Unimed-Rio fecha acordo com a PGFN para liquidar dívida de R$ 2 bilhões

Por Beatriz Olivon — De Brasília


Mariana Lellis Vieira: revisão da capacidade de pagamento pode acontecer internamente, sem judicialização — Foto: Divulgação

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Unimed-Rio fecharam uma negociação para liquidar uma dívida de cerca de R$ 2 bilhões em impostos. Os descontos na transação tributária fechada, sobre juros e multa, chegam a 45% do valor. Para viabilizar o acordo, foi necessário revisar a capacidade de pagamento da empresa, negociar com a operadora que assumiu suas operações e utilizar um imóvel como garantia.

No ano passado, a carteira de clientes da Unimed-Rio foi assumida pela Unimed Federação do Estado do Rio de Janeiro (Ferj). A empresa deixou de atuar como operadora de planos de saúde e continuou suas atividades apenas como prestadora de serviços de saúde. Por isso, foi preciso incluir na negociação a sucessora, no caso a Unimed Ferj, o que é incomum nos acordos de transação tributária.

Na negociação, ficou estabelecido que parte do pagamento, cerca de R$ 500 milhões, será feito em dinheiro. Também haverá uso de prejuízo fiscal. Os débitos previdenciários serão parcelados em 60 meses e os não previdenciários em 145 meses. Foi dado como garantia um imóvel onde funciona um hospital na Barra da Tijuca, na capital fluminense, que está arrendado para a Unimed Ferj.

Coordenadora-geral de negociação da PGFN, Mariana Lellis Vieira destaca que, sem a carteira de planos de saúde, a Unimed-Rio perderia em capacidade de pagamento (Capag). Por isso, foi incluída na negociação a Unimed Ferj, “o que deu muita segurança para o acordo”. A medida, diz, ocorre em casos envolvendo grupos econômicos.

“O vínculo de corresponsabilidade entre empresas é um ponto que as procuradorias da Fazenda Nacional tentam deixar claro nos acordos de transação”, afirma ela, acrescentando que, com a medida, evita-se litígios posteriores sobre responsabilidade tributária.

Nesse caso, segundo Mariana, foi feita uma revisão na capacidade de pagamento da Unimed-Rio. Foram solicitados pelos procuradores documentos e esclarecimentos contábeis, além de ativos, patrimônio e comprovação de capacidade de geração de resultados.

Normalmente, a capacidade de pagamento é presumida pela PGFN, com base na situação econômica do contribuinte. Para isso, verifica-se as informações cadastrais, patrimoniais e econômico-fiscais do contribuinte perante a administração tributária federal e os demais órgãos da administração pública. Mas, em algumas situações, como a da Unimed-Rio, são solicitadas informações adicionais.

A Capag está prevista em lei e é utilizada pela PGFN para conceder benefícios em negociações – como descontos e/ou prazo alongado para pagamento. “Como toda presunção, temos pontos fora da curva, casos em que os dados que a Procuradoria olha não são suficientes para espelhar a realidade da empresa, e isso é esperado”, diz Mariana, acrescentando que a revisão da capacidade de pagamento pode acontecer internamente, sem que as empresas tenham que solicitar judicialmente, como algumas fazem.

Desde 2020, foram realizados 3,5 milhões acordos de transação tributária com contribuintes e, no mesmo período, a PGFN recebeu 14 mil pedidos de revisão da Capag. “A grande maioria dos casos fechamos com a Capag presumida”, afirma.

A procuradora-chefe da Divisão de Negociação na 2ª Região (Rio de Janeiro), Érica Barretto, destaca que a empresa sempre foi acompanhada pela PGFN, por ter sido a maior operadora de saúde do município e pelo fato de a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ter decidido instaurar o regime de direção fiscal na operadora – em razão da identificação de anormalidades administrativas e/ou econômico-financeiras graves.

O que se vê é a aplicação concreta de uma política pública moderna”
— Felipe Renault
A partir dessa medida, diz a procuradora-chefe, o objeto social da cooperativa mudou, ela deixou de ser operadora de plano de saúde e passou a ser uma prestadora de serviço de saúde. Na negociação, acrescenta, a PGFN avaliou que não seria possível fazer uma transação só com a Unimed-Rio, já que toda a receita de planos de saúde tinha migrado para a Unimed Ferj. “Foi negocial, não teve nenhuma decisão judicial determinando isso, negociamos a prevenção de um futuro litígio.”

Segundo o advogado Tadeu Puretz, do Renault Advogados, que assessorou a Unimed-Rio e empresas correlatas do grupo na transação, além da garantia real, o acordo também prevê regras de rescisão, a obrigação de desistência de contenciosos administrativos e judiciais e a possibilidade de utilização de precatórios e restituições tributárias para amortização de parcelas.

O sucesso do acordo, afirma o advogado, assegura a regularização fiscal da cooperativa e de suas empresas vinculadas e também a previsibilidade financeira necessária para a continuidade da prestação de serviços de saúde à população.

Para o advogado Felipe Renault, que também atuou na negociação, a transação consolida um modelo mais racional de gestão de passivos fiscais, em que prevalecem critérios objetivos e previsibilidade na relação entre o Fisco e o contribuinte.

“O que se vê é a aplicação concreta de uma política pública moderna, que privilegia o diálogo e a boa-fé, em substituição à litigiosidade excessiva que historicamente marcou esse campo”, diz Renault. Além dele e Tadeu Puretz, atuou no caso o advogado Rodrigo Rodrigues.

Antes desse acordo, a Unimed-Rio havia fechado outro com a ANS, para regularizar dívidas que somavam R$ 179,9 milhões. Foi intermediado pela Advocacia-Geral da União (AGU).

A transação, realizada com base na Lei nº 13.988/2020, abrange créditos inscritos em dívida ativa até dezembro de 2024, incluindo multas administrativas, ressarcimentos ao Sistema Único de Saúde (SUS) e taxas administrativas. Com o acordo, o valor devido foi reduzido para R$ 135,5 milhões. Ficou acertado ainda o pagamento de R$ 34,5 milhões, referentes a acordo anterior, realizado em abril de 2023.

Por Valor

09/10/2025 00:00:00

MP Editora

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