Setor de imóveis busca alterações no projeto que regulamenta a reforma
Por Beatriz Olivon, Lu Aiko Otta e Jéssica Sant’Anna — De Brasília
O governo dialoga com o setor imobiliário sobre possíveis alterações no Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68, que regulamenta a reforma tributária aprovada no ano passado. O texto cria um regime específico para as empresas, mas há pontos de preocupação. Tributaristas ouvidos pelo Valor veem risco de aumento da carga, a depender de como funcionará, na prática, o sistema de débitos e créditos instituído pela reforma.
“Eles nos trouxeram algumas preocupações e pedimos para detalharem”, disse ao Valor o secretário especial da Reforma Tributária, Bernard Appy, após reunir-se com o setor. O encontro foi no dia 2. “Acho que algumas talvez sejam pertinentes, outras não.”
Um dos pontos de diálogo, afirmou o secretário, é o “redutor social” de R$ 100 mil, incluído no texto para criar progressividade na tributação de imóveis, reduzindo a taxação sobre as unidades de valor mais baixo. O PLP não estabelece formas de corrigir esse valor.
Avalia-se se seria melhor fazer correções periódicas ou estabelecer alguma forma de indexação. “A bola está com o Congresso Nacional”, disse Appy, referido-se ao fato que o PLP já está em tramitação. “Mas se tiver algum ajuste que faça sentido, a gente não teria problema de levar conjuntamente com eles alguma proposta de mudança.”
Os pontos em que não houver acordo serão discutidos diretamente com o Legislativo. A Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária (Sert) informou na quinta-feira que aguarda contribuições do setor para prosseguir com o diálogo.
Entre advogados tributaristas, há a preocupação de que o regime específico acabe levando a aumento de tributação no setor, a depender de como vai funcionar o aproveitamento de créditos. Ele permite alíquota reduzida em 20% em relação à alíquota-padrão da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que é estimada em 26,5%, sendo 17,7% de IBS e 8,8% de CBS. Assim, atividades com imóveis pagariam 21,2% se mantida a alíquota projetada.
“Hoje, o setor imobiliário tem regimes de tributação especiais com alíquotas muito baixas”, afirma o advogado Rodrigo Giarola, consultor da área tributária do Pinheiro Neto Advogados.
Por outro lado, acrescenta, a reforma tributária do consumo deixa claro que a tomada de créditos é ampla. A dificuldade, diz, é prever como vai funcionar na prática. “O setor precisa analisar se a tomada de créditos vai levar à manutenção da carga tributária ou a uma carga mais alta”, afirma. “Há risco de pagar mais.”
A tendência é haver um aumento de tributação”
— Fernanda Sá Freire
Ficam fora da tributação de imóveis pelo IBS e CBS os microempreendedores individuais, integrantes do Simples, pessoas físicas e condomínios edilícios – que podem optar. Há a possibilidade de a pessoa física ser tributada se configurada atividade empresarial, com muitos imóveis de aluguel, por exemplo. Porém, a medida ainda não foi detalhada na regulamentação. “A lei complementar não detalha quantos imóveis ou qual a renda [necessários para ser tributado]”, diz Giarola.
Segundo Fernanda Sá Freire, sócia do escritório Machado Meyer, a tendência é haver um aumento de tributação, especialmente porque hoje o setor tem uma tributação baixa. O modelo atual é mais simples do que o proposto pela reforma, destaca a advogada.
Hoje a tributação incide sobre o faturamento e não há sistemática de créditos nem redutor social, como previsto na proposta de regulamentação – em que a base de tributação será o valor de referência ou de alienação. Além disso, a construção civil não será contemplada pelo regime específico.
Muitas empresas estão, hoje, sujeitas ao Regime Específico de Tributação (RET) da atividade imobiliária, em que pagam no máximo 4% – reunindo PIS, Cofins, IR e CSLL, sem incidir ICMS e ISS. O regime será mantido pelo governo, reduzido a 1,9% e contemplando apenas IR e CSLL, ainda haverá a incidência de IBS e CBS na alíquota reduzida.
Empresas que não estão no RET pagam hoje 3,65% ou 9,25% de PIS e Cofins, a depender se estão no regime cumulativo ou não, mais 25% de IR e 9% de CSLL. E, segundo a advogada, as empresas imobiliárias, com exceção de atividade de administração de bens imóveis, que é prestação de serviço típica, não pagam ICMS e ISS.
Marcel Alcades, sócio do escritório Mattos Filho, entende que a redução de 20% ainda pode ser insuficiente e trazer aumento de carga tributária para as operações com imóveis. O advogado destaca que pode haver aumento porque a lógica da alíquota de referência é reunir PIS, Cofins, ICMS e ISS e, hoje, não há incidência dos tributos estadual e municipal.
Para a construção civil, que ficou no regime geral, incidirá a alíquota cheia, mas é necessário fazer as contas de créditos. Hoje o setor tem como maior despesa a mão de obra e não pode tomar crédito se são empregados próprios. Com a terceirização, é possível tomar crédito do valor cobrado – 9,25% de PIS e Cofins e até 5% de ISS, total que vai passar a 26,5% com a reforma.