Governo pode elevar receitas com disputas bilionárias de PIS/Cofins
Por Beatriz Olivon — De Brasília
Disputas judiciais envolvendo o PIS e a Cofins podem se transformar em uma boa fonte de receita para União. Estão em jogo, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF), R$ 635,4 bilhões – distribuídos entre 11 teses. Esse valor representa mais da metade do risco previsto pelo governo para os casos tributários relevantes nos tribunais superiores, que é de R$ 892,8 bilhões, de acordo com o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024.
Esse número referente aos casos de PIS e Cofins era ainda maior. Foi retirada dos riscos fiscais a discussão sobre créditos das contribuições sociais sobre insumos, analisada em 2018 pelo STJ. A União considera uma vitória o entendimento adotado pelo ministros da 1ª Seção, chancelado pelo Supremo, e riscou da conta R$ 472,7 bilhões (REsp 1221170).
O volume de disputas é alto, segundo tributaristas, porque o PIS e a Cofins, desde sua criação, sempre foram usados pela União para elevar rapidamente a arrecadação, por meio de alterações na legislação. Não é preciso, explicam, esperar um ano para a entrada em vigor de eventual mudança (anterioridade anual), apenas 90 dias (noventena).
“Todas as grandes discussões tributárias vão ao redor do PIS e da Cofins”, afirma a advogada Priscila Faricelli, sócia do Demarest Advogados, acrescentando que o momento é favorável à União. A percepção, diz, é de que há agora um peso político grande nos julgamentos. “Além disso, o Supremo está perto de mudanças na sua composição [com as saídas de Ricardo Lewandowski e de Rosa Weber, ambos por idade] e se observa, pelos últimos anos, que não há preocupação em manter o racional da jurisprudência.”
O governo, de acordo com Gustavo Fossati, professor da FGV Direito Rio e pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito e Economia (CPDE), vai tentar tirar dinheiro dessas discussões. Os sinais, diz, são de que a União não vai conseguir naturalmente com a economia obter todo o volume de receitas que precisa tendo em vista o arcabouço fiscal. “Por isso, deve pressionar muito nas discussões tributárias.”
Para ele, o relatório sobre riscos fiscais confirma o que já se sabia: “PIS e a Cofins são altamente problemáticos”. Os números das disputas judiciais, acrescenta, reforçam a necessidade de extinguir esses tributos – seja criando a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) ou o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
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A reforma tributária, afirma, pode aumentar a arrecadação, extinguindo os litígios. “Se a reforma trouxer um nível significativo de simplificação e mais clareza e facilidade, as empresas vão entender melhor e pagar”, diz.
Jorge Rachid, consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal, também defende uma proposta de reforma tributária que revise esses tributos, assim como ICMS e ISS. É a ideia do “Simplifica Já” (PEC n 46, de 2022). “Não vamos resolver todos os problemas, mas 80% poderiam ser resolvidos”, afirma.
Enquanto a reforma não é aprovada, o que se projeta, segundo Gustavo Fossati, é que, em razão das metas fiscais do governo federal, o contribuinte possa acabar perdendo a maior parte das teses tributárias que vierem a ser julgadas nos tribunais superiores.
Em abril de 2022, a União obteve importante vitória no STJ, no valor de R$ 31 bilhões – que fazem parte dos R$ 635,4 bilhões em jogo. Os ministros decidiram que as empresas tributadas pelo regime monofásico não têm direito a créditos de PIS e Cofins. Ainda tramita um pedido de recurso ao STF. Mas é possível que a questão não avance, já que ministros do Supremo já consideraram o tema infraconstitucional no passado – ou seja, a palavra final seria do STJ.
Apenas esse caso no STJ sobre PIS e Cofins está listado nos riscos fiscais. Os dez restantes estão no STF, alguns aguardando há décadas para serem julgados. E não há, por ora, previsão de data de julgamento para as discussões.
Um dos casos estava praticamente resolvido no Plenário Virtual, mas terá que ser reiniciado em razão de pedido de destaque, para levar a questão ao plenário físico. Trata da tributação por PIS e Cofins de créditos presumidos de ICMS decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal. O impacto da tese é estimado em R$ 16,5 bilhões. Em 2021, seis ministros (sendo dois aposentados) votaram a favor dos contribuintes e cinco contra (RE 835818).
Outros três casos começaram a ser julgados. Um deles trata da tributação do PIS e Cofins das instituições financeiras. O impacto da tese é estimado em R$ 115,2 bilhões. Em 2022, o relator, ministro Ricardo Lewandowski, deu razão à tese das instituições financeiras de que têm direito a recolher as contribuições sobre uma base menor do que a pretendida pela União (RE 609.096 e RE 880.143)
Os outros processos que tiveram votos tratam de uma discussão típica do PIS e da Cofins: a inclusão de outros tributos nas suas bases de cálculo. Está suspenso desde 2021 o julgamento de processo sobre a possibilidade de retirada do ISS. Por enquanto, está empatado, com quatro votos em cada sentido. O valor da tese é estimado em R$ 35,4 bilhões (RE 592.616).
No processo sobre a inclusão de crédito presumido de IPI na base de cálculo do PIS e da Cofins, há um voto. Por enquanto, o único voto foi do relator, ministro Luís Roberto Barroso. Ele se posicionou a favor do contribuinte. Esse caso não tem valor estimado pela União (RE 593.544).
“Porém, no momento em que estamos, esse julgamentos têm destino incerto”, afirma Priscila Faricelli, do Demarest Advogados. Mesmo com três casos iniciados e um com maioria, acrescenta, a insegurança para o contribuinte é muito grande, em razão da pressão política.
Para o economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, “em um cenário pessimista, em que o Judiciário decidisse, em boa parte desses litígios, numa mesma direção contrária à União, o que me parece pouco provável, pode-se antecipar que algum tipo de modulação ou distribuição desses fluxos no tempo seria endereçada”.
Os valores estimados para os litígios envolvendo PIS e Cofins poderiam ser reduzidos, no caso de uma eventual fusão dos dois tributos, segundo Salto, que foi o primeiro diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI). “Nada garante, entretanto, que esses passivos contingentes vão desaparecer”, afirma ele, acrescentando que redução dos valores vai depender das regras de transição de um sistema para outro, além de como os contribuintes reagirão às mudanças.
Professor da FGV EBAPE, Istvan Kasznar entende não há como estimar o percentual de recursos que pode ser efetivamente recuperado pela União nessas disputas envolvendo o PIS e a Cofins. “Continuamos querendo criar ‘revoltas da derrama’ e o Estado fica todo engessado sem conseguir receber e a iniciativa privada sem conseguir pagar.”