Crédito fiscal não tributário e a recuperação judicial
Rodrigo Eduardo Quadrante
Editorias: EmpresarialLeisRecuperação Judicial
Recentemente, foi tema recorrente na imprensa um acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo [1], no qual se entendeu que o crédito fiscal não tributário se submeteria a recuperação judicial, o que trouxe inúmeros questionamentos sobre este tema.
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O presente artigo analisará se a exclusão do crédito fiscal da recuperação judicial estaria restrita aos créditos de natureza tributária ou se estenderiam a quaisquer outros créditos detidos por entres públicos, o que poderia impactar severamente as empresas em recuperação judicial.
Em primeiro lugar, cumpre notar que o inciso 2º do artigo 39 da Lei 4320/64 define que a “dívida ativa tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributo e respectivos adicionais e multas, e dívida ativa não tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias”. Logo, o legislador, através desta norma, definiu o que seria uma dívida ativa tributária.
O Código Tributário Nacional, através do seu artigo 187, é claro ao dispor que “a cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento”, o que nos leva a conclusão de que o crédito fiscal de natureza tributária, ou ainda, a dívida ativa de natureza tributária, inquestionavelmente, não se submete a recuperação judicial.
Sucede que a complexidade do tema nasce do parágrafo 7º B, do artigo 6º da LRF [2], eis que ele trata de forma superficial a execução fiscal, afastando apenas a sua suspensão e a constrição de determinados bens essenciais, após o deferimento do processamento de uma recuperação judicial.
Ora, a execução fiscal poderá ter como objeto um crédito tributário, ou ainda, um crédito não tributário, o que poderia nos levar a conclusão de que as execuções fiscais de créditos não tributários não se suspenderiam e estes créditos não se submeteriam a recuperação judicial [3].
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através do agravo de instrumento número 2031082-83.2021.8.26.000, entendeu que o crédito fiscal não tributário se submeteria ao concurso de credores, eis que “a extraconcursalidade dos créditos deve ser reconhecida como medida excepcional que se aplica a restritas hipóteses legais e, como exceção à regra da sujeição de todos os créditos aos efeitos da recuperação judicial, deve ser interpretada de forma restritiva, não comportando extensividade tampouco aplicação analógica. É a natureza e não a pessoa do credor que deve ser considerada para se saber da submissão ou não, do crédito, à recuperação judicial. A forma de execução do crédito não se confunde com a sua natureza. Na falência, inclusive, a Lei 11.101/2005, em seu artigo 83, dá tratamentos diferentes para créditos tributários e multas administrativas, em linha com o entendimento de que suas naturezas sejam diversas” [4].
Como se vê, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concluiu que é a natureza tributária da obrigação que exclui o crédito fiscal da recuperação judicial e não a pessoa do credor, ou ainda, a forma da sua cobrança.
Cumpre notar que este entendimento estaria em conformidade com a LRF, eis que o inciso III do artigo 83 da LRF é claro ao definir a preferência do crédito tributário sobre todos os demais créditos, excetuando deste inciso aqueles créditos fiscais não tributários, os quais são tratados no inciso VIII do artigo 83 da LRF [5].
Sucede que o Superior Tribunal de Justiça, através do Recurso Especial número 1.931.633-GO, entendeu que “o artigo 187 do CTN exclui os créditos de natureza tributária dos efeitos da recuperação judicial do devedor, nada dispondo, contudo, acerca dos créditos de natureza não tributária. A Lei 11.101/2005, ao se referir a execuções fiscais, está tratando do instrumento processual que o ordenamento jurídico disponibiliza aos respectivos titulares para cobrança dos créditos públicos, independentemente de sua natureza. Desse modo, se, por um lado, o artigo 187 do CTN estabelece que os créditos tributários não se sujeitam ao processo de soerguimento – silenciando quanto aqueles de natureza não tributária, por outro lado, verifica-se que o próprio diploma falimentar não estabeleceu distinção entre a natureza dos créditos que deram ensejo ao ajuizamento do executivo fiscal para afastá-los dos efeitos do processo de soerguimento. Em que pese a dicção aparentemente restritiva da norma do caput do artigo 187 do CTN, a interpretação conjugada das demais disposições que regem a cobrança dos créditos da Fazenda Pública insertas na Lei de Execução Fiscal, bem como daquelas integrantes da própria Lei 11.101/2005, autorizam a conclusão de que, para fins de não sujeição aos efeitos do plano de recuperação judicial, a natureza tributária ou não tributária do valor devido é irrelevante” [6].
Portanto, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a Lei de Execução Fiscal deveria ser interpretada em harmonia com a LRF, o que permitiria a exclusão do crédito fiscal não tributário da recuperação judicial. Isto porque seria a forma de cobrança do crédito que lhe concederia preferência sobre os demais créditos e não a sua natureza.
Como se vê, o tema analisado não é pacífico e o acordão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, certamente, trará novos elementos para o amadurecimento deste tema pelo Superior Tribunal de Justiça. Contudo, hoje, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é que os créditos fiscais não tributários não se submetem a recuperação judicial, ainda que existam aqueles que acreditem que existem elementos suficientes para a mudança deste entendimento.
[1] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, agravo de instrumento número 2031082-83.2021.8.26.0000, rel. des. Azuma Nishi.
[2] Parágrafo 7B, do artigo 6º da LRF – “o disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais a manutenção da atividade empresarial”
[3] Artigo 1º Lei número 6320/64 – A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e respectivas autarquias será regida por esta lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
[4] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, agravo de instrumento número 2031082-83.2021.8.26.000, rel. des. Azuma NIshi.
[5] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, agravo de instrumento número 2047000-40.2015.8.26.0000, rel. des. Ricardo Negrão.
[6] Superior Tribunal de Justiça, REsp. nº 1.931.633-GO, rel. min. Nancy Andrighi. Ainda no mesmo sentido, Superior Tribunal de Justiça, REsp. nº 1.993.641-TO, Rel, Min. Francisco Falcão.
Fonte Conjur
Rodrigo Eduardo Quadrante
Advogado, mestre pela PUC-SP e sócio do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados Associados.