São Paulo arrecada R$ 1 bi de devedores contumazes em 2023
Por Laura Ignacio — De São Paulo
A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) conseguiu arrecadar, em 2023, R$ 1,09 bilhão por meio da cobrança de ICMS dos chamados “inadimplentes contumazes”. São contribuintes que declaram o que devem mas, sistematicamente, deixam de recolher o imposto.
Informação repassada ao Valor com exclusividade pela Supervisão Executiva de Cobrança e Recuperação de Dívida (SECRD) detalha que, desse total, R$ 787,7 milhões foram pagos à vista e R$ 302,2 milhões por meio de parcelamentos. Atualmente, a SECRD diz acompanhar 212 empresas e registra 254 acompanhamentos concluídos.
Os acompanhamentos são reuniões entre auditores fiscais e contribuintes com o objetivo de se chegar à adimplência, ou seja, o pagamento de impostos correntes – ainda não inscritos na dívida ativa. Levam de seis meses a dois anos.
Segundo a Sefaz-SP, os critérios usados para identificar a inadimplência contumaz estão no artigo 19 da Lei nº 1.320 (que trata do programa “Nos Conformes”), de 2018. A prática, acrescenta, costuma ser planejada, como uma estratégia de negócios.
O resultado de arrecadação bilionária, diz a SECRD, somente foi possível em razão de uma abordagem “desregionalizada” dos fiscais, por meio do teletrabalho. “Contamos hoje com uma equipe enxuta de 20 auditores para realizar esse trabalho de cobrança qualificada, além de dois auditores na gestão”, diz Gislaine Lima Alves, assistente fiscal e uma das gestoras do órgão. “Trabalhamos bastante com gestão do conhecimento e ciência de dados, recebendo suporte da Supervisão de Cobrança.”
Antes, a cobrança dos devedores contumazes era feita por cada delegacia, em determinada região. Em abril de 2022, verificou-se que era melhor fazer esse trabalho de forma estadual. Nasceu a SECRD, para cuidar de uma fila única de contribuintes. “Agora grandes devedores aparecem em primeiro lugar nessa fila e trabalhamos a empresa como um todo, mesmo que ela tenha filiais espalhadas pelo Estado”, afirma Gislaine.
No teletrabalho, diz Alex Sandro Kuhn, supervisor fiscal da SECRD, os fiscais se organizam por setores econômicos, o que gera uma maior especialização, melhor qualidade dos trabalhos e celeridade. “Com certeza, antes desse novo formato para a cobrança de devedores contumazes, nosso número estava longe do R$ 1 bilhão ao ano”, afirma.
Quando os acompanhamentos para a cobrança qualificada são concluídos, dizem os auditores, ou é feita a reversão do comportamento do contribuinte para a adimplência ou é implantado um regime especial para a empresa. Há ainda casos de extinção. São extintas as empresas abertas para a prática de fraude, como as criadas só para emitir notas fiscais. A adimplência, muitas vezes, ocorre por meio do parcelamento ordinário do imposto devido.
Por meio de parcelamentos ordinários, no ano de 2023, contribuintes inadimplentes contumazes se comprometeram a pagar mais R$ 1,6 bilhão, segundo a Sefaz-SP. Nesses casos, o ICMS declarado mas não pago e ainda não inscrito na dívida ativa é quitado em até 60 vezes, com juros Selic e multa de mora de 10%.
Já o regime especial impõe regras específicas de prestação de contas – por exemplo, o contribuinte deve recolher ICMS a cada venda e não do total de vendas mensal. A própria supervisão reconhece que algumas condições de regimes especiais são, muitas vezes, questionadas na Justiça. “Mas nossa taxa média de sucesso no Judiciário, nesses casos, é de 90%”, destaca Kuhn.
Para o advogado Igor Mauler Santiago, sócio-fundador do Mauler Advogados, em geral, o enquadramento como devedor contumaz é uma forma de pressão para o pagamento de tributos que o contribuinte pretende discutir, “o que seria, na prática, a supressão do seu direito de defesa”. As medidas impostas ao contribuinte assim qualificado também são, segundo o advogado, “em sua ampla maioria, frontalmente inconstitucionais”.
Entre tais medidas, Santiago aponta a exigência do ICMS operação a operação, sem considerar os créditos quanto a bens do ativo; o cancelamento do cadastro fiscal do contribuinte; e a vedação à fruição de benefícios fiscais por 10 anos, mesmo que as dívidas sejam regularizadas.
O tributarista Daniel Ávila, sócio do Locatelli Advogados, lembra que mais de 90% da arrecadação de ICMS é espontânea e que a maioria das empresas que deixa de pagar o imposto é por estar em dificuldade financeira, não por má-fé. “Até porque se uma empresa deixa de recolher um tributo e fica sem a certidão negativa tem portas fechadas de acesso a crédito”, afirma.
Mas Ávila também aponta que a Lei Complementar nº 199, de 2023, que permite às administrações tributárias municipais, estaduais e federal compartilharem dados para elevar a efetividade da fiscalização, gerou um “enorme poder”, o que aumentaria as chances do devedor contumaz ser identificado.