Justiça impede Receita de fazer cobrança retroativa de CSLL
Por Marcela Villar — De São Paulo
A Vogel, do Grupo Algar Telecom, obteve liminar que impede a Receita Federal de exigir R$ 32 milhões de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A decisão é da juíza Raquel Fernandez Perrini, da 4ª Vara Cível Federal de São Paulo. Ela entendeu que, no caso, não pode haver cobrança retroativa com base no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2023, que permitiu a “quebra” de sentença definitiva – também chamada de coisa julgada.
O caso é peculiar. A empresa havia conseguido duas sentenças contra o pagamento de CSLL. Uma foi obtida no ano de 1992 (processo nº 015/V/89/UDI). A outra em 2014 (processo nº 2001.38.03.003313-8), sete anos após o STF definir que a contribuição, criada em 1988, é constitucional (ADI 15). Como uma das decisões é posterior ao julgamento de 2007, a juíza entendeu que a empresa só deveria voltar a ser tributada a partir de 2023.
No julgamento do ano passado, os ministros definiram que sentenças tributárias dadas como definitivas deixam de ter efeito sempre que houver um julgamento posterior na Corte em sentido contrário (RE 955227 e RE 949297). Na prática, segundo especialistas, a decisão autorizou a Receita a fazer cobranças retroativas – o que ainda é discutido no Supremo.
No caso da Vogel, o órgão federal não lavrou auto de infração fiscal, mas chegou a enviar um comunicado à companhia alegando inconsistências no pagamento. A notificação motivou a empresa a entrar com uma terceira ação judicial sobre o tema, de forma preventiva. Isso porque a Receita Federal poderia fazer a cobrança do tributo não pago dos últimos cinco anos – nesse período, o Fisco está autorizado a recuperar impostos sem procedimento fiscal aberto.
“Só uma decisão em controle concentrado é que pode mudar a coisa julgada individual ou uma decisão como a de 2023 do Supremo, em repercussão geral, teria o condão de alterar o que foi decidido em 2014”, afirma Daniela Silveira Lara, sócia do escritório Rolim, Goulart, Cardoso Advogados, que atua no caso.
Segundo ela, o cliente foi conservador e teve o direito assegurado duas vezes. “Depois do julgamento da ADI 15, surgiu a dúvida se a coisa julgada de 1992 se sobrepõe a qualquer decisão posterior, porque a coisa julgada é como se fosse lei para a parte. E o Judiciário entendeu que prevalece a decisão. Então, a empresa ficou tranquila”, diz Daniela.
Nesse intervalo, houve outro precedente favorável aos contribuintes contra o pagamento de CSLL – um julgamento do ano de 2011 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recurso repetitivo. Além disso, o Supremo chegou a entender que a matéria era infraconstitucional, ou seja, quem teria a última palavra seria, de fato, o STJ.
Depois disso, mudou-se o entendimento e o Supremo considerou a CSLL constitucional. “Não há nada que garanta mais a segurança jurídica do que a coisa julgada. Mas prevaleceu o princípio da isonomia”, afirma Daniela sobre o julgamento da coisa julgada no STF. “A decisão é justa. De 2023 para frente, não se discute a cobrança”, acrescenta.
A juíza federal Raquel Fernandez Perrini deu a liminar para evitar que se atingisse o “direito individual que já estava incorporado ao patrimônio jurídico” da empresa. “Razoável, assim, que os efeitos prospectivos do julgamento operem apenas após a publicação da ata de julgamento dos Temas 881 e 885 (13 de fevereiro de 2023), ocasião em que a impetrante teve ciência de que deve pagar a CSLL”, diz (processo nº 5034507-07.2023.4.03.6100).
Para tributaristas, poucas empresas devem ter situação parecida. “A juíza não afrontou os Temas 881 e 885, ela fez a adequação do caso concreto no que foi decidido pelo Supremo, já que o contribuinte tem um trânsito em julgado posterior. É razoável o entendimento sustentado”, diz o advogado Renato Silveira, sócio do Machado Associados.
Ele indica, porém, que ainda é preciso aguardar o julgamento dos embargos de declaração nesses temas para uma eventual modulação de efeitos, isto é, saber a partir de quando a tese será aplicada e de que maneira. Essa ação era analisada no Plenário Virtual, até um pedido de destaque do ministro Dias Toffoli, o que zera o placar. O resultado era favorável à União (6 a 3). “Não há impedimento para uma mudança de opinião dos ministros. Então é possível que tenha impacto no caso”, afirma Silveira.
Gustavo Taparelli, sócio da Abe Advogados, entende que a decisão da Vogel é totalmente oposta à do STF, de 2023, que não chegou a analisar esse ponto em específico. “O STF não julgou a situação particular do contribuinte que detém decisão transitada em julgado posterior a 2007 para afastar a aplicação do julgamento que declarou a constitucionalidade da CSLL. Assim, não é possível assegurar, com certeza, como seria seu entendimento.”
A liminar obtida tampouco impede que a Receita Federal lavre um auto de infração para exigir a CSLL. O que o órgão não pode é “seguir com os procedimentos de cobrança, isto é, investir sobre o patrimônio do contribuinte”, afirma o Thiago Cerávolo Laguna, sócio do Dib, Almeida, Laguna e Manssur. Segundo ele, a liminar afasta inclusive a exigência de multa sobre o valor que deixou de ser pago em decorrência da decisão transitada em julgado.
O valor de R$ 32 milhões é o estimado no processo. A empresa chegou a provisionar R$ 24,3 milhões sobre o tema, após o julgamento de 2023 do STF, segundo publicado no Formulário de Informações Trimestrais (ITR) do quarto trimestre de 2022. Por meio de nota, a Algar Telecom disse que “não comenta sobre decisões, sobre valores de causas judiciais, ou projeções futuras”.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal informou que “não se manifesta sobre decisões judiciais”. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento desta edição.