Sistema tributário e cobrança desproporcional de impostos torna Brasil um dos países mais desiguais do mundo

No Congresso Nacional, a tramitação da reforma tributária tem avançado com rapidez, dado que o governo tornou o assunto umas das prioridades para o primeiro ano da gestão. No entanto, para diversos setores, o tema é uma pendência de longa data, que tem causado prejuízos ao Brasil. O auditor fiscal da Receita Estadual de São Paulo e presidente da Associação Nacional de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Rodrigo Spada, relembra que o Código Tributário Nacional (CTN) vigente é de 1966, época da ditadura militar — e que a economia brasileira sofreu grandes mudanças nos últimos 50 anos. A avaliação de Spada é de que o modelo atual tem sido responsável por tornar o Brasil uma das nações mais desiguais do mundo, na medida em que o sistema tributário funciona como um “Robin Hood às avessas”, cobrando impostos excessivamente dos mais pobres e desonerando os mais ricos. Segundo o Relatório de Desigualdade Mundial de 2022, o Brasil é um dos países mais desiguais países do mundo. Os dados revelam que os 10% mais ricos captam 59% da renda nacional total, enquanto a metade mais pobre da população fica com apenas cerca de 10%. O relatório mostra que programas governamentais de distribuição de renda contribuíram para a redução da desigualdade salarial nos últimos 20 anos. Apesar disso, especialistas consideram que, na ausência de uma grande reforma tributária e agrária, a desigualdade geral de renda permaneceu praticamente inalterada, com os 50% mais pobres captando cerca de 10% da renda nacional, e os 10% mais ricos, cerca de metade dela. “O mundo mudou, se modernizou e nós ainda estamos adotando um sistema tributário feito para economias fechadas e industriais”, analisa Spada De acordo com o auditor fiscal, “hoje, nossa economia é aberta, globalizada e com uma base muito maior. O setor de serviços, por exemplo, ganhou um peso econômico que não tinha antes. Nossa busca, enquanto agentes do sistema fiscal, é por uma sociedade mais justa, mais equilibrada. Queremos que a economia cresça e que a gente tenha uma distribuição melhor da carga tributária”. Spada ainda reforça que, “nosso país é um dos mais desiguais do mundo e não é à toa. Fazemos muita força para ser assim por conta do nosso sistema tributário, que tributa excessivamente os mais pobres e desonera os mais ricos. É um modelo que funciona ao contrário do que a boa técnica”. Assim, o especialista avalia que “o certo seria preservar a capacidade contributiva. Isso quer dizer que quem pode mais tem que pagar mais. Quem pode menos deve pagar menos. Mas, no Brasil, acontece o contrário. Então, o sistema tributário acaba acentuando as desigualidades” O auditor ainda reforça que “ele [o sistema tributário] trabalha com um vetor de acumular renda ao invés de distribuir. Gastamos horas interpretando a lei e discutindo em litígio. Mas a função do Fisco não deveria ser legislar, deveria ser arrecadar e favorecer o desenvolvimento econômico. Com uma legislação boa, poderíamos trabalhar favoravelmente a economia”. De acordo com dados revelados pela Receita Federal, aproximadamente 70% da arrecadação do ano de 2021 esteve ligada a impostos de consumo e folha de pagamento, sendo 44,02% referentes à tributação sobre bens e serviços, e 25,52% sobre salários. Spada esclarece que este tipo de tributação incide mais sobre a população com menor poder aquisitivo. “Em geral, o maior quantitativo de pessoas que recebem salário são aqueles com baixa escolaridade ou menor renda. Porque os mais ricos ganham dividendos, rendas do capital financeiro, são empreendedores e possuem outros tipos de rendimentos. Então, temos uma arrecadação muito alta ligada ao capital do trabalho e um percentual baixo que vem da renda”. Entende-se que, “além disso, o consumo, que corresponde a cerca de 45% da arrecadação, pesa mais sobre os mais pobres. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) tributa em 18%, enquanto o Imposto Sobre Serviços (ISS) tributa 2%”. Spada ainda reforça que “nós sabemos que as famílias de alta renda consomem proporcionalmente mais serviços ,e as de baixa renda gastam quase tudo com bens e mercadorias, como alimentação, remédio, energia elétrica. Então, a tributação é muito mais alta nas classes mais baixas de renda. Nosso sistema é muito injusto e possui muitas distorções que buscam atender aqueles com mais poder”. Cobrança de heranças O auditor complementa que a maioria dos brasileiros ricos vêm de famílias abastadas. Por isso, suas fortunas são provenientes de herança. Ele pondera que a tributação sobre este patrimônio poderia ser uma forma de distribuir melhor a renda, assim como é feito em países desenvolvidos. A maioria dos países desenvolvidos chega a cobrar entre 40% e 50% em impostos para a transferência da herança, podendo chegar a 80% no caso da Bélgica. Enquanto isso, o percentual máximo no Brasil é de 8%. Por esse motivo, a reforma tributária se torna cada vez mais urgente para resolver o problema de desigualdade no Brasil, além de melhorar a economia do país como um todo. A aprovação da medida pelo Congresso pode fazer com que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresça 20,2% em 15 anos, de acordo com o economista e pesquisador-associado do IBRE/FGV, Bráulio Borges. O economista estima que este crescimento pode chegar a 24% devido ao aumento da produtividade total e dos investimentos em ativos fixos. Além disso, o aumento da receita tributária anual pode chegar à casa R$ 750 bilhões em 15 anos e pouco mais de R$ 900 bilhões no longo prazo. Borges também avalia que a reforma tributária poderia resultar em efeitos indiretos, resultantes da redução do risco no país e da taxa de juros de longo prazo relacionados à redução da relação dívida pública/PIB num cenário de maior crescimento do PIB potencial. Spada complementa que três fatores são essenciais para uma reforma tributária eficiente: Não-cumulatividade plena; Base ampla; Tributação no destino. O princípio da não-cumulatividade prevê que não haja um acúmulo de tributação sobre bens e serviços para que a produção nacional não sofra com a perda da competitividade. A alíquota do imposto incide somente no valor que for adicionado em cada etapa da cadeia de produção. Enquanto isso, a base ampla considera que serviços e mercadorias devem ser tratados sem diferenciação na cobrança de tributos sobre o consumo. O auditor ressalta que os serviços, em geral, são consumidos com maior frequência por pessoas com maior poder aquisitivo, enquanto a compra de mercadorias é mais frequente entre a população com menor nível de renda. E a tributação no destino, ao contrário do que é realizado atualmente, determina que o imposto seja retido no Estado em que o consumo foi realizado, não naquele em que a empresa produtora/fornecedora está localizada. “Isso diminui com a desigualdade regional e acaba com a guerra fiscal, que é um problema gravíssimo que temos no modelo atual, porque os Estados ficam tentando pegar a arrecadação do outro, ao levar as empresas para dentro dos seus territórios”. Para Spada, “se nós adotarmos o modelo do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) com esses critérios, imaginamos que, com uma carga tributária de aproximadamente até 25%, vamos conseguir arrecadar o mesmo que atualmente, desonerando as importações e investimentos”. O auditor acredita que, “o Brasil vai ganhar competitividade, os preços dos produtos vão baixar frente aos importados e vamos desenvolver a economia local. Além disso, teremos melhorias na distribuição da carga tributária entre as classes de renda da população”, esclarece. Além disso, ele complementa dizendo que esses fatores, somados ao mecanismo do cashback, ajudam a diminuir a tributação das famílias de baixa renda e, consequentemente, a combater as desigualdades sociais.

Fonte: JP News

Data da Notícia: 16/06/2023 00:00:00

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