Reforma tributária: hora de cuidar dos detalhes
Francisco Gaiga
No início de julho, às vésperas da votação da reforma tributária no plenário da Câmara dos Deputados, escrevi um artigo com o argumento de que era o momento de ajustar o foco. A preocupação estava em alertar para o risco de perda de oportunidade de simplificar o sistema e estimular a economia em razão de queda de braço entre municípios, Estados e União.
Agora, passada a aprovação na Câmara, no dia 6 de julho, e iniciada a análise no Senado, é hora de cuidar dos detalhes. A nova etapa pode trazer melhorias ao texto, e as empresas precisam estar atentas ao debate.
No geral, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 45/19, transformada pela emenda aglutinativa apresentada pelo relator, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), garantiu avanços em uma discussão que já somava mais de duas décadas patinando no Congresso. Há redução no número de tributos, respeito ao princípio da cobrança no destino, não cumulatividade e simplificação do sistema.
Vamos por partes. O projeto prevê a substituição de três impostos federais (PIS, Cofins e IPI) pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a cargo da União, e de dois impostos subnacionais (ICMS e ISS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a ser gerido por Estados e municípios.
A CBS e o IBS seguem o moderno modelo de imposto sobre valor agregado, que é não cumulativo. Ou seja, o tributo pago na etapa anterior de uma cadeia produtiva será descontado na etapa seguinte, evitando pagamento acumulado e o aumento do preço final. Além disso, a cobrança do imposto passará da origem (local onde o produto é produzido) para o destino (lugar onde é consumido). São regras que vão simplificar o sistema e tornar mais clara a legislação.
Reconhecidos esses aspectos, é preciso agora avaliar melhor alguns pontos da PEC. Está claro que a inclusão de mais setores nos regimes diferenciados de tributação (uma alíquota reduzida em 60% e uma alíquota zero) terá impacto na alíquota padrão. Prevista para 25%, a alíquota da CBS poderá chegar a 28,04%, segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Será preciso avaliar novamente os regimes de exceção.
Por outro lado, não é possível deixar de levar em conta os questionamentos do setor de serviços, o mais impactado pela reforma. Entidades do ramo querem garantia de limitação do aumento de carga tributária para as empresas e alertam para os riscos embutidos. O segmento de tecnologia, por exemplo, não deveria ser afetado com um forte aumento de alíquota, sob pena de o novo cenário representar desestímulo ao investimento e à inovação em um país que não pode abrir mão de ambos.
Outro ponto que merece atenção é a constituição do Conselho Federativo, um colegiado composto por representantes de Estados e municípios para fazer a gestão compartilhada do IBS. Antes da votação na Câmara, esse órgão foi um dos principais focos de embate entre esferas da administração pública.
Os empresários precisam estar atentos para impedir que esse ente se torne um novo centro de concentração e imposição de poder, custos e burocracia sobre a iniciativa privada. Em um país como o Brasil, esse risco é enorme. Quanto mais leve, direto e simples o sistema de arrecadação, abatimento de créditos e transferência de recursos ao destino, melhor para a economia.
Por fim, descrevo um último item, apenas para quem possa considerar que estou exagerando: a reforma que visa a enxugar tributos conseguiu abrir brecha para um novo imposto na última hora, momentos antes da votação final. Diz o artigo 20 da emenda: “Os Estados e o Distrito Federal poderão instituir contribuição sobre produtos primários e semielaborados, produzidos nos respectivos territórios, para investimento em obras de infraestrutura e habitação”. Alguma dúvida de que é preciso manter a guarda levantada?
Francisco Gaiga
Advogado tributarista.