Projeto de lei sobre ICMS pode evitar ações judiciais do varejo
Por Arthur Rosa e Beatriz Olivon — De São Paulo e Brasília
A Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei complementar que pode evitar a ida do varejo ao Judiciário para discutir o uso de créditos de ICMS. A proposta – PLP nº 116/23 -, que depende apenas de sanção presidencial, inclui na legislação decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contra o pagamento do imposto estadual na transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte.
A questão dos créditos de ICMS, que consta do projeto de lei aprovado, foi recentemente regulamentada pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), por meio Convênio nº 178. Foi uma exigência dos ministros do STF no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 49.
Eles definiram, no mês de abril, que a partir de 2024 não poderá mais ser cobrado ICMS nessas transferências de mercadorias e deram prazo aos Estados – até o fim deste ano – para a edição de uma norma para tratar do uso dos créditos.
O problema, segundo tributaristas, é que o texto do Convênio nº 178 torna “obrigatória” a transferência de créditos de ICMS ao Estado de destino da mercadoria, restringindo a decisão do Supremo. Os contribuintes defendem que os ministros só garantiram o “direito” à transferência – como consta no PLP nº 116/2023.
O mesmo entendimento tem o Estado do Rio de Janeiro, que optou por não ratificar convênio anterior (nº 174), com o mesmo teor, que acabou revogado. Agora, de acordo com o subsecretário de Política Tributária e Relações Institucionais da Secretaria da Fazenda (Sefaz-RJ), Thompson Lemos, o Estado não tem mais como ter o entendimento contrário e vai ter que se adequar.
“Mas se o PLP nº 116/23 for sancionado, vale o projeto de lei”, diz o subsecretário. “O Confaz, que é um órgão do Executivo, não pode se sobrepor em termos legislativos ao parlamento. Entendemos que o projeto de lei tem preponderância, mas, além disso, percebemos que o Congresso entendeu por bem não implementar a obrigatoriedade de transferência dos créditos.”
A avaliação preliminar, acrescenta Lemos, é que a transferência obrigatória de créditos geraria o risco de redução da arrecadação no Estado. “Por isso, foi adotado o caminho de maior segurança financeira, de não aceitar o antigo convênio do Confaz. Temos a convicção de que o Rio de Janeiro mais recebe transferências do que promove. Então é muito mais prudente entendermos que quaisquer créditos que acompanhem essas transferências de forma compulsória tenderiam a reduzir a arrecadação do Estado.”
Para que as regras da futura lei complementar possam prevalecer, afirmam advogados, seria preciso haver a revogação do convênio pelo Confaz ou que os entes não o ratificassem nas suas normas internas. “Caso contrário, teremos um conflito de normas naquilo que for divergente, sendo que deve prevalecer a lei complementar”, diz Leo Lopes, do FAS Advogados. “Se algum Estado vier a insistir na adoção das regras do convênio, o contribuinte precisaria ingressar com ação judicial.”
Milton Schivitaro, advogado especialista da área Tributária Consultiva do escritório Finocchio & Ustra Advogados, destaca que o PLP nº 116/23 apenas limita a transferência do crédito até o valor máximo das alíquotas interestaduais, sem, contudo, obrigar o destaque de forma expressa em seu texto. “Esse aspecto, para muitos contribuintes, pode ser super-relevante sob a ótica da economia tributária”, diz.
As divergências entre a futura lei complementar e o convênio, segundo o advogado Maurício Barros, do Demarest, podem trazer algumas incertezas, “o que pode ser agravado pelo julgamento de novos embargos de declaração opostos na ADC 49”.
O recurso foi apresentado pelo Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), parte interessada (amicus curiae) na ADC 49. A entidade pede que o STF esclareça a possibilidade de aproveitamento dos créditos de ICMS tanto no Estado de origem quanto no Estado de destino, “a critério do contribuinte”.
Além disso, alega que os ministros não trataram, na modulação, sobre cobrança retroativa de ICMS nessas transferências – ressalvando apenas os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão.
No pedido, lembra que a jurisprudência dos tribunais superiores, muito antes do julgamento da ADC 49, “já se orientava no sentido de que de que a mera circulação física de uma mercadoria não gera a incidência do ICMS” (Súmula 166/STJ, Tema 259/STJ, Tema 297/STF e Tema 1099/STF).