Transições tributárias: o que esperar de 2023
Valter koppe
Atenta leitora, atento leitor, o título não está errado. Minha intenção não é abordar o instituto presente no artigo 171 da Lei 5.172/66, o nosso Código Tributário Nacional. O assunto “transações tributárias” continuará em alta, especialmente porque os efeitos econômicos da pandemia ainda persistirão por um bom tempo.
Minha ideia aqui é mesmo abordar e torcer para que, a partir do próximo ano, a ideia da progressividade na tributação possa permear as discussões da reforma tributária, que, com certeza, voltará à pauta.
A inspiração veio da leitura do livro “Progressividade Tributária e Crescimento Econômico”, sob coordenação do professor e pesquisador do IBRE Manoel Pires, disponibilizado pelo Observatório de Política Fiscal, entidade ligada à FGV que foi criada para fomentar as discussões acerca das finanças públicas, nas quais não podem faltar as questões tributárias e fiscais.
Logo na introdução do livro, o autor coloca as dificuldades existentes em se implantar um modelo progressivo de tributação, tanto no aspecto econômico como, principalmente, nos aspectos políticos e sociais.
Hoje sabemos que o modelo tributário brasileiro é essencialmente regressivo, ou seja, a maior parte dos tributos arrecadados não leva em conta a capacidade contributiva do sujeito passivo: tributa-se a todos da mesma forma. Isso se dá através dos chamados impostos indiretos, como, por exemplo, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e outros.
Em outras oportunidades, já abordei aqui o quão desproporcional e injusta é a tributação que não leva em conta quem está arcando com o ônus.
Costumo citar um exemplo, apenas para fins didáticos, no qual apresento a hipótese de um determinado alimento que custa R$ 50 e tem uma tributação embutida de R$ 10. Esse mesmo alimento é adquirido por um cidadão que ganha R$ 2.000 por mês e também por um outro que recebe R$ 50.000 por mês.
Embora ambos paguem o mesmo tributo de R$ 10, esse valor, para quem ganha menos, representa 0,5% de sua renda, enquanto para quem ganha mais no nosso exemplo representa apenas 0,02%.
É assim que funciona, no bolso do cidadão, a tributação regressiva.
Por isso usei o termo transição no título do artigo. É disso que precisamos: caminhar para um modelo no qual a maior parte da arrecadação tributária venha de impostos diretos, como os que incidem sobre a renda e o patrimônio.
Como também já abordei em outras oportunidades, nosso modelo de tributação é a principal causa para que tenhamos uma das piores distribuições de renda do planeta.
Todos os países que têm distribuição de renda pior que o Brasil estão no continente africano, ainda que tenhamos, como gosto de enfatizar, uma carga tributária no padrão belga.
No sistema tributário brasileiro, inclusive em termos de imposto sobre a renda, nas palavras do professor Manoel Pires, temos “iniquidade vertical (quem recebe mais paga menos) e iniquidade horizontal (pessoas com mesmo nível de renda sofrem incidência de tributação completamente diferentes)”.
E, hoje, um dos principais motivos, na seara do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) , vem da isenção total na distribuição de lucros e dividendos, o que faz com que a alíquota efetiva do IRPF dos 1% mais ricos do país seja de apenas 5,25%, conforme números de 2019 do próprio fisco.
Claro que mexer com privilégios sempre gerou argumentações em contrário, falácias e reações.
Extraio do próprio livro citado anteriormente um exemplo trazido até como anedótico, mas verídico, para entendermos melhor essas reações.
Na Inglaterra do século XVII, o rei William III instituiu o imposto sobre janelas. Isso mesmo! A forma de quantificar que uma habitação tinha um padrão elevado, contava com mais cômodos, era obtido pelo número de janelas.
E isso era uma progressividade, quanto mais alto o padrão da residência, quanto mais janelas, mais imposto era cobrado. Eis que a reação não tardou a ocorrer, com o tempo, muitas famílias reduziram o número de janelas de suas residências com o objetivo de pagar menos impostos.
Não tardou para que a insalubridade das residências começasse a causar diversas doenças.
Dá para antever que a transição para um modelo efetivamente progressivo encontrará resistências e esperneios os mais diversos. Mas valerá a pena tentar!
Valter koppe
Auditor-Fiscal aposentado com 25 anos de experiência no Imposto de Renda da Pessoa Física junto à Receita Federal do Brasil, participante da equipe técnica de testes e elaboração dos programas e aplicativos do IRPF de 1997 a 2019; membro da equipe técnica de elaboração e revisão do caderno de perguntas e respostas do IRPF – “perguntão” de 2015 a 2019, palestrante técnico sobre os temas do IRPF em unidades da Receita Federal, faculdades, entidades e público em geral. Idealizador e fundador do serviço de treinamento, consultoria e assessoria “Doutor Imposto de Renda” - www.doutorir.com e apresentador do podcast “Pílulas do Dr. Imposto de Renda” - pilulas.doutorir.com.