Supremo admite erro e anula decisão sobre cobrança de ITBI
Por Joice Bacelo — Do Rio
O Supremo Tribunal Federal (STF) cancelou decisão que estabelecia como regra para o pagamento de ITBI o momento do registro do imóvel em cartório. Os ministros voltaram atrás – um ano e meio depois de fixar a tese – por uma “confusão” processual. Perceberam que o caso em discussão não tratava exatamente da matéria que haviam deliberado.
A Corte decidiu reexaminar o tema em repercussão geral, com efeito vinculante para todo o Judiciário. A decisão foi tomada na sexta-feira por meio do Plenário Virtual e não há ainda uma data definida para esse novo julgamento.
Com a anulação, continuam valendo as leis municipais que determinam o recolhimento do ITBI em momento anterior ao do registro – como na assinatura do termo de compromisso de compra e venda. As prefeituras costumam cobrar de 2% a 3% do valor do imóvel.
Só São Paulo arrecadou cerca de R$ 3,5 bilhões com esse imposto no ano passado, o que representou 5% de toda a receita do município. Já neste ano, nos seis primeiros meses, entrou nos cofres públicos R$ 1,45 bilhão – 3,5% de todas as receitas.
Mas a possibilidade de atrasar o pagamento para o registro em cartório teve impacto. “Vem gerando acumulação de transmissões intermediárias, chegando a 8% das transmissões de imóveis em algumas cidades brasileiras”, diz Ricardo Almeida, assessor jurídico da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf).
A exigência antecipada do ITBI está presente em todos os municípios brasileiros e na legislação federal que rege a atuação de tabeliães e registradores, segundo Almeida. “Afirma o princípio da praticidade fiscal e da prevenção à evasão tributária”, ele frisa.
Os ministros haviam analisado a matéria, por meio do Plenário Virtual, em fevereiro de 2021. Eles entenderam, naquela ocasião, que o processo em julgamento discutia a cobrança de ITBI sobre compromisso de compra e venda de imóvel. Mas, na verdade, o caso envolve cessão de direitos relativos ao compromisso de compra e venda.
O contribuinte, nesse caso, adquiriu um imóvel na planta. Ele assinou uma promessa de compra e venda com a incorporadora. Só que antes de o prédio ficar pronto e o apartamento ser entregue, esse contribuinte transferiu o seu direito aquisitivo para um terceiro.
A discussão que está em jogo, portanto, é se nesse momento, em que houve a cessão de direito de compra de um para o outro, incide ITBI.
O primeiro adquirente levou o caso ao Judiciário depois de a incorporadora informar que só poderia elaborar a escritura do imóvel em favor do segundo, se comprovado o pagamento de ITBI sobre a cessão de direitos. A exigência foi feita com base na legislação de São Paulo, onde está localizado o imóvel.
O Tribunal de Justiça do Estado (TJSP) se posicionou contra a cobrança e o município recorreu, então, ao STF. A principal alegação é de que a Constituição Federal prevê a incidência de ITBI sobre cessão de direitos de aquisição de bem imóvel ou de direitos reais sobre imóveis. Consta, expressamente, no artigo 156.
No STF, ocorreu o que vem sendo chamado, no meio jurídico, de “Plenário Virtual duplo”. Os ministros votaram sobre a repercussão geral – se o tema deveria ser julgado com efeito vinculante – e, já naquele momento, deliberaram sobre o mérito.
O presidente da Corte, ministro Luiz Fux, que incluiu o caso para votação no Plenário Virtual, propôs aos demais ministros a “reafirmação da jurisprudência”. Ele citou diversas decisões monocráticas e de turma afirmando que a exigência do ITBI ocorre com a transferência efetiva da propriedade.
A decisão foi unânime. Os ministros fixaram a seguinte tese: “O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”.
Os ministros começaram a ter dúvidas sobre esse resultado quando o município de São Paulo apresentou o primeiro recurso de embargos de declaração. Os procuradores alertaram que o caso não tratava sobre compromisso de compra e venda e que em relação à cessão de direitos – que estava em discussão – não havia jurisprudência na Corte.
Esse primeiro recurso foi negado por maioria de votos. O município apresentou, então, o segundo e o placar virou a seu favor. Sete dos onze ministros votaram para desfazer a decisão que aplicava a “reafirmação da jurisprudência”.
O novo entendimento foi capitaneado por Dias Toffoli. Ele destaca, em seu voto, que os precedentes citados por Fux como formadores de jurisprudência tratam da cobrança do ITBI sobre compromisso de compra e venda de imóvel ou de promessa de cessão de direitos.
“Considero que a tese fixada não abrange a hipótese nos autos, que versa sobre cessão de direitos”, diz. “A distinção é deveras importante”, acrescenta, chamando a atenção que a Constituição Federal prevê essa hipótese como tributável.
Acompanharam o entendimento os ministros Ricardo Lewandowski, Edson Fachin, André Mendonça, Nunes Marques, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Já o presidente Luiz Fux e as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia mantiveram a posição de que já há jurisprudência dominante na Corte sobre o tema.
A maioria votou para cancelar a “reafirmação da jurisprudência”, mas manteve a repercussão geral. O tema, então, será novamente analisado e a decisão, quando proferida, terá efeito vinculante para todo o Judiciário (ARE 1294969).
“O fato gerador que está se discutindo é a transferência de uma promessa de compra e venda já assinada. Os ministros vão decidir se incide ITBI e em qual momento”, observa Henrique Gallo, sócio do Orizzo Marques Advogados.
Ele entende que o STF vem demonstrando, ao longo dos anos, que a incidência do imposto depende do registro em cartório e vê como uma “reviravolta muito grande” a possibilidade os ministros entenderem de forma diferente desta vez.
Já para a advogada Nina Pencak, do escritório Mannrich e Vasconcelos, o voto do ministro Toffoli – acompanhado integralmente por seis ministros – abre essa porta. Ela vê como um “grande indício” de que serão reconhecidas como constitucionais as leis municipais que preveem o ITBI sobre a cessão de direitos de aquisição, mesmo nas hipóteses em que não há transferência de propriedade registrada em cartório.
A Procuradoria-Geral do Município afirma, por meio de nota, que a decisão do STF “transcende a tributação de São Paulo” e “restaura importante regra matriz constitucional do ITBI para todos os municípios do país”.
Frisa que os ministros restabeleceram os limites corretos da matéria tratada no processo, reconheceram que não há jurisprudência sobre o tema e permite que sejam realizados “aprofundados debates” sobre o imposto. Além disso, consta na nota, o novo entendimento restringe “decisões que vinham sendo indistintamente prolatadas aplicando a tese para afastar a cobrança do imposto em situações tributáveis”.