Liminar livra Pernambucanas de limite em compensações
Por Marcela Villar — De São Paulo
A Pernambucanas conseguiu liminar na Justiça Federal de São Paulo para não se submeter ao limite de compensações tributárias imposto pela Medida Provisória (MP) nº 1.202/2023. A varejista, que obteve no Judiciário crédito fiscal de mais de R$ 1,5 bilhão, é uma das 495 empresas afetadas pela norma, que restringe o uso dos créditos oriundos de ações judiciais a partir de R$ 10 milhões. A decisão é uma das primeiras favoráveis ao contribuinte.
Para o juiz Marcelo Guerra Martins, da 13ª Vara Cível Federal de São Paulo, a MP fere a coisa julgada. Ele afirma ainda na decisão que a legislação tributária não pode retroagir se for prejudicial ao contribuinte (processo nº 5000572-39.2024.4.03.6100).
“Ao modificar e restringir as condições para o contribuinte fazer valer um direito anteriormente reconhecido judicialmente, com trânsito em julgado, a referida Medida Provisória viola tanto o direito adquirido do contribuinte quanto a própria coisa julgada”, diz.
No pedido, a empresa, representada pelo escritório Mattos Filho, mostrou ter três sentenças definitivas – transitadas em julgado em 2016, 2022 e 2023 – reconhecendo mais de R$ 1,5 bilhão em créditos fiscais. Desse total, ainda teria um saldo de R$ 337 milhões. Pela MP, ela estaria limitada a usar esse valor em um período de 40 meses. Com a liminar, pode compensar de uma só vez e não comprometer o caixa.
De acordo com o que informou a Pernambucanas no processo, o agravante foi a nova lei ter sido publicada nos últimos dias de 2023, “quando todo o planejamento orçamentário das empresas já havia sido elaborado, exercício realizado com base na premissa da legislação vigente até então, que autorizava o pleno uso de créditos para compensação de tributos”.
O escritório cita dois precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para justificar a demanda, ambos em recursos repetitivos. O primeiro decidiu que “em se tratando de compensação tributária, deve ser considerado o regime jurídico vigente à época do ajuizamento da demanda” (REsp 1137738). O segundo julgado diz que as “restrições ao direito de compensar não se aplicam a ações judiciais que lhe sejam anteriores” (REsp 1164452). Por isso, a companhia defende, nos autos, que a MP só deve se aplicar a ações judiciais posteriores à sua vigência.
Na visão do advogado Carlos Gama, sócio do Freitas, Silva e Panchaud (FSP) Advogados Associados, a decisão foi bem abrangente e afastou totalmente os efeitos da MP. “O argumento foi de que as ações anteriores foram ajuizadas e transitaram em julgado antes da edição da MP 1202, quando não existiam as restrições. Então a MP não pode alcançar esses processos”, afirma.
A probabilidade é que o assunto suba ao Supremo Tribunal Federal (STF), pela discussão constitucional do caso, diz ele. Já existe uma ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Partido Novo que questiona a MP (ADI 7587), ainda sem previsão de julgamento.
Gama relembra que o STF já se posicionou (ADIs 2356 e 2361) de forma semelhante, quando discutia a possibilidade de parcelamento de precatórios. “Quem tinha trânsito em julgado de precatório que não previa o parcelamento não poderia ser alcançado por uma lei que entra em vigor a posteriori. O racional é o mesmo.”
Dalton Dallazem, sócio do Perin & Dallazem Advogados, avalia que a via das compensações tem sido efetiva e muito usada pelos contribuintes, por ser um caminho muitas vezes mais rápido que o do precatório. “Se existiram abusos de contribuintes forjando créditos que não existem, não é punindo os inocentes que vai se alcançar os culpados.”
De acordo com Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados, a decisão é acertada ao reafirmar que não se pode mudar as regras do jogo no curso de uma partida. “Não é razoável que novas limitações sejam impostas àqueles contribuintes que, com decisão transitada em julgado, optaram no passado pela realização de compensações em detrimento da expedição de precatórios federais, os quais, cada vez mais, são dotados de alta liquidez.”
Os procuradores Disraeli Dias, Camila Castanheira Mattar e Juliana Furtado Costa Araujo, da Fazenda Nacional, vão recorrer da decisão. Defendem que a MP não tira o direito à compensação e que é preciso aplicar a jurisprudência do STJ de observar a legislação vigente no momento do encontro de contas. “A coisa julgada não é violada, porque a coisa julgada que reconhece o crédito não tratou da compensação e a MP apenas condiciona a forma e o modo que o contribuinte vai exercer o direito da compensação”, diz Dias.
Eles também mencionam já terem mapeado quatro decisões a favor da Fazenda – em São Paulo, Marília (SP), Caxias do Sul (RS) e Maringá (PR) – e que esta da Pernambucanas foi a única até agora a dar vitória ao contribuinte.
Procurados, os advogados do Mattos Filho que trabalham no caso preferiram não se manifestar. A Pernambucanas não deu retorno até o fechamento da edição.