TRF-2 derruba autuações por uso de ágio interno
Por Adriana Aguiar e Laura Ignacio — De São Paulo
Empresas estão conseguindo na Justiça derrubar autuações ficais por uso de ágio interno para reduzir o pagamento de tributos federais. Duas recentes decisões foram proferidas pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), com sede no Rio de Janeiro, e beneficiam a Gerdau Aços Longos e a SulAmérica Companhia de Seguro Saúde.
As duas decisões, segundo especialistas, mostram uma tendência no Judiciário. Nos julgamentos, os desembargadores levaram em consideração “leading case” do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema. Em setembro, a 1ª Turma afastou a cobrança de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL por uso indevido de ágio decorrente da incorporação da Cremerpar pela Cremer, ocorrida em 2004 (REsp 2026473).
O ágio interno é gerado por meio de operações entre empresas do mesmo grupo. É um valor pago, em geral, pela rentabilidade futura da empresa adquirida ou incorporada. Como a Lei nº 9.532, de 1997, permite seu registro como despesa no balanço, o valor é amortizado para reduzir a base de cálculo (lucro) do IRPJ e da CSLL. Só a partir da entrada em vigor da Lei nº 12.973, de 2014, a amortização do ágio interno foi vedada.
Em abril de 2021, a Gerdau já havia conseguido anular, no TRF da 4ª Região, sediado em Porto Alegre, um auto de infração no valor de R$ 367 milhões, que tratava de ágio interno. Em 2016, esta e outras cobranças foram mantidas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A soma total das autuações por amortização de ágio interno do grupo chega a R$ 8,7 bilhões, segundo o Formulário de Referência deste ano.
No TRF-2, a discussão da Gerdau girou em torno de reorganização societária que gerou ágio amortizado entre março de 2006 e junho de 2010. Na primeira instância, a Gerdau conseguiu decisão favorável, agora mantida pela 4ª Turma do TRF-2. O relator, desembargador Luiz Antonio Soares, ficou vencido. Ele entendeu que houve uso de empresa veículo para “fabricação de ágio milionário”. Para ele, a operação não teve propósito negocial.
Prevaleceu o voto da desembargadora Carmen Silvia Lima de Arruda. De acordo com ela, o artigo 385 do Regulamento de Imposto de Renda (Decreto nº 3.000) estabelece que operação praticada por empresas do mesmo grupo econômico não descaracteriza o ágio.
Ainda segundo a desembargadora, “não pode se presumir que o ágio interno seja artificial e ilegal, cabendo à Fazenda demonstrar que as operações de reorganização societária foram atípicas, artificiais, não bastando aduzi-las como simuladas com fundamento tão somente na ausência de substrato econômico e sem a participação de partes independentes, vez que não existe tal restrição na legislação tributária aplicável ao caso” (processo nº 0142536-69.2017.4.02.5101).
O caso da SulAmérica também foi analisado pela 4ª Turma. Mas a decisão foi unânime. Segundo o advogado Luiz Henrique Barros de Arruda, sócio-fundador do escritório Barros de Arruda Advogados e representante da companhia no processo, a disputa envolve mais de R$ 100 milhões. “Hoje essa discussão é a de maior valor no Carf porque envolve operações muito comuns na época das privatizações”, afirma.
Arruda explica que, no caso, uma estrangeira, que participava como acionista minoritária de uma das empresas do grupo, vendeu esse investimento para outra companhia no exterior. Essa nova adquirente, porém, decidiu participar da holding. Para isso, aportou ações da sociedade sob seu controle – o que gerou ágio – e permutou com a holding do grupo, da qual se tornou acionista minoritária. Consequentemente, o ágio que a empresa estrangeira tinha incorporado passou a ser amortizado pela empresa que a incorporou.
No julgamento, os desembargadores destacaram que, se a operação foi realizada antes da Lei nº 12.973/2014, não haveria exceção legal à amortização de ágio na forma da Lei nº 9.532/1997. No caso da SulAmérica, a amortização foi realizada nos anos de 2005 e 2006 (processo nº 5034985-37.2020.4.02.5101).
Não pode se presumir que o ágio interno seja artificial e ilegal”
— Carmen Arruda
“Vale destacar que em decisão recente, por unanimidade, a 1ª Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça se posicionou no sentido de reconhecer a possibilidade da amortização de ágio da base de cálculo do IRPJ e CSLL, na forma da legislação vigente na época da aquisição, qual seja, a Lei nº 9.532/97, em um caso em que se observa uso de ‘empresa veículo’ e ágio interno sob o fundamento de que não cabe a presunção quanto à artificialidade do ágio”, afirma em seu voto a relatora, desembargadora Carmen Silvia Lima de Arruda.
Para o advogado Luiz Henrique Barros de Arruda, o que mais chama a atenção na decisão foi o fato de os desembargadores levarem em conta o julgamento da 1ª Turma do STJ. “O acórdão da Corte superior é relevante porque afasta as comuns alegações do Fisco de que a amortização de ágio interno ou apurado por empresas veículo não podem ser dedutíveis do IRPJ e CSLL”, diz. “A partir de agora, os tribunais começam a seguir a mesma linha do STJ.”
O advogado Diego Miguita, do escritório VBSO Advogados, aponta que, no julgamento do STJ, os ministros destacaram que a Fazenda não comprovou que houve fraude ou simulação. “A Receita Federal, em geral, fundamenta a autuação fiscal na ausência de propósito negocial, mas esse não é um critério legal.”
No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), as decisões têm sido desfavoráveis às empresas, muito por conta do voto de qualidade – critério de desempate a favor do Fisco. “Mas, na Justiça, a tendência é que esse mesma orientação [do TRF-2] seja aplicada em outras discussões de ágio”, diz.
De acordo com o advogado Gilberto Alvarenga, sócio da Alvarenga Advogados, o entendimento do TRF-2 também é importante porque os desembargadores acataram a possibilidade de ocorrência de ágio interno, ainda que não envolva uma operação financeira, mas uma operação societária.
Dois aspectos, acrescenta ele, ajudaram a validar as operações: a participação de um terceiro, uma instituição financeira e um laudo do ágio, o que na época ainda não era exigência da lei.
Segundo o tributarista Flávio Eduardo Carvalho, sócio do Maneira Advogados, o escritório tem casos semelhantes e o entendimento do TRF-2 será usado na argumentação desses processos. “Essas decisões reforçam a defesa do contribuinte num tema que sempre foi polêmico no Carf, ao longo dos últimos dez anos”, afirma ele.
Por meio de nota ao Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que vai recorrer das decisões do TRF-2. Destaca ainda que a decisão do STJ no REsp 2026473/SC não pode ser configurada como precedente, “já que não foi proferida sob a sistemática de repetitivos, estando ainda pendente de julgamento de embargos de declaração”.
Procurada pelo Valor, a Gerdau informou que não iria se manifestar.