Receita deixou de arrecadar R$ 110 bi de IR e CSLL
Por Jéssica Sant’Ana e Beatriz Olivon — De Brasília
A Receita Federal estima que, em média, teria deixado de arrecadar anualmente R$ 110,4 bilhões de Imposto de Renda (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) devido ao que classifica de brechas tributárias. O valor é equivalente a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) médio no período analisado, que foi de 2015 a 2019. Foram R$ 56,4 bilhões por sonegação fiscal ou informalidade e R$ 54 bilhões de valores devidos e não pagos porque estavam em litígio ou processo de cobrança.
O total de R$ 110,4 bilhões representa 37,1% da arrecadação potencial média desses tributos no sistema tributário atual. Ou seja, a receita da União poderia ter sido, em média, de R$ 297,4 bilhões por ano no período, mas efetivamente ficou em R$ 187,1 bilhões, devido a essas lacunas tributárias.
Há, ainda, mais R$ 204 bilhões que o Estado abriu mão de arrecadar devido a renúncias, regimes especiais, benefícios fiscais concedidos ou planejamento tributário das empresas. O valor representa 40,7% da arrecadação potencial padrão, ou seja, da receita que poderia ser possível de se obter (R$ 501 bilhões) em um sistema tributário sem qualquer tipo de benefício e em um ambiente de total conformidade.
Os dados fazem parte do estudo “Gap Tributário do IRPJ e CSLL”, produzido pela Receita Federal em parceria com Fundo Monetário Internacional (FMI). Os números são referentes aos três principais regimes de tributação: lucro real, lucro presumido e Simples Nacional. Empresas financeiras não foram objeto do trabalho.
O relatório é considerado pelos auditores fiscais como um “marco inaugural” para uma futura implementação de uma política permanente de acompanhamento dos chamados “gaps tributários”, ou seja, lacunas e brechas – legais ou ilegais – utilizadas pelas empresas para recolher menos tributos.
Os três principais gaps são: de arrecadação, que é aquilo que as empresas declararam, mas ainda não pagaram; de reconhecimento, arrecadação omitida por sonegação fiscal ou informalidade; e de política, que é aquilo que o Estado abre mão de arrecadar em razão de renúncias fiscais ou que não é arrecadado em razão de planejamento tributário (elisão fiscal).
A Receita Federal dedica parte do estudo para destacar, principalmente, o problema trazido pelo “gap de política”. “O elevado valor se deve não somente à tributação favorecida, característica dos regimes especiais do Simples Nacional e lucro presumido, mas também à frequente existência de planejamentos tributários abusivos envolvendo tais regimes”, aponta.
Os auditores observam que há uma “migração intensiva das empresas mais lucrativas” do lucro real para o lucro presumido, por este ter uma tributação menos pesada às empresas. Tal tese é evidenciada, segundo a Receita, devido ao fato de a lucratividade média das empresas do lucro real no período estudado ter sido de 1,9%, para uma receita total de R$ 8,46 trilhões, enquanto no regime presumido a lucratividade média foi de 30,4% e a receita, R$ 1,32 trilhão.
Outro problema destacado no estudo, e antecipado ontem pelo Valor, é a elevada omissão de receita das empresas do Simples Nacional, devido à informalidade dos pequenos negócios.
Para Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP, pensar em adotar o lucro real como sistema padrão, em detrimento do Simples e do lucro presumido, desconsidera que, por ter custos maiores de conformidade para o contribuinte, o regime é inviável para muitas empresas. “Até se pode debater se o limite do Simples deve ser revisto porque está alto, mas a eliminação por completo para tornar o lucro real como referência para se estabelecer o gap de política tributária me parece um problema”, afirma.
A professora pondera que as hipóteses de não tributação, renúncia de receitas e benefícios que integram esse gap são escolhas que devem ter relação com a realização de valores constitucionais. “A existência de regimes favorecidos para microempresas e empresas de pequeno porte é demanda constitucional.”
Sobra a questão da litigância, que traz impacto para os cofres públicos, Piscitelli considera necessário ter cuidado para não generalizar. A professora destaca que não é possível considerar que o contribuinte só discute porque quer postergar o pagamento de tributos. “O estudo parte de uma premissa de que todas as leis são plenamente constitucionais e não haveria espaço para discussão judicial ou administrativa, o que nem sempre é verdade. Pode haver problema na própria autuação ou ilegalidade que resulte em necessidade de contencioso”, diz.
O fechamento das chamadas “brechas tributárias” tem sido uma das prioridades do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apesar de o estudo ter sido iniciado no governo passado. A equipe econômica busca aumentar a arrecadação para atingir o equilíbrio das contas públicas e, para isso, tem apostado em medidas que façam com que empresas e demais contribuintes que estejam recolhendo menos do que devem, na interpretação do governo, passem a contribuir. É o caso, por exemplo, da taxação dos fundos exclusivos e das offshores e da medida tributária que retomou a diferença de regras na tributação federal para subvenções de custeio e investimento.