Receita pode arrecadar milhões com venda de criptoativos por corretoras estrangeiras
Por Toni Sciarretta — De São Paulo
Além das plataformas de e-commerce estrangeiras e dos sites de apostas, a Receita Federal mira também a arrecadação tributária da negociação de criptoativos em corretoras estrangeiras, com um potencial de cerca de R$ 500 milhões por ano. Considerados produtos digitais importados, a maior parte do que é negociado nessas plataformas, normalmente por pessoas físicas, passa ao largo da tributação, de forma semelhante ao que ocorre no comércio eletrônico que foi alvo de contestação das varejistas nacionais sob argumento de concorrência desleal.
Nas negociações de criptomoedas, apenas uma pequena fração das transações feitas por meio das plataformas estrangeiras é declarada, geralmente, aquelas feitas por gestoras de recursos e por family-offices. O investidor pessoa física que opera por meio dessas plataformas fica encarregado de recolher o imposto – pela emissão do documento fiscal “Darf” -, que incide basicamente sobre ganho de capital, em transações com valor superior a R$ 35 mil.
No ano passado, as importações declaradas de criptomoedas somaram R$ 7,5 bilhões e junto com objetos de pequenos valores chegaram a R$ 20,64 bilhões, com forte impacto na balança comercial. Isso é apenas uma pequena parte do mercado de criptomoedas no país, estimado em R$ 50 bilhões no ano passado – desse total, até 70% foi negociado por meio das plataformas estrangeiras.
Como no caso do e-commerce, o problema maior da Receita é como operacionalizar essa tributação, uma vez que as plataformas estrangeiras ainda não são obrigadas a ter domicílio fiscal no país. Isso deverá ocorrer quando entrar em vigor o chamado marco legal das criptomoedas, que passa a valer a partir de junho. A implementação depende ainda de um decreto presidencial, quando deverá ser criada a figura das chamadas Vasps, as provedoras de serviços de ativos digitais que deverão ter registro obrigatório no país.
A Abcripto, associação que representa as corretoras de criptoativos locais, é defensora da tributação das rivais estrangeiras, como a Binance, que chegou a ter 70% dos negócios com bitcoin, sob argumento de uma competição mais leal no setor de ativos digitais. O tema virou uma das principais bandeiras da entidade.
As exchanges brasileiras precisam reportar para a Receita Federal as posições financeiras dos clientes, cujos dados poderão mais tarde ser confrontados com as informações prestadas pelos contribuintes. Já as exchanges domiciliadas fora do país ainda não têm essa obrigação, o que abre brecha para sonegação.
Estudo feito pela consultoria LCA mostra que o setor de ativos digitais faturou entre R$ 1,4 bilhão e R$ 1,7 bilhão em 2021, último dado consolidado. Desse total, R$ 719 milhões (42,2%) corresponderam às plataformas estrangeiras, que não são tributadas. Com a chamada “internalização” desses negócios, que virá ainda este ano com a regulamentação infralegal, o setor que já contribuiu em 2021 com R$ 314 milhões em tributos somaria mais R$ 247 milhões.
“Estamos falando de uma arrecadação de cerca de R$ 500 milhões em 2023. Queremos isonomia na competição. Nossos concorrentes não declaram nem pagam impostos”, diz Bernardo Srur, presidente-executivo da associação das corretoras locais.
A Receita Federal deixa de arrecadar cerca de R$ 78 milhões por ano apenas com o Imposto de Renda (IR) que não é pago nas transações por meio das plataformas estrangeiras, segundo estimativa da LCA. Em 2021, os atuais contribuintes recolheram R$ 107 milhões em IR.
O maior potencial de arrecadação, no entanto, diz respeito às tributações de operações cambiais, de cerca de R$ 107 milhões nessas plataformas, segundo a LCA. As corretoras locais contribuíram com R$ 122 milhões. A prestação de serviços somou R$ 85 milhões e deve totalizar mais R$ 62 milhões com a internalização dos negócios das estrangeiras.
Para Thiago Barbosa Wanderley, sócio do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados, por mais que seja editada uma norma que imponha tributação contra uma exchange estrangeira, o governo não consegue realizar o “enforcement” da regra, tendo em vista que não possui autoridade para executar aqueles que estão fora do território nacional.
“A única forma de alcançar por meio da tributação as operações realizadas em exchanges estrangeiras seria encontrar um elo que possua vínculo com o Brasil. Na prática, o elo se dá por meio dos próprios investidores ou por pessoas jurídicas que atuam como intermediários das operações entre investidores brasileiros e a exchange”, afirma.
Uma das opções seria impor uma maior responsabilidade tributária às pessoas jurídicas intermediárias, que viabilizam depósitos e saques via Pix para as exchanges do exterior. Mas isso dependeria da edição de novas regras e de atribuições adicionais a esses intermediários.
Gisele Bossa, sócia do Demarest Advogados, diz que as autoridades fiscais de diferentes países trabalham de forma conjunta para fechar o cerco à sonegação por meio das plataformas de criptoativos. Ela acrescenta não ter conhecimento ainda de autuações fiscais no Brasil decorrentes da falta de declaração à Receita que tenha sido originada a partir da troca de informações com outras autoridades.
“Na prática, o contribuinte pode buscar países que não tenham regulamentado o tema, mas com a ampla adesão aos acordos de assistência mútua para troca de informações financeiras e fiscais e para fins de evitar a lavagem de dinheiro, o tema está no radar e na agenda global da OCDE e dos estados aderentes”, afirma.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal preferiu não comentar o assunto. A Binance, maior corretora estrangeira no país, diz que atua em acordo com o cenário regulatório do Brasil e mantém permanente diálogo com as autoridades para desenvolvimento do setor. “A Binance reforça que cada cidadão tem a responsabilidade de recolher seus impostos de acordo com as determinações das autoridades fiscais brasileiras”, afirma.