Lei impõe novas obrigações para multinacionais
Por Bárbara Pombo, Valor — Brasília
A partir de janeiro de 2024, as multinacionais passam a ser obrigadas a aplicar as novas regras de preço de transferência fixadas pela Lei nº 14.596, que foi publicada ontem. Aguardada pelo mercado, ela é fruto da conversão da Medida Provisória (MP) nº 1.152, editada no fim do ano passado.
Além de alinhar as regras brasileiras ao padrão internacional da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), especialistas apontam que, com as mudanças, evita-se a dupla tributação, no Brasil e no país estrangeiro.
O preço de transferência é como se chama a forma de apuração de parte do lucro das multinacionais para o pagamento do Imposto de Renda (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Vale para as empresas que realizam transações no exterior com partes relacionadas, como coligadas, filiais ou sucursais.
É um conjunto de métodos criados pela Receita Federal para indicar o valor que uma empresa pode pagar por um bem ou serviço transferido por companhia vinculada a ela, instalada em outro país. O objetivo é evitar concorrência desleal e redução do pagamento de imposto no Brasil por meio de transferência de resultados para o exterior.
Segundo especialistas, a nova lei instituiu o regime de “arm’s lenght”, adotado nas principais economias do mundo, no qual preços de transferência seguem um padrão de mercado.
Por outro lado, dizem, a lei amplia o escopo de aplicação dos preços de transferência — não mais apenas para mercadorias e serviços, mas também para ativos intangíveis, como marcas, tecnologia e desenho industrial.
Leonardo Freitas de Moraes, especializado em tributação internacional e sócio do VBD Advogados, destaca que garantias em empréstimos e até operações societárias intragrupos passam a estar sujeitas à avaliação do preço de transferência.
“Uma empresa que compra uma participação de uma empresa do grupo deve apurar para ver se a transferência está no valor de mercado. Gera preocupação porque a riqueza não foi externalizada. Só está passando o controle, tudo dentro de casa”, afirma.
A aplicação das novas regras para este ano será opcional. “A maioria das grandes empresas já vem se dedicando ao estudo dos impactos, inclusive por demanda de suas controladoras estrangeiras. A questão em discussão é se vale a pena antecipar a aplicação para 2023”, diz a advogada Ana Lucia Marra, sócia da área de tributação internacional do Machado Associados.
O prazo para decidir pela aplicação antecipada será curto, de acordo com a advogada. A decisão deve ser feita pelo contribuinte entre os dias 1º e 30 de setembro, segundo Instrução Normativa nº 2132, publicada pela Receita Federal em fevereiro — portanto, durante a vigência da MP.
O problema, diz a especialista, é que a lei é bastante genérica em diversos pontos. “Espera-se que outra instrução normativa da Receita Federal esclareça alguns aspectos da aplicação prática das novas regras”, afirma. Procurada pelo Valor, a Receita não deu retorno até o fechamento da edição.
Um dos pontos ainda a ser esclarecido é sobre o método para cálculo do preço de transferência a ser aplicado, segundo o advogado Bernardo de Lacerda Souza Machado, do Villemor Amaral Advogados. Até então, o contribuinte podia escolher livremente entre os métodos previstos, que já tinha uma fórmula de cálculo individualizada para cada um deles. “Agora, os métodos são definidos de forma mais principiológica e não são previstas as margens de lucro a serem aplicadas”, explica.
Pela nova lei, a escolha do método deve ser o mais apropriado para a operação. “O que pode ser questionado. Se você escolhe um método e a Receita entende que o mais apropriado para aquela transação é outro, pode gerar uma autuação fiscal”, diz Machado, acrescentando que a regulamentação da norma é necessária para a determinação do método ser feita em bases mais objetivas.
Advogados ainda destacam, em uma economia cada vez mais digital, a importância de ativos intangíveis — normalmente remunerados por royalties — serem incluídos nas regras de preços de transferência. A nova lei revoga as antigas regras de dedutibilidade de royalties para IRPJ e introduz novas. As diretrizes revogadas, afirma Ana Lucia, são baseadas em uma legislação da década de 1960.
“Por conta delas, as empresas usualmente têm contratos de licenciamento de marcas e patentes e assistência técnica alinhados aos limites de dedutibilidade que, agora, precisarão ser revistos para verificar se ainda fazem sentido e como esses ativos intangíveis devem se enquadrar nas novas regras de preços de transferência”, diz.
Havia uma previsão, na medida provisória, que restringia a dedutibilidade do imposto de royalties pagos para beneficiários em paraíso fiscal ou tributação favorecida. “Não existe mais essa previsão na lei”, aponta a advogada.