Receita Federal antecipa tributação sobre créditos de PIS e Cofins
Por Marcela Villar — De São Paulo
As discussões sobre os créditos a recuperar da chamada “tese do século” – que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins – ainda não chegaram ao fim, quase sete anos depois da vitória dos contribuintes no Supremo Tribunal Federal (STF). A Receita Federal publicou entendimento que, na prática, antecipa a tributação dos valores pagos a mais pelas empresas.
Para o órgão, as companhias sob o regime do lucro real – aplicado àquelas com faturamento anual superior a R$ 78 milhões – devem recolher o Imposto de Renda (IRPJ) e a CSLL quando contabilizam esses valores em seus registros, antes mesmo de ser finalizada (transitar em julgado) decisão sobre o reconhecimento ao direito ao crédito.
O entendimento está na Solução de Consulta nº 308, editada recentemente pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), que deve ser seguida por todos os fiscais do país. A norma foi editada pouco antes de o governo federal anunciar medida provisória (MP) para limitar a compensação de créditos tributários.
A MP nº 1.202, publicada no dia 29, vale para valores superiores a R$ 10 milhões. O limite será mensal e estabelecido por ato do Ministro de Estado da Fazenda. Foi adotado porque o governo alegou ter ficado surpreso com o enorme volume de pedidos de compensação gerados com a “tese do século”.
O entendimento da Receita Federal adotado agora diverge de solução de consulta anterior, de nº 183/2021, que determinava a cobrança na primeira compensação tributária – ou seja, quando o crédito começasse, de fato, a ser usado.
Para advogados, a mudança de entendimento prejudica as empresas, que podem ser autuadas por atraso no recolhimento dos tributos, acrescido de juros e multa. Até os contribuintes que seguiram a consulta anterior correm o risco da penalidade.
A nova orientação da Receita Federal se opõe à legislação tributária”
— Maria A. dos Santos
No entendimento da tributarista Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados, a nova orientação se opõe à legislação tributária. “A decisão contradiz a solução de consulta anterior, o artigo 170-A do CTN e é contraditória em si mesma, porque também diz que a tributação só pode ocorrer após o trânsito em julgado”, afirma. “Antes, não há direito certo, definitivo, mensurado e líquido de que houve incorporação ao patrimônio da empresa.”
Apesar de parecer um complemento do posicionamento anterior, a consequência prática é a antecipação do pagamento dos tributos, segundo o tributarista Diogo Olm Ferreira, do escritório VBSO Advogados. “Ela está trazendo um critério novo, que não era adotado”, diz. Ele acrescenta que o registro na contabilidade “não constitui direito” e, por isso, não pode ser usado como marco para a cobrança.
A tributarista Thais Shingai, sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, endossa esse posicionamento. De acordo com ele, os registros contábeis das empresas são baseados, muitas vezes, em estimativas. “Não é raro um valor sofrer alguma mudança após análise da Receita, que faz uma revisão mais rigorosa dos números”, afirma. Por isso, considera ser “preocupante” o fato de essa contabilização ser adotada como baliza, por não ser fator gerador do IRPJ e CSLL.
Outra preocupação dos especialistas é de que a solução de consulta, embora trate sobre os créditos da “tese do século”, passe a ser aplicada também em outras discussões. Por meio desse instrumento, o contribuinte pode tirar dúvidas sobre a aplicação da legislação tributária. As respostas da Cosit, como a desse caso, são vinculantes, ou seja, valem para todas as empresas.
Duas soluções de consulta foram publicadas após o julgamento do STF. Em 2017, os ministros entenderam que o ICMS não integra a base do PIS e da Cofins. Com isso, reconheceram que as empresas pagaram impostos a mais.
O contribuinte, porém, após vencer a disputa, precisa deixar na mesa, para a União, 34% dos valores que têm a receber. Essa fatia é referente ao recolhimento de IRPJ e CSLL que incidem sobre o acréscimo patrimonial da empresa.
Várias teses surgiram, então, sobre o momento dessa tributação. Alguns contribuintes acreditavam que só poderiam ser tributados após uma decisão judicial definitiva, outros quando os créditos caíssem no caixa da empresa ou quando a primeira compensação de crédito fosse depositada na Receita. E alguns, mais conservadores, após essa compensação ser aceita – o que pode demorar até cinco anos.
Para resolver o problema, a Receita publicou uma primeira solução de consulta sobre o tema Ficou definido que a cobrança deve ocorrer na primeira declaração de compensação, o que já foi alvo de críticas na época. “No momento que faço o pedido, não tenho certeza se a Receita vai concordar”, afirma o tributarista Diogo Olm Ferreira.
Alguns contribuintes chegaram a registrar os créditos na contabilidade em 2017, mas só começaram a compensar os valores após o julgamento de recurso no STF, em 2021, que limitou os efeitos da decisão anterior. Nos embargos de declaração, os ministros definiram que só quem entrou com a ação antes de março de 2017 teria direito aos créditos.
“Elas ficaram quatro anos na insegurança. Registraram, mas não usaram os créditos porque não sabiam como o Supremo iria modular os efeitos”, diz Ferreira, ao citar que isso ocorreu com alguns clientes do escritório. O trabalho agora é o de não fazer com que a diretriz retroaja. “Vai caber defesa demonstrando como com o registro contábil ainda prevalece uma série de inseguranças em relação à efetividade.”