TRF-3 derruba autuação fiscal por amortização de ágio
Por Beatriz Olivon — De Brasília
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) afastou autuação fiscal recebida pela Companhia de Transmissão de Energia Elétrica (ISA CTEEP) por amortização indevida de ágio. O precedente é importante por prevalecer na Corte, que engloba os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, posição contrária aos contribuintes. Além disso, aplica decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto, proferida em setembro.
Essa é uma das 112 decisões judiciais sobre ágio proferidas no país até janeiro deste ano. Desse total, a maioria (61) é favorável aos contribuintes, segundo levantamento exclusivo feito pelo escritório Mattos Filho a pedido do Valor (leia Contribuintes vencem na maioria dos tribunais).
O ágio é um valor pago, em geral, pela rentabilidade futura da empresa adquirida ou incorporada. Como a Lei nº 9.532, de 1997, permite seu registro como despesa no balanço, o valor é amortizado para reduzir a base de cálculo (lucro) do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL. Só a partir da entrada em vigor da Lei nº 12.973, de 2014, a amortização do ágio interno foi vedada. Por isso, existem autuações fiscais sobre aproveitamento de ágio no passado, cobrando agora valores elevados.
A decisão do TRF-3 leva em consideração o primeiro julgamento realizado pelo STJ sobre o assunto. Em setembro, a 1ª Turma afastou a tributação aplicada a uma empresa que aproveitou o ágio gerado em operação realizada em 2004 por meio de uma intermediária, que, segundo a Fazenda, não tinha motivação econômica para existir, tratando-se de uma “empresa de prateleira” (REsp 2026473).
A ação da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica foi ajuizada em 2018. O objetivo era anular a cobrança de IRPJ e CSLL que recebeu sobre suposta amortização indevida de ágio, após a incorporação, em 2008, de sua controladora, a ISA Capital do Brasil.
Há uma tendência favorável nos tribunais. A Receita foi criando conceitos que não estavam baseados em lei”
— Andrea Oliveira
Entre 2006 e 2007, a ISA adquiriu, em etapas, o controle acionário da CTEEP, por meio de leilão de privatização, compra de ações de funcionários e oferta pública de aquisição de papéis de acionistas minoritários. Foi registrado um ágio na aquisição de ações na contabilidade, já que o preço pago foi superior ao valor de patrimônio líquido da empresa.
Depois, a ISA foi incorporada pela CTEEP. Para a operação, porém, foi criada uma subsidiária. Não foi possível realizar a incorporação direta, de acordo com a companhia, em razão de restrições impostas por normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
No processo, a empresa alega que cumpriu os requisitos básicos para a amortização de ágio, além de atender às exigências das agências reguladoras. Acrescenta que esse formato foi mais oneroso, do ponto de vista fiscal, do que o indicado pela Receita Federal – gasto a mais de R$ 262,3 milhões. Mesmo assim, foi autuada no ano de 2013, por causa do uso de intermediária na operação.
A decisão, proferida pela 3ª Turma do TRF-3, foi unânime. Considera que até a edição da Lei nº 12.973, de 2014, não existia proibição legal para amortização de ágio gerado entre partes relacionadas, nem vedação ao aproveitamento do ágio entre partes dependentes.
“É plenamente viável a utilização de empresa veículo na reorganização societária, sobretudo no caso, em que restou comprovada a impossibilidade, por restrição da Aneel e CVM, na incorporação direta da ISA Capital pela CTEEP. Ademais, inexiste indícios de ocorrência de fraude à lei ou simulação na reestruturação em análise”, afirma o relator, desembargador Nery da Costa Junior, no acórdão.
Além do precedente do STJ, a decisão cita decisões no mesmo sentido do TRF da 4ª Região, que abrange os Estados do Sul do país (processo nº 5024766-47.2019.4.04.7201). Leva em conta ainda que, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a decisão contrária à CTEEP se deu por voto de qualidade – o desempate pelo presidente da turma julgadora, que é representante da Fazenda.
Foi apresentado recurso (embargos de declaração) da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) à decisão. Por meio de nota, o órgão informa ao Valor que, “sem subestimar a importância de uma decisão da Corte Superior, é importante lembrar que o aresto não foi prolatado em sede de julgamentos de feitos repetitivos, nem representa entendimento da Seção ou da Corte Especial”.
A PGFN aguarda o julgamento do recurso no processo e afirma que as conclusões não podem ser consideradas definitivas, nem aplicáveis a qualquer situação envolvendo ágio.
Procurado pelo Valor, um dos advogados que representou a empresa no TRF-3, Celso Costa, sócio do escritório Machado Meyer Advogados, preferiu não comentar o caso (processo nº 5024068-10.2018.4.03.6100).
Lígia Regini, sócia do BMA Advogados, destaca que o precedente do TRF-3 é interessante por citar a legalidade, ponderando que não pode ser exigido o que não estava vedado na lei vigente naquela época. “Isso é muito convergente com o entendimento proferido pela 1ª Turma do STJ”, afirma.
Para a advogada, o recente julgamento do STJ esvazia 15 anos de debates no Carf sobre a exigência, por parte da Receita Federal, de requisitos que não constam em lei. “Ainda estamos longe de ter um repetitivo com entendimento vinculante sobre a matéria. Mas mesmo que ele venha, não vai resolver todos os casos de ágio”, diz.
A tributarista Andrea Oliveira, do mesmo escritório, reforça que, apesar das diferentes nuances em casos de ágio – como uso ou não de empresa veículo, partes relacionadas, entre outros – o que se tem visto são os tribunais muito focados em legalidade. E, quando isso acontece, acrescenta ela, as decisões são favoráveis aos contribuintes.
“Vemos uma tendência favorável nos tribunais federais, ao restabelecerem o ponto de vista da legalidade”, afirma a advogada. “O Fisco foi criando conceitos que não estavam baseados em lei.”