Escritórios de advocacia criam áreas específicas para acordos tributários com a União e Estados
Por Adriana Aguiar — De São Paulo
Escritórios de advocacia passaram a apostar nas chamadas transações tributárias e começaram a criar áreas específicas para atender clientes que querem negociar, com descontos, dívidas com União, Estados e municípios. Só o governo federal prevê arrecadar até R$ 43 bilhões por meio desses acordos com contribuintes neste ano, segundo a atual proposta orçamentária.
As transações tributárias vêm ganhando força desde 2020, quando a União regulamentou esse tipo de acordo, e agora a modalidade começa a ser adotada por Estados e municípios. Essa possibilidade de negociação, na esfera federal, surgiu com a Medida Provisória nº 899, a MP do Contribuinte Legal, de outubro de 2019, convertida na Lei nº 13.988. Duas portarias editadas em de 2020 (nº 9.917 e nº 9.924) trouxeram regras para os acordos – individuais ou por adesão -, que garantem descontos de multa e juros.
Nos acordos individuais, há uma negociação direta com a Fazenda Nacional. Tenta-se encontrar uma solução mais personalizada, levando em consideração a realidade de cada contribuinte. Até agora, foram firmados cerca de 400 acordos de transação individual no país, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
O interesse foi crescente a cada ano. Foram 51 acordos em 2020, 89 em 2021, 130 em 2022 e, no ano passado, até 15 de dezembro, 173. Cerca de 100 desses acordos foram firmados com empresas em recuperação judicial.
Nas transações individuais, em geral, as empresas precisam de assessoria jurídica qualificada para auxiliar nas negociações. De olho nesse nicho, que movimenta bilhões de reais por meio desses acordos, os escritórios de advocacia passaram a investir em áreas específicas e na contratação de profissionais.
O Carneiros Advogados criou recentemente um Núcleo de Transações, comandado pelo advogado Alberto Medeiros, que entrou recentemente na banca. A equipe, segundo o especialista, atuou em 11 casos, que totalizam cerca de R$ 8 bilhões – alguns já foram finalizados.
“Acreditamos no futuro das transações. Não é mais possível falar em contencioso estratégico, se [a banca] não tiver uma área focada e especializada em transações”, afirma ele, acrescentando que a perspectiva para este ano é de dobrar o número de clientes e valores envolvidos.
A legislação que trata das transações tributárias, diz o advogado, sofreu importantes alterações nos últimos dois anos, o que atraiu a atenção de um número ainda maior de empresas. “Temos até visto um certo congestionamento na PGFN para a resolução desses casos”, afirma Medeiros. Entre as alterações, está a possibilidade de uso de prejuízo fiscal e precatórios para abatimento de dívidas.
O MJ Alves Burle e Viana Advogados também resolveu investir em uma área dedicada às transações tributárias. O advogado Alan Viana, sócio da banca, diz que vem acompanhando o assunto desde 2019, quando o tema ainda era um projeto de lei. “Quando a transação virou realidade, o escritório acabou atuando nos primeiros casos, nos mais relevantes”, afirma Viana. Ele destaca que a banca já atuou em 12 negociações com a PGFN, que envolvem cerca de R$ 30 bilhões.
Entre os casos emblemáticos está o do Banco Auxiliar. No acordo, chamado negócio jurídico processual, firmado em fevereiro de 2021, cerca de R$ 1 bilhão em depósitos judiciais foram convertidos no pagamento de dívidas com a PGFN, e outros R$ 18 milhões foram direcionados ao pagamento de dívidas com outros entes públicos.
Em abril de 2021, a banca também atuou em acordo firmado pelo Grupo Itaminas, cujo representante legal é o fundador do Instituto Inhotim, sede de um dos mais importantes acervos de arte contemporânea do Brasil e maior museu a céu aberto do mundo. A negociação com a PGFN foi iniciada em maio de 2020 e envolve plano de amortização escalonado de R$ 1,2 bilhão, o oferecimento de garantias e a suspensão de atos expropriação que poderiam culminar na venda forçada do instituto e demais propriedades do grupo.
Para Alan Viana, o Brasil está vivendo uma mudança de paradigma. “Tivemos um movimento de abertura para investimentos estrangeiros, de privatizações, que favoreceram o surgimento de uma grande quantidade de teses tributárias, de um contencioso mais atuante. Hoje, já se percebe melhor que essas teses serão definidas pelo Supremo Tribunal Federal e que existe um risco muito grande”, diz. Nesse contexto, acrescenta, há a necessidade de as empresas se recuperarem financeiramente e um acordo se dilui com o tempo e diminui os riscos em seus balanços.
A equipe do escritório já conta com 12 profissionais dedicados aos acordos em transações tributárias. Para se especializar ainda mais, Alan Viana foi no fim do ano para Harvard fazer um curso de técnicas de negociação, que também foi feito por alguns integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU).
Entre os grandes escritórios, um que tem atuado com frequência em grandes transações é o Bichara Advogados, que também passou a ter um núcleo somente para esses acordos. “Desde 2019, o escritório acompanha esse tema e percebemos que essa seria uma realidade. Por isso, criamos uma estrutura adequada para atender nossos clientes”, diz Sandro Machado, sócio do Bichara Advogados, acrescentando que a banca já atuou em cerca de cem casos e já contratou mais dez pessoas em São Paulo e no Rio para atuar de forma mais sistemática na elaboração desses acordos.
A banca também está de olho nas transações tributárias que começarão a acontecer nos Estados e municípios. Em dezembro, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) permitiu, por meio do Convênio ICMS nº 210, que 13 Estados passem a instituir a chamada transação tributária para a resolução de conflitos envolvendo débitos inscritos na dívida ativa.
Os Estados beneficiados são Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo. O texto se espelha muito no modelo adotado pela PGFN.
São Paulo já publicou, em novembro, a Lei nº 17.843, de 2023, que cria o “Acordo Paulista”, programa que prevê um parcelamento especial de valores inscritos na dívida ativa, além da possibilidade de negociação por meio da chamada transação tributária. A lei entra em vigor em fevereiro.
O Estado do Rio de Janeiro tem projeto semelhante, em tramitação na Assembleia legislativa. “A partir de agora, essas leis vão se proliferar e muitos clientes já se deram conta de que pode ser uma boa oportunidade. Nem sempre a discussão judicial é o melhor caminho”, diz Machado.