tese do século”, que excluiu o ICMS da base do PIS/Cofins, têm sido intimados pela Receita a enviar memórias de cálculo e outros elementos para fins de averiguação sobre a regularidade dos créditos compensados.
A averiguação é corriqueira, afirma a advogada. “O diferencial é que normalmente ocorre de forma mais próxima ao vencimento do prazo de cinco anos, contado de cada compensação tributária realizada”, diz. Agora a verificação ocorre com mais rapidez, numa iniciativa que a Receita batizou de “Operação Limpa Trilhos”.
Governo acredita que ali há um gargalo de falta de arrecadação e fraude”
— Rubens Fonseca
“O órgão tem ressaltado o aspecto positivo dessa agilidade para os contribuintes que estão em conformidade, mas é inegável que uma das finalidades dessa operação também é a revisão mais ágil dos cálculos efetuados e a cobrança de valores que tenham sido compensados a maior”, afirma a advogada.
Ela cita como exemplo uma portaria publicada no último dia 10, que criou a Equipe Nacional de Seleção do Direito Creditório. “Há um movimento coordenado da Receita, de antecipação na análise dessas compensações tributárias”, diz. “Está em linha com a estratégia do governo federal de adotar medidas em 2024 para elevar a arrecadação, buscando fazer frente à elevação das despesas primárias efetivas, que, comprovadamente, estão superando as dotações orçamentárias.”
Ela nota que os relatórios bimestrais de avaliação de receitas e despesas do governo federal têm registrado o efeito positivo de restrições às compensações tributárias, como as promovidas pela Medida Provisória (MP) nº 1.202/23. O impacto pode ser visto nas receitas do IPI e PIS/Cofins. O impacto positivo foi estimado em R$ 16 bilhões para o período de maio a dezembro deste ano, lembra a advogada.
“Todos esses dados reforçam a diretriz do governo federal já vivenciada pelas empresas de não só restringir as compensações tributárias, mas também de fiscalizar os valores compensados com maior rapidez, para o fim de se buscar a recuperação desses valores e elevar a arrecadação das receitas tributárias”, afirma.
Em outra frente, a Receita Federal pretende oferecer novas facilidades para que empresas regularizem sua situação em relação ao uso de incentivos fiscais. Neste ano, as empresas passaram a informar quais benefícios tributários estão utilizando. Com base nessas informações, são feitos cruzamentos que identificam se a empresa preenche ou não os requisitos para usufruir deles.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal não deu retorno.